qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

Polêmica | A crise do coronavírus no Brasil: A frente ampla não é solução

Uma crise nunca antes vista se abateu sobre o mundo. Cenas inimagináveis foram vistas no que é o coração do imperialismo. Valas abertas em Nova York para enterrar indigentes, filas de caminhões com cadáveres na Itália. No Equador, um país semicolonial, centenas de mortos insepultos em Guayaquil.  São mais de 211 mil mortos notificados em todo o mundo, à data do fechamento deste texto. 21 mil mortos no Reino Unido, 23,8 mil na Espanha, os EUA já contam mais de 56 mil mortos, 17 mil só em Nova York.

Por: Jerônimo Castro
A crise social aberta pela pandemia é acompanhada por outra, econômica, em números poucas vezes vistos: há uma previsão de que o PIB mundial pode descer 3%, (segundo o FMI), 7% na Alemanha, 5,2% no Japão, 9,1% na Itália e 5,9% no EUA. Só nos EUA, 22 milhões de pessoas perderam o emprego em uma semana.
Números catastróficos no mundo, que no Brasil não são melhores. Já temos 67,4 mil casos, com mais de 5 mil mortos confirmados, uma taxa de mortos em torno de 400 por dia. Sabemos, no entanto que, por conta da elevada subnotificação, esses números são bastante superiores.
Milhares de pessoas já perderam ou vão perder seu emprego nos próximos dias. Nas condições do Brasil, que são estrutural e qualitativamente piores que a dos países que citamos (Estados Unidos, Itália, Japão e Alemanha) com certeza os efeitos da pandemia serão dramáticos, uma catástrofe social de grandes proporções se aproxima.
Diante disso, a pergunta que surge é: qual a saída? Aprofundar as reformas neoliberais, diminuir ainda mais os encargos sociais e trabalhistas? Desobrigar ainda mais o Estado? Ou seria aumentar a carga tributária dos ricos, taxar as grandes fortunas, acabar com as isenções fiscais? Qual o programa econômico para enfrentar a crise?
E quais as medidas políticas e sociais? Fazer quarentena? Total ou parcial? Como garantir a comida dos mais pobres enquanto eles não trabalham? E os leitos hospitalares necessários, como consegui-los?
Por fim, nesta luta por nossas vidas, quem são nossos aliados e nossos inimigos?
O plano de Bolsonaro…. e o da burguesia
Bolsonaro defende o fim do insuficiente isolamento social que se tem feito, que o comércio abra, que os mais fracos adoeçam e morram. Defende aproveitar a pandemia para aprofundar os ataques aos trabalhadores, momentaneamente impedidos de fazer grandes ações de massas. Quer salvar a economia, diz que se preocupa em evitar o desemprego, mas se estivesse realmente preocupado com o emprego poderia simplesmente baixar uma Medida Provisória garantindo estabilidade. Ao invés disso faz campanha para que todo mundo vá trabalhar, mesmo sabendo que isso significa condenar muitos milhares à morte, e ainda reduzir os salários e suspender os contratos de trabalho, apoiando-se em empresários que estão demitindo a rodo, como o dono da rede de restaurantes Madero, que disse que a economia deveria continuar funcionando mesmo que morram 5 ou 7 mil pessoas… e depois ainda mandou embora 600 funcionários de uma vez. São os mesmos que promovem carreatas da morte ou em defesa da ditadura.
A postura de Bolsonaro é tão exageradamente genocida, que mesmo quem não tem a mínima empatia com o povo, como Witzel (o que queria mirar na cabecinha, que comemorou aos pulinhos a execução de um jovem na ponte Rio Niterói, o que queria usar mísseis contra favelas), ou Dória, (ambos apoiadores do próprio Bolsonaro nas eleições) parecem ser pessoas sensíveis ao fazer abaixo do mínimo, mas ao final fazer, para conter a pandemia.
O isolamento social completamente insuficiente realizado pelos governadores tampouco tem razões humanitárias, mas meramente econômicas.  Com diferenças no varejo, estes governadores, e também alguns outros políticos, como o presidente do Senado Davi Alcolumbre e o da Câmara, Rodrigo Maia, defendem, no atacado, o mesmo projeto econômico que Paulo Guedes, o Posto Ipiranga do Bolsonaro: um plano de resgate aos grandes empresários, e um ajuste pesado contra os trabalhadores.
Mas as diferenças no varejo, em uma situação como a atual, significam optar por se responsabilizar ou não por algumas milhares de mortes, e, se tudo der errado, pela possibilidade de uma convulsão social de tamanho imprevisível.
