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sexta-feira, março 29, 2024

Por que devemos parar de pagar a dívida externa venezuelana?

O problema da dívida externa na Venezuela tem sido objeto de um constante debate, porém dificultado pela escassez de dados e referências confiáveis, motivado, por um lado, porque o governo de Nicolás Maduro não publica dados oficiais a esse respeito, e quase de nenhum aspecto econômico de importância. E, por outro, pelo fato de que as informações, publicadas por agências de notícias, com base em estudos de economistas e especialistas sobre o tema e os relatórios publicados pela Assembleia Nacional (AN), dirigida majoritariamente pela oposição burguesa, na maior parte das vezes estão influenciadas por abordagens visando saídas políticas e programáticas ao problema da dívida, baseados em medidas de ajustes macroeconômicos e similares, totalmente coincidentes com as orientações do Fundo Monetário Internacional (FMI). Ao reconhecer a dívida, aceitar seu pagamento e propor, quando muito, esquemas de reestruturação ou refinanciamento (que não é o mesmo) [1], em benefício dos credores, geralmente banqueiros e transnacionais, a consequência direta é o aumento da pauperização dos trabalhadores.

Por: Leonardo Arantes, da UST – Venezuela
Ocultação de dados oficiais, magnitude e composição da dívida externa
Existem alguns estudos independentes desenvolvidos por movimentos sociais que não se submetem a essa distorção, mas que de modo geral enfrentam às mesmas dificuldades. Apesar dessas limitações, tentaremos contribuir a esse debate, devido às grandes implicações da dívida externa pública venezuelana na atual crise política e econômica do país.
A dívida externa venezuelana é composta basicamente pela dívida adquirida pela Venezuela como República e aquela adquirida pela companhia estatal de petróleo PDVSA, através das emissões dos chamados bônus Soberanos (emitidos pela República através do Banco Central) e os bônus da PDVSA respectivamente. Somado a estes os empréstimos bilaterais por parte dos governos e empresas da China e Rússia, e em proporção minoritária alguns outros países, além dos relacionados a julgamentos e sentenças de arbitragem internacionais pelas nacionalizações de empresas. O valor total estimado, segundo os números mais conservadores, é no mínimo de 130 bilhões de dólares, no entanto, dados menos conservadores o colocam em um nível de 198 bilhões de dólares (…), para trabalhar com um valor intermediário, tomaremos uma média entre as duas afirmações, resultando em um montante de 164 bilhões de dólares, cifra que tende a coincidir com relatórios apresentados em foros organizados pelo Centro de Divulgação do Conhecimento Econômico – CEDICE (162 bilhões de dólares).
Um relatório do Observatório de Despesas Públicas do Cedice Liberdade, publicado em junho de 2019, divide a dívida venezuelana da seguinte forma: “dívida documentada em bônus emitidos pela Venezuela e PDVSA – US$ 68 bilhões; empréstimos comerciais – US$ 22,8 bilhões; empréstimos multilaterais (BID e CAF) – US$ 5,5 bilhões. De acordo com o documento, naquela data a Venezuela não possuía dívidas com o Fundo Monetário Internacional, nem com o Banco Mundial. A dívida bilateral estava em US$ 10,5 bilhões (China, Rússia, Brasil), enquanto os casos de arbitragem no Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos (CIADI) estavam em US$ 12,3 bilhões; a dívida com fornecedores em US$ 21 bilhões. Restantes US$ 17,6 bilhões em atraso, contas a pagar e outros passivos de Empresas Estatais” [2].
Outros estudos, como o publicado, em 2017, pela conhecida agência Prodavinci,  intitulado: “Dívida Externa da Venezuela em Cifras”, afirmam que a dívida externa totalizava US$ 184 bilhões em 2017, distribuídos da seguinte forma: US$ 112,3 bilhões consistentes em dívida da República, os quais incluiriam US$ 39,3 bilhões da dívida bilateral (empréstimos da China, Rússia e outros países) e US$ 16 bilhões pelas nacionalizações, reclamações e demandas perante o CIADI; e US$ 71,5 bilhões de dívida relativa a bônus emitidos pela estatal de petróleo PDVSA [3].
