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Chile

Chile| A segunda onda e a necessidade de mudar o rumo

abril 15, 2021

Os casos de Covid-19 já ultrapassam 7 mil por dia. Estamos superando os números de 2020. Já são mais de 30 mil mortes, entre confirmadas e suspeitas. A ocupação dos leitos de UTI [terapia intensiva] já chega a 95% (em algumas regiões 99%, como em Araucanía). A previsão para as próximas semanas é assustadora – para 6 de abril o governo prevê mais de 4 mil pessoas em terapia intensiva.

Por: MIT Chile

A segunda onda chega com os trabalhadores da saúde já exaustos, após um ano de trabalho intenso e em péssimas condições. As novas variantes trazem uma enorme preocupação, já que podem ser mais fatais, mais transmissíveis ou até mesmo não responder às vacinas já desenvolvidas. No vizinho Brasil, as mortes de pessoas jovens aumentaram significativamente nas últimas semanas. O país está sofrendo uma verdadeira catástrofe social devido às políticas desastrosas de Bolsonaro e dos empresários, que ameaçam o mundo inteiro com o descontrole do vírus. [1]

Aqui, o governo Piñera voltou a decretar a quarentena em grande parte do país e em toda a Região Metropolitana de Santiago. Mais uma vez, milhares de trabalhadores estão sendo demitidos. Os trabalhadores informais não poderão trabalhar e os que continuam trabalhando estarão expostos ao contágio. O mesmo pesadelo novamente.

As quarentenas e as medidas tomadas pelo governo já se tornaram uma piada para a maioria dos trabalhadores. Rimos para não chorar. A última zombaria desse governo foram as palavras do ministro Lucas Palacios, mandando os trabalhadores fazerem suas compras nas feiras por delivery. Mais uma vez, ministros e políticos mostram que não têm ideia de como vivem aqueles que movem este país.

As quarentenas decretadas até agora foram totalmente hipócritas e insuficientes. Nas comunas que estavam ou estão na Fase 2, os trabalhadores podem ir trabalhar, tomar ônibus e metrôs lotados, durante a semana, mas no final de semana são obrigados a ficar em casa. Podem esperar em enormes filas em bancos e instituições públicas, mas não podem estar na rua depois das 22h. Muitas empresas não essenciais continuam obtendo licenças para seus trabalhadores, expondo-os ao contágio todos os dias. Milhões têm de escolher entre continuar trabalhando e, possivelmente, infectar-se ou ficar em casa sem emprego.

As quarentenas são úteis em combinação com uma série de outras medidas e são feitas com seriedade, quando há intenções de combater o problema. Em sua última e polêmica entrevista, Izkia Siches, presidenta do Colégio Médico, fez uma crítica acertada à forma como o governo vem utilizando as quarentenas como se fossem a grande solução para o problema. Izkia defende que uma das medidas mais eficazes para combater a propagação do vírus é a rastreabilidade, pois permite identificar as fontes de contágio e combatê-las com muito mais precisão. Segundo ela, a rastreabilidade no Chile não ultrapassa mais de 2 pessoas por contágio. Em alguns países avançados, chega até 14 pessoas. Para fazer isso, o governo deveria gastar muito mais dinheiro e formar um verdadeiro exército de pessoas para encontrar, testar, isolar e tratar as pessoas infectadas. Mas isso não foi feito. O que se faz é aumentar o número de leitos de UTI e administrar a quantidade de mortos. Mas isso também tem um limite, pois o pessoal da saúde está exausto e os recursos humanos já começam a faltar.

A verdade é que não há intenção de proteger as vidas humanas. A intenção é manter a economia funcionando, as grandes empresas lucrando, sem gerar um colapso do sistema de saúde, para que aqueles que “têm” que morrer morram de forma “organizada”.

Quarentena e desemprego

Para “amenizar” os efeitos da quarentena, o governo anunciou o investimento de mais de 6 bilhões de dólares em bônus e “assistência social”. Esses bônus, como vimos no ano passado, são completamente insuficientes e não resolvem nenhum dos profundos problemas que os trabalhadores sofrem. O número de pessoas que vivem em acampamentos aumentou em mais de 70% desde o início da pandemia, devido ao valor dos aluguéis e ao desemprego. Já são mais de 80 mil famílias vivendo nessas condições. [2]

Durante a primeira onda, a classe trabalhadora se salvou sozinha. Nos salvamos com as panelas comunitárias, os centros de coleta, com nossos fundos de aposentadoria e nosso seguro-desemprego. Se não fosse pela enorme pressão popular, as AFPs não teriam sido forçadas a nos devolver os 10%. A situação tem que chegar ao limite para que os parlamentares e o governo reajam.

Enquanto nós, trabalhadores, estamos sofrendo as piores consequências da pandemia, alguns se tornaram ainda mais ricos. O caso da família Luksic é insólito – dobraram seu patrimônio no período de pandemia. Só com o patrimônio dessa família (24 bilhões de dólares) poderíamos quase dobrar o orçamento da saúde pública.