É esta diferença que fez, por exemplo, o ex-ministro Henrique Mandetta, (um oligarca ligado aos latifundiários do Mato Grosso do Sul, antiaborto, defensor da privatização do SUS, inimigo das campanhas de prevenção à disseminação do HIV), parecer um honesto combatente da defesa da saúde pública ao se defrontar com a política de barbárie explícita de Bolsonaro.
Aliás, até Mourão, que como disse alguém outro dia come de talheres na frente das visitas, mesmo defendendo o torturador Brilhante Ustra, pode parecer “civilizado” perto de Bolsonaro.
E a oposição de esquerda parlamentar, quê?
Também nas “esquerdas” parlamentar há debate sobre saídas e alternativas. Freixo, ano passado, em uma entrevista à Carta Capital[1] declarou que em relação à campanha eleitoral para prefeito do Rio “estamos muito avançados com o PT e o PV, há uma grande chance com a Rede e quero muito que venham também o PDT e o PCdoB”, e segue falando que só topa ser candidato de uma Frente Ampla “progressista”. Em entrevista a Sakamoto[2] recentemente declarou que achava “inadmissível o campo progressista perder a eleição de 2022 para o bolsonarismo” e que se devia “buscar na figura do Fernando Haddad, do Ciro Gomes, do Flavio Dino” um “programa de enfrentamento ao bolsonarismo e não ao Bolsonaro”.
A questão é que programa é esse a que Freixo se refere?
Bem, vejamos o que esses aliados progressistas defendidos pelo Freixo têm feito e proposto em relação à mais grave crise já enfrentada por esta geração de brasileiros.
Freixo, na entrevista já mencionada a Sakamoto, se declarou contra o impeachment de Bolsonaro, porque segundo ele paralisaria o Congresso, quando o mais importante seria acelerar as medidas de combate ao coronavírus nesta mesma Casa: “o desejo do impeachment, que é correto e compreensível, não poderia ser realizado neste momento. Imagina se a gente pára a votação de uma renda mínima ou uma política de recursos para hospitais de campanha para tratar de Bolsonaro e paralisar o país por seis meses?”[3]
Freixo advoga que o Congresso Nacional é o grande combatente contra a epidemia e defensor do povo, tanto que votou a favor da PEC 10/20 mais conhecida como PEC do Orçamento de Guerra. Uma medida que não tem nada a ver com o auxílio irrisório aos trabalhadores, mas sim com garantir ainda mais dinheiro aos banqueiros e ao sistema financeiro (saiba mais aqui).
Freixo comemorou muito a ajuda de meros R$ 600 para os desempregados, autônomos e trabalhadores informais considerando tal medida uma grande “vitória”, quando todos sabemos que esse valor, muito inferior ao salário mínimo, significa um rebaixamento da renda média dos trabalhadores informais. E muito pouco se considerarmos o montante dado a um punhado de banqueiros. Sem dúvida esse dinheiro, mesmo sendo pouco, é importante para quem está passando fome. Mas nem mesmo os R$ 600 está sendo garantido: nem metade dos que deveriam ter direito receberam. O papel da esquerda, neste sentido, deveria ser o de exigir mais, fazer pagar e denunciar que estão escondendo a montanha de dinheiro que estão dando aos bancos.
Já o PT, na figura de seu dirigente Jilmar Tatto, foi pelo mesmo caminho. Para ele, pedir o Fora Bolsonaro agora, leia-se impeachment, paralisaria a luta contra o coronavírus. E essa tem que ser a prioridade agora.
Ele disse ao Jornal Vale “Bolsonaro não serve para o país, não tem mais condições de governar, está isolado. Mas agora o povo não está na rua, porque não pode. O Congresso não está se reunindo.” e depois completou “Temos que cobrar que o governo implemente as propostas do Congresso. Que dê crédito às pequenas e médias empresas. Salvar vidas é a maior preocupação. E que as pessoas tenham o mínimo para comer”[4]
Ciro Gomes, em entrevista à Carta Capital, foi mais longe ainda e se disse irritado com o PT que propôs em uma reunião que se garantisse uma renda mínima no valor de um salário mínimo para os trabalhadores. Em sua opinião isso é irrealizável agora.