Essa diversidade de valores leva a uma situação similar em outros aspectos, como a dívida externa per capita e a relação dívida externa – produto interno bruto (PIB). Alguns analistas afirmam que o peso da dívida sobre cada venezuelano chegaria a US$ 3.916, enquanto outros estimam em US$ 5.000, da mesma forma, alguns estudos sustentam que a dívida externa representaria 200% do PIB enquanto outros afirmam que está na ordem de 229% do PIB.
Independente da determinação exata do montante da dívida e como é distribuído em sua composição, o que é indubitável é sua grande magnitude. A pouca transparência e a ocultação, por parte do oficialismo, das suas cifras e a consequente dificuldade de especificar exatamente seu valor total e distribuição são o melhor exemplo disso. Do mesmo modo, é inquestionável que o ônus da dívida externa sobre cada habitante do país, principalmente para os trabalhadores, cuja produção é, em última análise, a que paga, assim como a relação dívida / PIB do país é a mais desfavorável do continente e do mundo.
Origens da dívida externa do país
A dívida externa pública venezuelana tem suas origens no processo histórico de formação e agravamento dela no continente, marcado pela crise do petróleo no início da década de 1970 [4], que levou ao aumento dos preços do petróleo, e na chamada crise da dívida latino-americana dos anos 80. Devido ao superávit gerado pelas altas receitas do petróleo (embora também de outras matérias-primas), os governos do continente foram estimulados e pressionados a aceitar um grande volume de empréstimos a taxas de juros baixas. No início da década de 80, quando os preços do petróleo e das matérias-primas começaram a cair e as moedas dos países devedores se desvalorizaram (diante da cotação do dólar), inauguraram-se nesses países os problemas para cumprir os pagamentos e refinanciamentos previamente estabelecidos.
Para garantir o pagamento dos empréstimos, os países imperialistas, seus bancos e outros credores privados impuseram planos de reestruturação das dívidas (Planos Brady e Baker, entre outros), o que levou a novos empréstimos destinados exclusivamente ao pagamento das dívidas anteriores sob condições muito rigorosas, a favor dos credores, tais como a fixação de taxas de lucros flutuante (a critério dos credores) em vez de taxas fixas, capitalização dos juros de mora e novos juros sobre o principal decorrente dessa capitalização (juros compostos), garantias estatais para a dívida privada e, muitas vezes, transformação direta da dívida privada em dívida pública, entre outros. Além disso, a exigência de que os países devedores aceitassem a intervenção do FMI e o Banco Mundial através de seus planos de ajustes estruturais (PAEs) [5], inseridos no que se conhece como o Consenso de Washington [6].
Este processo de crise começa a se manifestar na Venezuela entre os anos 1981-1982, considerando-se que a dívida, em 1983, adquiriu enormes magnitudes, atingindo níveis impagáveis, o que resultou no famoso processo de desvalorização conhecido como “A Sexta-feira Negra” [7], gerando reestruturações da dívida no governo de Jaime Lusinchi em 27 de fevereiro de 1987 [8] e em 1997, mediante os bônus do Plano Brady [9].
No início do governo de Hugo Chávez a dívida externa não passava dos US$ 23,332 bilhões, incluída a dívida com o Fundo Monetário Internacional de US$ 3,3 bilhões. Durante seu governo, a Venezuela se converteu em um dos melhores pagadores da dívida externa da América Latina, sendo pioneira da modelo do “pagamento antecipado”. Somente no período de 1999 a 2006 foram pagos US$ 24,835 bilhões, uma média de US$ 3,1 bilhões  por ano, em 2006, foram pagos cerca de US$ 6,5 bilhões (4% do PBI estimado na época, quase o equivalente ao orçamento da saúde e educação somados), em 2007, a dívida com o FMI foi paga. Apesar de ter pagado um valor superior ao da dívida herdada, essa aumentou em  US$ 7,731 bilhões e atingiu a casa dos US$ 31,063 bilhões. Uma amostra da natureza fraudulenta dessa dívida.
O chavismo e o crescimento da dívida externa
Durante as duas décadas de governos chavistas, primeiro com o falecido Hugo Chávez e depois com Nicolás Maduro à cabeça, a dívida externa experimentou um crescimento espetacular e preocupante, apesar da pontualidade dos pagamentos feitos por esses governos, em detrimento das necessidades da população.
