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terça-feira, abril 16, 2024

Trotsky: o último bolchevique

“Fui revolucionário durante meus quarenta e três anos de vida consciente e durante quarenta e dois destes lutei sob as bandeiras do marxismo. Se tivesse que começar tudo de novo, tentaria, evidentemente, evitar esse ou aquele erro, mas no fundamental minha vida seria a mesma. Morrerei sendo um revolucionário proletário, um marxista, um materialista dialético e, consequentemente, um ateu irreconciliável. Minha fé no futuro comunista da humanidade não é hoje menos ardente, ainda que sim mais firme, do que na minha juventude.
Natasha se aproxima da janela, pelo pátio, e a abre para que entre mais ar no meu quarto. Posso ver a brilhante faixa de relva verde sob o muro, acima o claro céu azul e por todos os lados o sol que brilha. A vida é bela. Que as futuras gerações a livrem de todo o mal, opressão e violência e a desfrutem plenamente.”

Por: Juan P.
Testamento de Trotsky
Trotsky (nascido Lev Davidovich Bronstein, o pseudônimo foi tomado de um carcereiro) nasceu em uma família judia camponesa acomodada economicamente, na pequena aldeia ucraniana de Bereslavka, embora jovem tenha ido estudar na cidade de Odessa. Ele não foi o único bolchevique da família, sua irmã menor Olga também foi.
Aos 16 anos iniciou sua atividade militante e pouco depois foi conquistado para o marxismo por Aleksandra Sokolovskaya, que viria a ser sua primeira esposa,. Impulsionou a organização “União dos Trabalhadores do Sul da Rússia”, e por isso foi preso, passou dois anos na prisão e foi deportado para a Sibéria.
No entanto, Trotsky fugiu da deportação e chegou a Londres, onde conheceu Lenin, Plekhanov e Martov. Trotsky logo se juntou ao jornal Iskra, onde Lenin tentou sem sucesso que fizesse parte da equipe editorial.
Em 1903 Trotsky participou do segundo congresso do Partido Operário Socialdemocrata Russo, onde se alinhou com os mencheviques, abandonando-os pouco depois. Por muitos anos, Trotsky não fez parte nem dos bolcheviques nem dos mencheviques, tentando a reunificação do partido.
Em 1905 voltou à Rússia para participar da Revolução, na qual chegou a ser o líder do soviete de São Petersburgo. Com a derrota da Revolução, Trotsky foi novamente detido, encarcerado e, posteriormente, deportado para a Sibéria. Como na primeira ocasião, Trotsky fugiu para voltar novamente a Londres. Durante seus anos de exílio, também residiu na Áustria e na Suíça.
Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, Trotsky foi correspondente de guerra na França. Nessa época, Trotsky rechaçou o apoio dos partidos socialdemocratas à guerra, participando da conferência socialista antiguerra de Zimmerwald, junto com Lenin, Zinoviev, Radek ou Rakovsky, da qual redigiu suas conclusões finais.
Devido a suas atividades políticas, a França deportou Trotsky para o Estado Espanhol, de onde foi deportado, por sua vez, para os Estados Unidos. Quando estava vivendo no Bronx de Nova York, começou a Revolução Russa, pela qual levava anos militando.
A primeira revolução operária vitoriosa
Trotsky chegou à Rússia em 17 de maio de 1917. No entanto, sua viagem de volta para lá não foi nada fácil, já que foi internado em um campo de concentração britânico ao tentar viajar.
Depois de chegar, foi eleito membro do soviete pan-russo, e a partir de setembro foi eleito presidente do soviete de São Petersburgo, assim como em 1905. Nesse período revolucionário, Trotsky também experimentou a prisão, sendo preso no mês de agosto, por 40 dias.
Trotsky, que durante anos havia combatido a concepção de partido de Lenin, se juntou ao Partido Bolchevique em julho, sendo integrado em seu Comitê Central e convertendo-se em seu indiscutível “número 2”. De fato, foi Trotsky quem, a partir de sua posição no Comitê Militar Revolucionário, organizou a insurreição de outubro, que daria o poder aos sovietes e ao Partido Bolchevique.
Trotsky foi nomeado um dos 7 primeiros membros do Birô do Partido e entrou no governo revolucionário como “Comissário do Povo” (ministro) para as Relações Exteriores, encabeçando a negociação de Brest-Litovsk, que tirou a Rússia da Primeira Guerra Mundial.
No entanto, seu maior desafio ainda estava por vir. A partir de 1918, Trotsky liderou a criação e o impulsionamento do Exército Vermelho de seu lendário trem blindado, que passou de não existir a mobilizar vários milhões de soldados, e foi capaz de derrotar em uma sangrenta guerra civil a contrarrevolução dos generais russos e a intervenção de 16 exércitos estrangeiros.