Na entrevista ele disse: “Tivemos uma reunião ontem (terça 24). Estamos discutindo uma coisa séria, fazendo simulações. O que seria possível pagar a esse contingente de trabalhadores informais, àqueles obrigados a ficar em casa e sob risco de perder o emprego? 800? 500 reais? Uma renda mínima mensal para possibilitar que os brasileiros atravessem essa crise. Aí o PT sai da reunião e anuncia um programa de um salário-mínimo, sem fazer contas, sem se preocupar com as consequências. O Bolsonaro agradece.”
Outro que vem demonstrando muita “responsabilidade” e “preocupação” neste momento é o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), que disse que, se Bolsonaro entregasse o poder a Mourão, “o Brasil chegará em 2022 em melhores condições”.
Flávio Dino recentemente tentou desalojar toda a comunidade do Cajueiro, uma comunidade quilombola, o que lhe valeu uma longa matéria no The Intercept, onde o site o acusa de estar mancomunado com grandes empresas chinesas, além de ter entregado a Base Militar de Alcântara para os EUA.
Estes representantes da “esquerda” buscam construir uma frente ampla eleitoral para 2022, e em princípio não lutam para que Bolsonaro saia do governo antes dessa data. Por isso, mesmo agora, quando a crise do governo é aguda, seguem como apêndice de Rodrigo Maia. E, caso a própria classe dominante, devido à crise, busque afastá-lo, atuam no sentido de manter o status quo, a atual ordem vigente, a democracia dos ricos e o sistema capitalista. Seus programas propõem “concessões” mínimas aos de baixo, enquanto segue operando o sistema, a acumulação de capital e a economia voltada para o lucro. Levando, no caso do PCdoB, ao absurdo até de elogiar como proposta Mourão presidente e defender a construção de uma “unidade nacional” de toda burguesia na prática, com uma frente juntando todo mundo (inclusive MDB, PSDB, etc.).
Freixo, ainda na entrevista ao UOL, defende medidas como uma renda básica e outras como a isenção de água e luz aos pobres, e a disponibilização de quartos de hotel para o isolamento dos moradores contaminados nas comunidades. Ele é também autor da proposta de taxação das grandes fortunas que, segundo seus cálculos, daria algo como R$ 159 bilhões.  Evidentemente concordamos com essas medidas, e seriam importantes numa situação de grave crise social e sanitária. O problema é que elas são extremamente insuficientes para combater a catástrofe que o país vive hoje, o que dirá a histórica desigualdade social do Brasil.
Para resolver os problemas emergenciais, para garantir a vida, o emprego e a renda dos trabalhadores durante a crise do coronavírus, são necessárias medidas que ataquem o lucro e a propriedade dos grandes capitalistas. É necessário, por exemplo, estatizar a rede privada de saúde para garantir tratamento a quem necessita, redirecionar a produção industrial para abastecer os hospitais com respiradores (e a população com álcool em gel, máscaras, etc.), forçar a suspensão das atividades dos setores não-essenciais, proibir as demissões, além de parar de pagar a dívida aos banqueiros para prover renda aos milhões de informais e desempregados, e garantir o combate à pandemia e à catástrofe econômica e social.
As medidas defendidas pelos que compõem a frente ampla, ao contrário, são medidas cosméticas que não alteram em nada a situação da grande massa de trabalhadores, pobres e miseráveis. É um programa como o do PT, que após 13 anos no poder, não resolveu nem o problema do saneamento básico, deixando a maior parte do povo ainda mais vulnerável agora com a pandemia.
Acreditam que é possível fazer pequenas reformas e transformações através deste parlamento corrupto cuja composição hoje conta com uma “esquerda” e “centro-esquerda” de 130 deputados divididos entre, PT (53), PSB (30), PDT (28) PSOL (10) PCdoB (8) e REDE (1). Ou seja, algo muito distante de poder aprovar ou reprovar qualquer medida séria em defesa dos trabalhadores nesta Casa. Por outro lado, a bancada dos empresários conta com 217 deputados, a dos ruralistas com 153, a dos evangélicos com 75, e as mulheres são apenas 15%. O Parlamento é uma instituição para gerir o sistema capitalista, por isso é impossível de ser controlada pelos de baixo.
Nós, o que propomos
Como já afirmamos, defendemos as medidas como o auxílio emergencial (mais ainda, achamos muito pouco, teria que ser de pelo menos 2,5 salário mínimos), e a taxação das grandes fortunas. Outra coisa é achar que isso resolve de fato a situação da classe trabalhadora e da população pobre e marginalizada desse país. Não resolve, é preciso ir bem além disso. Mas são no limite dessas medidas que atuam os partidos e setores da chamada frente de esquerda, com uma perspectiva eleitoral.