É de conhecimento de todos que, durante grande parte desse período, a Venezuela experimentou o maior boom de petróleo de sua história, estima-se que em quinze anos (1999 -2014) mais de US$ 960,589 bilhões ingressaram no país pelas exportações de petróleo, uma média de US$ 56,5 bilhões anuais, somente em 2007, a receita foi de US$ 203,983 bilhões. No entanto, nesse ano, ao anunciar o pagamento da dívida com o FMI, Chávez iniciou um vertiginoso processo de endividamento que aumentou consideravelmente a dívida externa.
Foram realizadas 15 emissões de bônus Soberanos pelo Banco Central da Venezuela representando uma dívida estimada em 72,001 bilhões de dólares, das quais 14  foram emitidas  durante o governo de Hugo Chávez e o restante durante o de Nicolás Maduro. De outro lado estão os bônus de Petróleos da Venezuela (PDVSA), durante os governos chavistas a companhia estatal emitiu nove bônus entre 2007 e 2016. No total, a PDVSA deve pagar 49,171 bilhões de dólares, isto, junto com outras dívidas adquiridas mediante empréstimos bilaterais, principalmente da China e Rússia, bem como as provenientes dos processos de nacionalizações, que foram essencialmente a compra de empresas por meio de mecanismo de aquisição de pacotes acionários destas (algo normal no âmbito do direito burguês). Acordadas a preços superiores inclusive a seu valor de mercado, vem a constituir uma dívida estimada nos valores já mencionados acima e que continua aumentando vertiginosamente, tornando seu montante total um mistério na ausência de estatísticas oficiais.
Este último, apesar dos enormes pagamentos feitos pelos dois governos, Maduro, por exemplo, pagou mais de 80 bilhões de dólares desde 2013 até o presente, embora alguns analistas digam que desde 2018 o país entrou em default com algumas de suas dívidas (inadimplência seletiva) sob o risco de possíveis casos de embargo de vários dos ativos da nação no exterior. Afora as medidas de embargo sentenciadas devido a resultados desfavoráveis para o país em casos de demandas de transnacionais imperialistas no Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos (CIADI), alegando não-pagamentos nas dívidas por nacionalizações [10].
A verdade é que, apesar seu discurso anti-imperialista, o chavismo intensificou as amarras que ligam o país com o imperialismo, primeiro reconhecendo integralmente e cumprindo com os pagamentos da dívida herdada do anterior regime do pacto de Ponto Fixo[1], pagando acima de seu valor aquela que esse mesmo regime havia contraído com o FMI e o Banco Mundial, pagando pontualmente uma ilegítima e odiosa dívida externa (inclusive com pagamentos antecipados) e aumentando o endividamento. Para isso o chavismo utilizou as altas receitas do petróleo, descapitalizando a PDVSA e levando o país à bancarrota.
Quem se beneficiou do endividamento? As consequências para a classe trabalhadora
Todo este processo de endividamentos – pagamentos de dívida externa – serviu para financiar e garantir os lucros de banqueiros e transnacionais através de diversos mecanismos, como a aquisição com bolívares por parte dos banqueiros, dos bônus emitidos pelo governo à taxa do dólar oficial e sua revenda à taxa do dólar paralelo (aproveitando a considerável diferença cambial) [11]. Bem como dos bônus comprados pela Venezuela a outros países, especialmente Argentina, onde foi aplicado o mesmo mecanismo de revenda e aproveitamento da diferença cambial [12]. Outro mecanismo foram os Certificados de Depósitos Bancários (CDBs) emitidos pelo Banco Central da Venezuela [13], a atribuição de divisas a taxa preferencial a capitalistas nacionais e transnacionais para importações através da Comissão de Administração de Divisas (CADIVI). A tudo isso, deve-se acrescentar a corrupção e o financiamento de obras de infraestrutura, inacabadas até hoje (várias delas à Odebrecht), onde mais de 46 bilhões de dólares foram desperdiçados, bem como o perdão de dívidas a setores burgueses [14], entre outros mecanismos.
Assim, o endividamento – pagamentos da dívida externa e transferência da renda do petróleo – financiou a maior fuga de capitais da história do país, estimada em mais de 500 bilhões de dólares, nos dez anos que se estendem de 2003 a 2013 (anos de existência de CADIVI). Também beneficiou e garantiu os lucros da burguesia nacional e transnacional [15] (banqueiros e empresários) e reforçou o surgimento e fortalecimento de um novo setor burguês associado ao regime chavista e onde tem um papel importante da burocracia militar, embora também seja composta por civis que parasitam o Estado.