A luta contra a burocratização
Ainda que a guerra civil tenha sido vitoriosa, ela não saiu ilesa. A classe trabalhadora, que havia protagonizado a Revolução, havia formado o núcleo central do Exército Vermelho, dispersando-se e morrendo em grande número durante a guerra civil. Os sobreviventes haviam abandonado as cidades, que ficaram vazias, para se espalharem pelas zonas rurais onde, pelo menos, poderiam cultivar algo para sobreviver. A situação era tal que o dinheiro simplesmente havia deixado de ter valor porque não havia nada para comprar.
Além disso, as exigências de uma guerra brutal haviam militarizado a sociedade ao extremo. O Partido Bolchevique eliminou o resto dos partidos, que haviam boicotado o esforço de guerra e atentado contra o governo (Lenin, por exemplo, levou um tiro). Dentro do partido, as frações foram temporariamente proibidas. Por sua vez, o próprio partido havia mudado sua composição, com um peso cada vez mais decisivo de funcionários do Estado e cada vez menor da classe operária.
Após o fim da guerra, a democracia soviética nunca mais recuperaria seu conteúdo. Isso coincidiu com a doença de Lenin, que desde 1921 até sua morte, em janeiro de 1924, esteve a maior parte do tempo incapacitado. Lenin, que havia rompido suas relações com Stalin, detectou o grave começo da burocratização da Revolução e preparou uma aliança com Trotsky no 12º Congresso do Partido. Stalin, Zinoviev e Kamenev formaram uma aliança, a “troika”, que começou a preparar a substituição de Lenin.
Trotsky foi ovacionado nesse Congresso, com Lenin ainda vivo, mas absolutamente paralisado, e embora defendesse a necessidade de recuperar a democracia, não se enfrentou pública e diretamente com a troika, mas tentou ganhar “discretamente” o Comitê Central. Ao mesmo tempo, 46 ​​conhecidos dirigentes do partido dirigiram-se no mesmo sentido ao CC.
Em janeiro de 1924 foi realizada uma conferência partidária onde, dessa vez sim, Trotsky colocou publicamente suas posições. No entanto, a essa altura, a Troika já tinha um forte controle do aparelho do partido, e as posições de Trotsky ficaram completamente isoladas. Ainda que Trotsky continuasse formalmente sendo parte da direção do partido, na prática estava já separado. Seus seguidores começaram a ser expurgados das posições de responsabilidade. Em 1925 Trotsky foi retirado do cargo de chefe do Exército Vermelho.
Apesar disso, Trotsky continuou defendendo ferozmente a disciplina do partido. Ele dizia nessa época que “justo ou injusto, é meu partido e vou apoiá-lo até o fim.” E mais, Trotsky permaneceu em silêncio no 13º congresso do Partido, apesar de que Zinoviev e Kamenev haviam começado a se enfrentar com Stalin. Durante todo esse período, Trotsky esteve doente. De fato, esteve ausente do enterro de Lênin ao encontrar-se fora de Moscou e ser sabotado por Stalin.
Além da questão da recuperação da democracia, e de questões econômicas, o grande enfrentamento entre Stalin e Trotsky foi a teoria do “socialismo em um só país”, defendida por Stalin. Ele defendia que a União Soviética podia se desenvolver de maneira autônoma em direção ao socialismo, coexistindo pacificamente com o imperialismo mundial. Trotsky defendia a posição tradicional dos bolcheviques: era necessário manter a luta para expandir internacionalmente a revolução socialista, especialmente para os países mais desenvolvidos. Na verdade, Stalin já estava defendendo a visão de um estrato social privilegiado e conservador, que defendia manter a todo custo o status quo e não tinha nenhuma intenção de promover revoluções que colocassem em risco sua posição.
Já em 1926, Trotsky se uniu a Kamenev e Zinoviev para enfrentar Stalin. Um dos grandes cavalos de batalha foi a Revolução Chinesa, que foi duramente derrotada pela política stalinista, similar à política menchevique. A Internacional Comunista, sob o domínio stalinista, orientou o Partido Comunista Chinês a não defender a revolução socialista, mas a se integrar no Koumintang, um partido nacionalista-burguês, que acabou massacrando os comunistas.
Stalin, já firme em sua posição governamental, começou a tomar medidas severas contra os oposicionistas, que tentaram organizar manifestações independentes do governo no décimo aniversário da Revolução Bolchevique. Essas manifestações foram reprimidas pela força e Trotsky e Zinoviev foram expulsos do partido.
