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Colômbia: O que representa Francia Márquez como candidata à vice-presidência?

abril 4, 2022

Francia Márquez foi nomeada como candidata a vice-presidente da chapa de Gustavo Petro, apesar do esforço que ele fez para oferecer o cargo a um liberal sem se importar em descumprir acordos anteriores. A pressão do processo político que deu a Francia 803.000 votos na consulta do Pacto Histórico [ampla coalizão eleitoral, composta por partidos de esquerda e centro-esquerda, para as eleições de 2022, ndt] foi mais forte. Foi ela quem melhor canalizou o descontentamento e o radicalismo da luta de massas nas ruas, especialmente após a greve nacional de 45 dias em 2021.

Por: Comitê Executivo da PST-Colômbia

O grito que os de cima não querem ouvir

O descontentamento da população e a indignação perante o agravamento da crise social, por um lado, e por outro, a corrupção flagrante, os massacres, a repressão do regime político e a acumulação de riqueza por um punhado de capitalistas, enquanto milhões passam fome, não permite espaço para abraços, reconciliação, perdão, pacifismo e resignação. Não basta que tudo permaneça igual, mais do mesmo, a única coisa que resta para nós, os que estão embaixo, é a dignidade e a força para lutar por uma mudança radical, um grito que os de cima não querem ouvir.

A necessidade de mudança é o que expressa a ascensão de Francia Márquez; que se manifesta no descrédito do uribismo, que obriga Federico Gutiérrez [candidato a presidência pela Coalizão Equipo por Colômbia, de direita, ndt] tentar esconder qualquer vínculo com este setor e ao mesmo tempo representá-lo. É o que também explica a razão pela qual o centro conciliador [Coalizão Centro Esperanza, que reúne setores de centro e centro-esquerda, ndt] hoje encabeçado por Sergio Fajardo tenha recebido tão poucos votos. A necessidade de mudança é o que obriga Gustavo Petro a nomear Francia Márquez como sua vice-presidente.

A nossa indignação contra o ódio deles

As “pessoas de bem” não conseguiram esconder o ódio que Francia Márquez causa nelas por ser uma mulher, negra, de origem pobre, trabalhadora mineira, representante de todos os setores oprimidos e uma líder social que foi perseguida e ameaçada; segundo eles, uma sebosa, uma intrometida. Para completar, uma candidata a vice-presidente que demonstrou dignidade, com um discurso pausado, firme, franco, direto e honesto.

O ódio da classe capitalista contra Francia Márquez foi expresso por César Gaviria [ex-presidente, de 1990 a 1994, ndt] porque ela lhe disse que ele representa o neoliberalismo e mais do mesmo. Como se isso não fosse verdade. Para César Gaviria estas são “palavras grosseiras, falsas e maliciosas que constituem uma ofensa inaceitável”. Gaviria diz que a Francia é “grosseira” porque considera uma ousadia que uma mulher negra e pobre, fale com ele de igual para igual, porém, não houve nada de grosseiro nas suas palavras. Da mesma forma, muitos pronunciamentos, twets, publicações nas redes sociais, sobre Francia Márquez assim que sua nomeação ficou conhecida, como é o caso da jornalista Paola Ochoa, expressam machismo, racismo e ódio de classe contra essa líder social que, em última análise, significa o desprezo por todos nós, os despossuídos.

Para Gaviria e a burguesia, entregar o país ao imperialismo, aprovar leis para precarizar o trabalho e aumentar o desemprego, o roubo de 50 bilhões de pesos por ano através de contratos, o assassinato de líderes sociais e a repressão de manifestantes, não merecem indignação nem descontentamento, mas sim perdão, reconciliação e esquecimento. Os de cima odeiam e cometem todos os crimes possíveis com impunidade, mas os de baixo somos atacados por defender a dignidade e lutar pela mudança que necessitamos. Se nos defendermos, dizem que fomentamos o “ódio”.

Petro tenta reconciliar o irreconciliável

Petro tenta conciliar os interesses das classes sociais que são antagônicos e irreconciliáveis. Luis Carlos Sarmiento [homem mais rico da Colômbia, segundo a Revista Forbes, ndt] não vai abdicar dos seus 9,6 bilhões de dólares de capital acumulado por meio de corrupção com contratos, desapropriação de apartamentos dos pobres que estão endividados com seus bancos, nem vai entregar o seu fundo de poupanças Porvenir que se apresenta enganosamente como um fundo de pensões. Os outros capitalistas não entregarão a riqueza de que se apropriaram para resolver a crise social e a desigualdade.

Uribe, os pecuaristas e os latifundiários não devolverão pacífica e voluntariamente os sete milhões de hectares de terra que expropriaram dos camponeses pobres e indígenas. Nem a burguesia do narcotráfico abandonará seu negócio lucrativo que alimenta a guerra e os massacres contra o povo.

Os empresários vão pedir ao governo Petro mais subsídios, menos impostos e mais precarização dos empregos, nós os trabalhadores exigiremos mais impostos para os ricos, menos para os pobres, distribuir o trabalho e aumentar os salários. Nesta luta de classes, e interesses de classe, que os de cima tentam esconder, como conciliar os interesses?

Francia representa a luta democrática

Francia representa a luta contra o regime político, contra as opressões, contra a repressão aos protestos, contra o assassinato de dirigentes sociais e a favor das reivindicações de terras e territórios dos camponeses pobres, dos povos indígenas e dos negros. Mas sofre e continuará a sofrer uma forte pressão para se distanciar desta luta democrática. Mencionou que a experiência com a luta já foi feita e que agora se fará com a política. Outra grande fraqueza é que não está próxima do setor dos operários nem das lutas dos trabalhadores.

A greve de 2021 nos ensinou que a única maneira eficaz de derrotar os planos dos capitalistas é a luta nas ruas. Nem com um governo conciliador, nem com um congresso da maioria dos de cima, serão conquistadas reivindicações possíveis de conquistar através da luta direta.

Contraditoriamente, diante da luta de Francia Márquez, o programa do Pacto Histórico é para um governo que representará mais do mesmo. Alguns dirão que se trata de uma mudança. Na melhor das hipóteses, será uma promessa de mudança ou uma mudança parcial e temporária, não uma mudança real, profunda e revolucionária, que é o que a situação atual e a crise social exigem; o que a crise profunda do sistema exige. Além disso, Francia precisa dar mais importância às reivindicações dos trabalhadores que constituem a maioria da população (25 milhões da população economicamente ativa), tais como a distribuição do trabalho sem corte salarial, formalização do emprego e estabilidade no trabalho.

A única alternativa para um governo Petro ir além do seu programa é que os trabalhadores, a juventude, os camponeses pobres, o povo indígena e o povo negro se unam. E a partir das ruas exigirmos que ele aplique um programa de mudanças radicais que defenda os interesses dos que estão embaixo, contra os interesses dos que estão em cima. Que os expropriadores sejam expropriados e que a riqueza seja redistribuída equitativamente. Chega de governos dos de cima, precisamos de um governo dos trabalhadores.

Tradução: Rosangela Botelho

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