Em contrapartida, a produção do país, incluindo o petróleo, siderurgia e mineração, sofreu um processo catastrófico de destruição, além do agroindústria, houve um unilateral e gigantesco corte nas importações de alimentos e medicamentos. Produto do desinvestimento e a falta de manutenção todo aparelho produtivo estatal desmorona, assim como a infraestrutura de serviços públicos, a educação e saúde públicas se encontram num completo desastre e a população trabalhadora padece de fome, miséria e morre por falta de medicamentos, vítima de uma profunda crise econômica e social que é agravada no atual contexto da pandemia do Covid-19 e como resultado das sanções imperialistas contra o país.
Atualmente, o governo aprofunda a pilhagem dos recursos petrolíferos e minerais, mediante a entrega direta às transnacionais do controle de aéreas territoriais do Cinturão de Petróleo do Orinoco para sua exploração, utilizando o mecanismo de empresa mista (violando a legalidade nacional vigente, a PDVSA em muitos casos está posicionada em minoria acionária). E através dos Acordos do Arco Mineiro Orinoco (AMO), avançando no processo de privatização da PDVSA, arrematando-a através da dívida externa e para a qual discutem, além disso, sua reestruturação, que inclui a constituição de empresas que contam com rendas próprias e poderes para fazer alianças com grupos nacionais e internacionais [16], a venda de ativos da indústria no exterior [17], a eliminação de subsídios e a modificação legal para permitir que o Estado seja minoritário na participação acionária nas empresas mistas.
O governo e a oposição burguesa concordam em pagar a dívida
Se existe algum acordo entre o governo de Maduro e a oposição patronal venezuelana liderada por Juan Guaidó (como também os outros setores da oposição burguesa), é a sua disposição de continuar pagando a dívida externa, em detrimento das necessidades do povo trabalhador submetido a tantas privações, demonstrando seu caráter burguês, inimigo dos trabalhadores e do povo humilde. Da mesma forma, eles procuram todos os mecanismos para pagar uma dívida externa dolorosa.
Desde 2017, com o esgotamento das finanças estatais e o aprofundamento da crise na indústria petrolífera estatal, responsável por 96% da receita do país, o governo começou a ter dificuldades para cumprir pontualmente os pagamentos de dívida externa, Maduro começou a falar sobre “renegociá-la”, buscando reestruturá-la ou refinanciá-la, o que é um claro reconhecimento de uma dívida fraudulenta e uma manifestação de sua disposição em pagá-la, tentando satisfazer aos credores internacionais à custa de impingir grandes calamidades à classe trabalhadora e aos setores populares.
Isso foi impedido pelo presidente ultrarreacionário dos EUA, Donald Trump, através da assinatura de uma ordem executiva proibindo negociações sobre nova dívida e capital emitidos pelo Governo da Venezuela e sua companhia estatal de petróleo (PDVSA), atingindo duramente ao sistema financeiro venezuelano. Essa medida esteve precedida de sanções contra servidores públicos de alto escalão no chavismo, mas que não surtiram efeitos na economia nacional. Posteriormente (2018) com a Venezuela em situação de default seletivo, o governo Trump emitiu, apesar das sanções, ordens autorizando o pagamento de determinados bônus, particularmente em 2020, emitidos pela PDVSA, buscando garantir os lucros dos credores norte-americanos. Maduro continuou pagando a dívida, principalmente os juros e a amortização de 25% do capital principal do bônus 2020, que tem como característica peculiar estar respaldado por quase 50% das ações da CITGO (filial americana da PDVSA) [18]. Desde então, Maduro continuou insistindo na “renegociação” da dívida externa.
O opositor burguês, Juan Guaidó, autoproclamado presidente, com o apoio do imperialismo, principalmente o ianque, apoia as sanções de Donald Trump, mais pesadas a partir do primeiro semestre de 2019, que incluem confisco de ativos, recursos monetários e bens tangíveis venezuelanos em solo norte-americano, que têm consequências diretas na economia venezuelana, agravando a crise econômica e social. Mas, além disso, foi autorizado pelo governo dos EUA alienar recursos confiscados, buscando assim, uma maneira de garantir os pagamentos da dívida aos credores gringos detentores dos bônus, através dos quais eles embolsaram US$ 71 milhões, em agosto de 2019.