À medida que as medidas contra os oposicionistas ficavam cada vez mais duras, Zinoviev e Kamenev capitularam diante de Stalin. Trotsky se manteve, tornando-se o único grande dirigente da oposição, fazendo seu último discurso na Rússia por ocasião do funeral de seu amigo Joffe, que se suicidou em protesto contra o stalinismo. Em janeiro de 1928, pouco mais de dez anos depois da Revolução, Trotsky foi deportado novamente, desta vez para o Cazaquistão. Um ano depois, foi expulso para a Turquia.
Essa “pressa” de Stalin para tirar Trotsky do país, devido ao fato de que ele era o único que podia apresentar uma alternativa a ele, paradoxalmente salvou a vida de Trotsky. Quase toda a velha guarda bolchevique foi sistematicamente fuzilada alguns anos depois, após fazê-los confessar publicamente, sob tortura, a obscena acusação de serem “fascistas” ou “terroristas”. Igualmente, todos os seguidores de Trotsky na União Soviética foram exterminados. Inclusive sua família foi completamente aniquilada, sobrevivendo apenas seu neto Esteban Volkov, que ainda vive no México.
As previsões de Trotsky sobre o destino dos países “socialistas” se confirmaram. Trotsky colocava que, ou a classe trabalhadora realizaria uma nova revolução contra a burocracia e recuperaria seu poder, ou a burocracia acabaria restaurando o capitalismo. Infelizmente, foi isso o que acabou acontecendo em todos os países, da mesma forma onde os regimes stalinistas foram derrubados (como na URSS) e onde não foram (como a China).
Seus últimos anos: a luta pela IV Internacional
Depois de vários anos na Turquia, Trotsky foi transferido para a França e Noruega, países onde esteve sob estreita vigilância policial, vivendo na prática em prisão domiciliar. Finalmente, em 1937, o presidente mexicano Lázaro Cárdenas acolheu Trotsky, que viveu durante dois anos na Casa Azul de Frida Kahlo e Diego Rivera. No México Trotsky pôde retomar com maior liberdade sua atividade política. Especialmente valiosa foi a colaboração com James P. Cannon, Joe Hansen e Farrell Dobbs, do Socialist Workers Party estadunidense, a maior organização trotskista do mundo na época.
Desde 1933, o movimento trotskista estabeleceu como objetivo impulsionar novos partidos revolucionários, independentes dos Partidos Comunistas oficiais, e uma nova internacional, a IV Internacional. Por fim, a Internacional foi fundada em uma conferência realizada na clandestinidade em 1938. Nesse momento, o movimento trotskista contava apenas com alguns milhares de militantes espalhados pelo mundo, que eram perseguidos até a morte tanto pelo fascismo como pelo stalinismo.
Trotsky passou seu último ano em uma casa da avenida Viena, na Cidade do México, que atualmente é mantida como uma casa-museu. Nela, os serviços secretos soviéticos fizeram um atentado uma vez, metralhando a casa, sem conseguir assassinar Trotsky. Alguns meses depois, um agente stalinista catalão infiltrado no círculo mais próximo de Trotsky aproveitou um momento a sós com ele para cravar uma picareta em sua cabeça. Embora a arma tenha penetrado seu crânio, Trotsky conseguiu se defender, morrendo no dia seguinte aos 60 anos.
O legado de Trotsky
Somente por seu papel na Revolução Russa, Trotsky teria um lugar de honra na história revolucionária. No entanto, seu legado mais importante foi a defesa e difusão do marxismo revolucionário para as gerações posteriores. Trotsky foi o último bolchevique, o único representante vivo do Partido Lenin e da Internacional Comunista. Sem a infinita resistência e perseverança de Trotsky, Stalin teria extinguido o legado do marxismo revolucionário. “A História da Revolução Russa”, “A revolução traída”, “Em defesa do marxismo”, “A revolução permanente” e centenas de outras obras … são patrimônio de todos os revolucionários socialistas hoje, no nível das obras de Marx, Engels ou Lenin.
Mas Trotsky não foi um acadêmico, foi um militante da Revolução. Para além de seus escritos, seu legado vivo foi a IV Internacional. A IV Internacional nasceu em um contexto extremamente difícil, exterminada desde antes de seu nascimento pelo fascismo e pelo stalinismo. Apesar das dificuldades, sobreviveu, e com ela, a esperança da Revolução Socialista. Dirigentes como James Cannon, Nahuel Moreno e outros carregaram a bandeira do trotskismo ao longo das décadas. Hoje, a figura de Trotsky continua inspirando militantes revolucionários de todo o mundo.
Nós, da LIT-QI, nos consideramos seus humildes herdeiros. Apesar de que evidentemente o mundo mudou muito desde o seu assassinato, pensamos que sua obra e sua prática continuam sendo um pilar fundamental a ser estudado para as revoluções que virão no século XXI. Por isso, no 80º aniversário de seu assassinato, gritamos com orgulho: Viva Trotsky!!
Tradução Tae Amaru

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