Esta proposta de uma frente ampla, uma reedição do que foram os governos do PT de 2003 a 2016, ou seja, uma frente entre diversos partidos de “esquerda”, “centro-esquerda” e “direita”, nós sinceramente achamos um desastre.
Lula e o PT conseguiram, por alguns anos, e graças a uma conjuntura excepcional, fazer pequenas concessões parciais (como o Bolsa Família) enquanto atacava a Previdência, o seguro-desemprego, vendia parcelas da Petrobras e não resolvia nenhum problema estrutural do país. Esta conjuntura econômica mundial que permitiu ao PT fazer pequenas concessões aos mais pobres, enquanto os banqueiros ganharam dinheiro como nunca, dificilmente se repetirá nos próximos anos.
Jogar para as eleições de 2022 a tarefa de tirar Bolsonaro significa deixá-lo seguir sabotando o combate ao coronavírus, com uma política genocida de continuar chamando a romper a quarentena, disseminando mentiras e boatos que atrapalham no combate à pandemia.
Em segundo lugar, significa deixar Bolsonaro no principal cargo da República, aplicando uma guerra social contra os trabalhadores e de entrega do país, um projeto de fome, superexploração e semi-escravidão; articulando com milicianos, lúmpens, aventureiros e militares a tentativa de um golpe que o coloque em condição de levar adiante seu projeto de ditadura, escravidão, e agora, genocídio.
Por fim, significa que, mesmo que esta política dê certo, ou seja que se forme uma frente ampla que ganhe as eleições em 2022, teremos um governo de aliança com a burguesia para aplicar o mesmo projeto de ajuste contra os trabalhadores, que os governadores de oposição hoje aplicam, que não difere em quase nada do projeto de Rodrigo Maia e cia.
Diante da maior crise do sistema capitalista que todos nós já vimos, limitar nossos horizontes políticos à reedição de uma experiência, tantas vezes fracassada, e que nos levará exatamente ao ponto de partida da crise que vivemos hoje, não nos parece uma opção válida.
Apostar na classe trabalhadora e nos setores populares, sua auto-organização e seu poder
Nossa estratégia está voltada para um norte muito diferente do proposto pelos defensores da frente ampla. Propomos que, no combate ao coronavírus, se ouça e se organizem os trabalhadores e o povo pobre, se desenvolvam experiências como a de Paraisópolis onde a população está se organizando, ou do movimento Luta Popular que está, junto com assentamentos organizados pela CSP-Conlutas no campo, organizando a entrega de comida à população mais carente.
Defendemos que se desenvolva a experiência de centenas de pessoas que hoje voluntariamente fazem máscaras para distribuir, ou da fabricação de viseiras de proteção via impressoras 3D para doar aos profissionais de saúde.
Mas mais que essas iniciativas, poderíamos reconverter e controlar fábricas para que fizessem respiradores, máscaras, álcool 70º, e tantas outras coisas.
As medidas econômicas contra o coronavírus devem ferir de morte o centro da economia capitalista, os ricos devem pagar a conta dessa crise, e isso começa pelo sistema financeiro, parar imediatamente de pagar a dívida pública, sobretaxar os lucros das grandes empresas, e se necessário confiscá-los, proibir a remessa de lucros para o exterior, confiscar as reservas de dólar das empresas e grandes empresários, controlar a produção das empresas colocando-as sob controle dos trabalhadores, seria algumas medidas que iriam contra a lógica do capital e não na lógica de defendê-lo ou reformá-lo.
[1]     https://www.cartacapital.com.br/politica/marcelo-freixo-tem-o-desafio-de-liderar-uma-frente-progressista-em-2020/
[2]     https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2020/03/26/pedir-o-impeachment-de-bolsonaro-agora-e-fazer-o-jogo-dele-afirma-freixo.htm
[3]     https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2020/03/26/pedir-o-impeachment-de-bolsonaro-agora-e-fazer-o-jogo-dele-afirma-freixo.htm
[4]     https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/04/09/pt-decide-no-aderir-ao-fora-bolsonaro-em-meio-pandemia-do-coronavrus.ghtml?GLBID=135c0a55327f5bc96d0bfe4dfb0c3da503441313868435061644d6b4c74334173766647553351624e63386d3332465173324e61543551506c65776d6d736d62395555686b484e2d677344536b325f6b524f7642514733567a52484e45524b773557494f7370773d3d3a303a75766c71716e626c79676f7879746965736e646d
 

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