Adicionalmente, Guaidó demonstrou sua disposição de continuar pagando a dívida externa, afirmando repetidamente que a comissão de dívida nomeada por ele na Assembleia Nacional (AN) possui estudo sobre a totalidade da dívida, incluindo a do bônus de 2020, e que, além disso, realizarão “as ações necessárias para projetar e preparar a renegociação da dívida pública, incluindo a proposta de refinanciamento ou reestruturação das obrigações”. O que se traduz claramente, utilizar todos os meios possíveis para continuar pagando a dívida externa, em benefício dos banqueiros e do capital financeiro imperialista.
Uma dívida ilegítima e abominável que é necessário parar de pagar
Mostramos com detalhes, a natureza fraudulenta da dívida externa venezuelana, mas também sua ilegitimidade e característica abominável. Uma dívida que foi paga em excesso, e continua aumentando, além de ter sido contraída em favor do interesse particular de uma minoria privilegiada, como os grandes bancos e capitais nacionais e transnacionais. Sua contratação careceu de qualquer tipo de benefício para a população, a dívida externa venezuelana foi contra os interesses do povo trabalhador venezuelano e em benefício dos capitalistas e dos dirigentes vinculados ao poder e ao imperialismo, conscientemente pelos credores, o que lhe confere uma característica de dívida abominável.
Este não é um caso particular da Venezuela, é um fato que, sob o sistema capitalista, toda dívida pública contraída pelo Estado burguês e seus organismos é destinada ao benefício e enriquecimento de banqueiros e empresários, usurários e especuladores, bem como de burocratas do governo e políticos de ofício associados e representantes da banca e do capital financeiro, quem conjuntamente descarregam o custo dessas dívidas sobre a extensa população trabalhadora. No caso específico da Venezuela, enquanto aumentava o endividamento externo, intensificava a fuga de capitais (por meio de mecanismos legais e ilegais), surgia e era financiada à boliburguesia garantindo e aumentando os lucros dos grandes banqueiros e capitalistas nacionais e transnacionais.
Para os países semicoloniais em geral e, portanto para Venezuela, a dívida externa é um dos principais – talvez o principal e favorito – mecanismo de controle econômico e pilhagem de riquezas, utilizado pelo imperialismo, saqueando os países semicoloniais que pagam com recursos provenientes do trabalho de sua classe operária. Além de serem usados como meio de controle político, impondo planos de ajustes, reformas tributárias, fiscais, previdenciárias e trabalhistas que acabam submetendo os trabalhadores a grandes privações.
Por esse motivo, a dívida externa venezuelana pode e deve ser rejeitada e ignorada pelos trabalhadores e pelo povo do país; qualquer perspectiva de solução à crise a seu favor, começa em deixar de pagar imediatamente a dívida externa.
Dessa maneira, poderemos disponibilizar os recursos necessários para reativar o aparelho produtivo nacional, recuperar a produção de petróleo, siderúrgica, mineração e alimentos. Bem como para enfrentar imediatamente a situação de fome e miséria que castiga os trabalhadores e o povo humilde do país, importando alimentos e medicamentos necessários para que possamos comer e nos curar (enquanto a produção nacional se recupera). Da mesma forma os recursos estariam disponíveis para implementar e poder realizar uma quarentena real, sem fome nem calamidades e não baseada na repressão, mas em garantias de solução para os problemas que padecem os trabalhadores e famílias dos setores populares durante a quarentena e em condições adequadas para seu efetivo cumprimento.
Nós da Unidade Socialista dos Trabalhadores, chamamos a construir a mais ampla manifestação para exigir o fim do pagamento da fraudulenta, ilegítima e abominável dívida externa venezuelana [19].
Notas:
[1] O refinanciamento consiste na emissão de novos instrumentos de dívida para pagamento de obrigações prévias. Em essência, uma velha dívida e substituída por uma nova dívida com novos termos de juros e prazos, ou seja, é paga mais tarde, mas paga-se mais. A reestruturação consiste em modificar os termos dos contratos já existentes, após uma negociação entre o devedor e seus credores. Essas mudanças poderiam envolver uma extensão dos prazos para efetuar os pagamentos, uma redução das taxas de juros, ou a diminuição do valor nominal dos instrumentos no momento do pagamento, com o qual poderia haver inclusive uma “redução” no montante do principal, mas geralmente acompanhada de um aumento ou nas taxas de juros, ou à fixação de uma taxa de juros flutuante a critério dos credores, incluindo também o cumprimento por parte dos devedores, de uma série de condições, na forma de ajustes macroeconômicos orientados pelo FMI, exigidos como garantias pelos credores.
