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Colômbia

Negociação FARC-ELN-Santos: preparando as cartas

setembro 29, 2011
As possibilidades de uma abertura nas negociações entre as forças guerrilheiras e o governo de Santos converteram-se no “pão de cada dia”. O presidente não desperdiça nenhuma ocasião para dizer que tem as chaves para a abertura de qualquer negociação e que ele – e só ele – pode utilizá-las; acrescenta que está disposto a fazê-lo sempre e quando a guerrilha der demonstrações convincentes – isto é, cumprir exigências peremptórias – da vontade de negociar sem cartas por baixo da mesa.

 
Por seu lado, as FARC e o ELN proclamam através dos mais variados meios que  a busca de uma negociação tem sido sempre seu objetivo fundamental; que uma “solução política ao conflito social e armado” se impõe e que a meta a conquistar é a “paz com justiça social”.

Entre as várias declarações dos atores principais encontram-se constantemente as entrevistas, opiniões, comunicados e cartas de toda espécie de intermediários. Alguns deles assumem esse papel por iniciativa própria, sinceramente preocupados com os estragos que produzidos pelas décadas de enfrentamento armado em amplas faixas da população. Outros se apresentam como “independentes”, mas, na realidade, são “agentes políticos encobertos” de alguma das partes.

É possível abrir um processo de negociação?

As FARC respondem positivamente. À pergunta do jornal Público da Espanha, “Acredita que é possível abrir um processo de negociação com o Presidente Juan Manual Santos?” Alfonso Cano respondeu por escrito: “Com o esforço conjunto de muitos setores progressistas e democráticos interessados em uma solução não violenta do conflito, sempre será possível construir cenários e iniciar conversações diretas de horizontes certos, com qualquer governo, incluindo o atual ainda que este, começando seu mandato, tenha reduzido as possibilidades ao impor uma lei que fecha portas ao diálogo dentro do país. No entanto, somos otimistas quanto à possibilidade de consegui-lo.” [Público, 11/06/2011]. O que claramente subjaz na resposta é que as FARC se propõem a conseguir tal processo de negociação.

Para o ELN, a busca de uma negociação tem sido sua tática mais importante, no mínimo desde 1997. Em entrevista a El Espectador (14/08/2011), Felipe Torres, ex-comandante do ELN, que após cumprir sua condenação e depois de um prolongado exílio regressou ao país, afirmou que durante a época de Uribe o ELN manteve com este governo 8 rodadas de negociação em Havana, com acompanhamento de delegações da Espanha, Suíça, Noruega, Cuba e Venezuela. Não se pode mostrar maior espírito e disposição para negociar! Afirma também como sua organização “tem sido consequente em sua proposta de paz e a mantém desde 1997”, e conclui que “O ELN teria assinado a paz com Uribe se Luis Carlos Restrepo não tivesse atravessado como mula morta" e que “A paz hoje é mais possível que nunca”.

Outros setores, como o movimento Colombianos e Colombianas pela Paz, encabeçado pela ex-senadora liberal Piedad Córdoba, desenvolvem um constante trabalho de bons ofícios no que poderia denominar-se sondagem prévia, através de cartas e declarações pontuais das mais variada índole.

Ainda que Santos não tenha aberto as portas para montar uma mesa de negociação, podemos afirmar que, depois das oscilações, os preparativos parecem se desencadear. Discute-se a cor das toalhas que enfeitarão tal mesa, quem oferecerá o coquetel de boas-vindas e outros detalhes. Tanto se avança neste terreno que Piedad Córdoba, em carta de 16 de agosto ao Comando Central do ELN, afirma “a necessidade de uma mesa única de diálogo e negociação, para um processo de paz único e nacional é tamanha que nas últimas comunicações de vocês e do Secretariado das FARC-EP registramos uma coincidência total na  ideia de fazer dos diálogos e da negociação o caminho apropriado para a solução política ao conflito político social e armado” (El Espectador, 16/08/2011). Para não duplicar esforços! Isso sim, à diferença das ocasiões passadas, talvez aprendendo com a experiência, todos os envolvidos parecem seguir a recomendação de Felipe Torres: “É necessário que o Governo e as organizações insurgentes comecem a falar, mas essa audiência deve ser privada e secreta, longe dos microfones” (El Espectador, 14/08/2011).

Aceitando o mínimo

As demandas concretas que a guerrilha poderia chegar a apresentar ainda estão para serem vistas. Para além da exigência de respeito à vida dos ex-combatentes, dos aspectos jurídicos para dar uma saída aos processos judiciais que pesam sobre a enorme maioria dos dirigentes e sobre dezenas de combatentes de base, da liberdade ou processos de anistia de seus prisioneiros, tudo o mais cai, até agora, em fórmulas tão abstratas e vagas como “paz com justiça social”. Essa fórmula bem poderia ser abençoada por um padre ou pela reacionária hierarquia da Igreja Católica, inclusive trazendo o Papa para que todos, de joelhos, prometam ao “Senhor” que a Colômbia será um país de “paz com justiça social”.

A solução para as necessidades concretas de milhões de explorados e oprimidos do país não passará por uma mesa de negociação do governo de Santos com as organizações guerrilheiras. Já Felipe Torres o disse: “O ELN tem atualizado sua agenda buscando consenso a partir do mínimo para nos sentirmos satisfeitos. Mínimos em educação, economia, desenvolvimento social ou justiça” (El Espectador, 14/08/2011) Estamos certos de que tal enfoque coincidirá com o de Santos: A burguesia sempre está disposta a isso: a entregar o mínimo! E Felipe Torres de antemão anuncia que com tais mínimos se sentirão satisfeitos.

O que negociarão?

Essa parece ser a pergunta do milhão. No entanto, não é muito complicado encontrar a resposta. Basta ler cuidadosamente as declarações do governo e das organizações guerrilheiras para aproximar-se e encontrar a possível solução ao que aparentemente pareceria impossível para organizações guerrilheiras de décadas e um governo (o de Santos), representante de um regime político absolutamente reacionário como o colombiano.

Para a grande burguesia e o imperialismo parece bastante simples. Trata-se, no mínimo, de que a guerrilha abandone expressamente a que durante várias décadas foi sua estratégia: que era necessário, para conquistar profundas transformações econômicas e políticas a favor de milhões de explorados e oprimidos, derrotar pela via armada ao dito regime político e constituir um governo democrático e nacionalista. Essa estratégia se aliava sempre no passado – cada vez menos– com alusões gerais a um futuro socialista do qual tal governo democrático-nacionalista seria uma “etapa necessária”, seguindo a clássica escola stalinista (as FARC), com sua variante castrista (o caso do ELN).

Conseguido a renúncia a tal estratégia, como diz o provérbio tudo o mais virá por acréscimo. Terminará o desprestigiado método do sequestro, terminarão as exigências econômicas às multinacionais que desenvolvem os grandes projetos de mineração e agroindustriais, se entregarão as armas (para as fundir e fazer monumentos, como no passado) e, depois de “profundas negociações”, se buscará a forma dos comandantes guerrilheiros conseguirem converter-se em respeitáveis “dirigentes políticos”, e serem eleitos para o Congresso, indicados para algum ministério ou para a gestão de algum departamento.

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