[2] https://cronica.uno/en-20-anos-deuda-publica-de-venezuela-aumento-mas-de-200-y-citgo-es-una-de-las-hipotecas/
[3] Especial Prodavinci, Venezuela: A dívida externa em cifras.
[4] Em 16 de outubro de1973, os países árabes membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), além do Egito, Síria e Tunísia e membros do Golfo Pérsico da OPEP, como o Irã, decretaram um embargo, decidindo não exportar mais petróleo aos países que apoiaram Israel durante a guerra do Yom Kipur travada entre Israel com a Síria e Egito. Essa medida incluía os Estados Unidos e seus aliados da Europa Ocidental (principalmente os Países Baixos e Portugal). Além disso, a OPEP decidiu reduzir a produção de seus países membros, que naquela época eram responsáveis por 54% da produção total de petróleo, como resultado, o preço do petróleo disparou de 2,5 para 11 dólares o barril. Essa situação se manteve até o início dos anos 80.
[5] Os Planos de Ajustes Estruturais (PAEs) são uma série de políticas de ajuste macroeconômico, de natureza neoliberal, com o objetivo de “estabilizar” as economias afetadas pela crise e reestruturá-las para que possam lidar sem problema com os pagamentos do serviço da dívida. O ajuste estrutural converteu-se, desde a década dos anos 80, na receita única a ser adotada pelos países endividados que queriam aceder aos empréstimos do BM ou o FMI. Estes planos afetaram desproporcionalmente os mais pobres do planeta, sobretudo através de duros cortes nos programas sociais, e tiveram impactos muito negativos nos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, em prol da “flexibilidade do trabalho”.
[6] O Consenso de Washington, como parte do processo de Globalização, visa avançar nos planos de recolonização imperialista, colocando aos países semicoloniais no papel de simples produtores de matérias-primas e fontes de mão-de-obra barata, para que seja rentável investir e maximizar os lucros. Suas diretrizes para esses países visam orientar suas economias para a exportação de matérias-primas para obter divisas, desregulamentar o mercado de trabalho para atrair os investidores estrangeiros, promover a criação de zonas francas (livres de impostos, sem leis ambientais nem trabalhistas, nem sindicatos…) onde esses investidores possam instalar suas empresas maquiladoras, reduzir as proteções tarifárias para abrir os mercados, entre outras.
[7] Referência a sexta-feira, 18 de fevereiro de 1983, quando o bolívar sofreu uma desvalorização abrupta em relação ao dólar norte-americano, derivada de políticas econômicas assumidas pelo então presidente Luis Herrera Campins, que incluíram o estabelecimento de um controle cambial, impondo restrição à saída de divisas.
[8] Os termos acordados em 27 de fevereiro daquele ano estabeleceram a ampliação para treze anos e meio do prazo para a amortização do capital, começando com o pagamento de 250 milhões de dólares naquele ano e concluindo com 2,338 bilhões em 1999; a redução para 7.8% da margem aplicável para as taxas libor (preço do dinheiro no mercado interbancário de Londres) bem como para os juros fixos; sem anos de graça e a promessa de futuros empréstimos
[9] O bônus Brady é um instrumento emitido pelos países devedores para reestruturar sua dívida com bancos comerciais estrangeiros. Recebeu esse nome por Nicholas Brady, secretário do Tesouro dos Estados Unidos em 1989, quando o plano começou a se implementado. Para aceitar o bônus Brady como meio de pagamento, os países devedores foram obrigados a seguir as diretrizes do Consenso de Washington. Isso implicava a estabilização macroeconômica, a liberalização do comércio, facilitação de investimento e redução do tamanho do Estado mediante privatizações. De tudo isso, podemos concluir que os bônus eram apenas parte de um plano que exigia reformas econômicas para assegurar o pagamento da dívida externa no futuro. Vide o site: https://economipedia.com/definiciones/bono.html
[10] No ano passado, o Tribunal de Apelações do Terceiro Circuito dos Estados Unidos decidiu que a transnacional Crystallex poderia confiscar as ações da Citgo, filial da empresa de petróleo estatal venezuelana – PDVSA, para cobrar uma dívida de 1.4 bilhões de dólares pela “expropriação” de seus ativos, ocorrida durante o mandato do ex-presidente Hugo Chávez.
[11] Em novembro de 2005, por exemplo, apesar da alta das reservas internacionais estavam em alta (30,368 bilhões de dólares), o governo emitiu papéis da dívida venezuelana, com vencimentos entre 2016 e 2020, no valor de 1.5 bilhões de dólares. Os banqueiros compraram estes títulos em bolívares à taxa de câmbio de 2,150 bolívares por dólar e os revenderam imediatamente pelo valor do câmbio paralelo (2,500). Isso significou um excelente lucro em uma única emissão de títulos, esse mecanismo foi repetido em anos posteriores.
[12] O diário inglês Financial Times (1° de fevereiro de 2006), afirmava que “o Tesouro venezuelano vendeu os títulos Boden12 aos bancos a uma taxa de câmbio oficial de 2.150 bolívares. Em uma revenda de 100 milhões de dólares em títulos, os bancos obtiveram lucros em bolívares equivalentes a 17 milhões de dólares, segundo a taxa de câmbio informal, ou 21 milhões de dólares, de acordo com a taxa oficial”. No entanto, os cálculos do Financial Times referiam-se apenas para o primeiro lote de 100 milhões (parte de um pacote total de 2.400).
[13] Os CDBs tinham prazo entre 14 e 28 dias e pagavam uma taxa média de 10%. O banqueiro captava recursos através dos depósitos remunerados dos clientes, aos quais pagava 1,69%, e em seguida aplicava esse dinheiro na compra dos CDBs que o governo chavista emitia e que lhe rendiam 10%.
[14] Um exemplo disso foi o lançamento, em junho de 2008, do projeto “Reimpulso Produtivo, o Investimento é Venezuela”. Em um show, transmitido ao vivo, com mais de 500 convidados da fina flor da burguesia do país, como a Fedeagro (Confederação de Associações de Produtores Agropecuários), Fedeindustria (Federação de Artesãos, Micros, Pequenas e Médias Indústrias e Empresas), Confagan (Confederação Nacional de Agricultores e Pecuaristas da Venezuela), Cavidea (Câmera Venezuelana da Indústria de Alimentos), as empresas Polar e o banco Banesco, entre outros, foram anistiadas as dívidas dos “produtores rurais” (mais de 100 milhões de dólares), e inclusive mais de 30 milhões alocados em subsídios. Como se fosse pouco foram liberados um milhão de dólares para o setor de alimentos, manufaturas e matérias-primas.
[15] Segundo a agência Blomberg & News/Bungy, entre os principais detentores de bônus venezuelanos, tanto Soberanos como da PDVSA, estão: Goldman Sachs Group Inc, Blackrock, Fidelity Managemet and Research, T. Rowe Price Group Inc e Ashmore Group (as quatro primeiras norte-americanas e a última da Inglaterra)
[16] Como exemplo, em 11 de maio, foi constituída a empresa PDV-Portos, encarregada do gerenciamento dos portos e terminais de petróleo e com as características assinaladas.
[17] Recentemente foi efetuada, a venda de 35% das ações da refinaria sueca Nynas, com a PDVSA passando de 50% para apenas 15% dos títulos, renunciando assim a sua posição majoritária.
[18] O restante das ações dessa empresa também é comprometido por um empréstimo do governo da Rússia, algo que, também viola a própria Constituição Nacional.
[19] É preciso fazer uma distinção entre o default e a reivindicação do fim do pagamento da dívida externa ou suspensão de seu pagamento, o primeiro significa reconhecer a dívida, dizendo que naquele momento não é possível pagá-la e voltar a pagar o mais rápido possível. A suspensão do pagamento (ou cessação de seu pagamento) significa reconhecer que a dívida é ilegítima, fruto de sucessivas fraudes e concessões ao capital financeiro nacional e internacional e que não se pagará mais, uma vez que continuar pagando significa impor uma economia de guerra para a população e privilegiar os benefícios econômicos para os banqueiros, transnacionais e latifundiários.
[1] O regime do Ponto Fixo existia desde 1958 e, por mais de três décadas, assegurou grande estabilidade política ao país. De fato era um acordo entre os dois tradicionais partidos burgueses do país (ADECO E COPEI) para se alternarem no poder e assim compartilhar a parte da renda do petróleo que ficava com o Estado. Ruiu diante da Revolta Caracazo em 1989, ndt;
Tradução: Rosangela Botelho

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