Os grandes empresários continuam nadando em dinheiro. Ontem (27/03) foram divulgados os dados das 30 maiores empresas com ações na bolsa de valores (índice IPSA). Num ano em que 1,5 milhão de trabalhadores foram demitidos ​​e tiveram que consumir suas poupanças de aposentadoria ou fundo de seguro-desemprego, as maiores empresas lucraram 2 trilhões de pesos, o equivalente a 3 bilhões de dólares. Essa enorme quantidade de dinheiro é distribuída entre um número muito pequeno de acionistas dessas empresas, que pertencem às famílias mais ricas do Chile e a investidores estrangeiros. Com esse dinheiro poderíamos construir milhares de novas casas, poderíamos aumentar as aposentadorias, investir na saúde ou em verdadeiras ajudas aos trabalhadores demitidos. Mas não. Os ricos precisam continuar enriquecendo.

As grandes mineradoras nunca estiveram tão felizes, com o preço do cobre ultrapassando 4 dólares a libra, seus lucros serão enormes. Os trabalhadores da mineração continuam sendo o motor da economia do país. A maior parte dos US$ 6 bilhões que o governo gastará em “ajuda-social” será financiada pelo dinheiro do cobre.

Se houvesse uma intenção real de salvar vidas, os parlamentares e o governo deveriam confiscar a totalidade dos lucros das grandes empresas para combater a pandemia. As propostas que surgem dos partidos reformistas como a Frente Ampla ou o Partido Comunista são totalmente insuficientes, assim como é o royalty da mineração. Esses partidos são o arrimo dos empresários – se ajoelham para pedir as migalhas que caem de suas mesas. É miserável.

Mais uma vez veremos a repetição do ano passado, mas agora pior, com a pandemia mais forte, com trabalhadores da saúde exaustos e sem sermos capazes de nos salvar com nossas próprias economias. Sem dúvida isso obrigará a classe trabalhadora  a novamente ir para as ruas para pressionar para que os bilionários sejam obrigados a compartilhar parte de seus enormes lucros.

Vacinação em massa – o milagre chileno?

Enquanto administra as mortes, o governo se gaba de que nosso país é um dos mais vacinados do mundo. Este fato é uma realidade, o Chile está atualmente entre os 5 países com maior porcentagem de vacinados de acordo com sua população. Essa é uma boa notícia, mas o que está por trás disso?

Com as informações que são públicas até agora, não temos como fazer uma análise completa do que está por trás do “milagre chileno”. No entanto, alguns elementos já são evidentes. A enorme abertura de nossa economia ao mercado mundial, em particular as relações comerciais com potências como China e Estados Unidos, nos beneficiou parcialmente para ter acesso a alguns milhões de doses da vacina. Não sabemos quanto estão pagando por essas vacinas nem sobre os acordos que o governo está fazendo com o Estado chinês ou o norte-americano. É possível que por trás do “milagre” da vacinação em massa estejam sendo feitos acordos espúrios para que esses países não apenas tenham lucros enormes com as vacinas, mas principalmente para que possam penetrar ainda mais em nossa economia. A China tem um grande interesse em nossa economia e tem se transformado num agente de peso no setor de distribuição de energia elétrica e também no de lítio. Seu projeto é controlar cada vez mais a cadeia de produção mineral para abastecer sua grande indústria. Os Estados Unidos, por outro lado, têm algumas das maiores empresas do país na sistema financeiro, varejo, mineração, AFPs e não querem perder espaço.

Embora existam acordos espúrios, hoje estamos sendo “beneficiados” pela importação massiva de vacinas. No entanto, há um problema muito profundo nisso. Embora hoje tenhamos “sorte” de ter acesso às vacinas, ninguém garante que esses laboratórios não poderiam quebrar os acordos e vender para países que paguem preços melhores. Dependemos totalmente dos grandes laboratórios estrangeiros, já que o desenvolvimento de vacinas no Chile pelo Instituto de Saúde Pública (ISP) foi abandonado a partir de 2005. A lógica do livre mercado pode nos beneficiar em ocasiões muito particulares, mas apresenta enormes riscos. O maior risco é justamente não chegarmos a acordos comerciais ou não termos dinheiro para disputar vacinas e acabarmos sem nada. E pior, sem capacidade de produzir nossas próprias vacinas.

Não podemos nos acostumar com esta situação. É essencial que comecemos a discutir a necessidade de nossa indústria e laboratórios começarem a produzir insumos para conter esta e futuras pandemias. Esses insumos vão desde ventiladores mecânicos a medicamentos, equipamentos médicos, etc. Hoje estamos nas mãos de grandes empresas farmacêuticas, laboratórios e capitalistas estrangeiros. Não podemos continuar contando com a sorte.

É necessário tomar medidas reais para combater a pandemia

Não podemos esperar nada do governo Piñera, do Parlamento e dos grandes empresários. As medidas propostas pelo governo são totalmente insuficientes e não impedirão o empobrecimento brutal de nossa classe. Para milhões, não há mais economias nas AFPs ou no Fundo de Seguro-Desemprego.

Se não nos organizarmos e lutarmos, ficaremos à deriva novamente. Nas populações que estão em quarentena, o desemprego já está batendo forte novamente. Devemos retomar as panelas comunitárias, centros de coleta e outras iniciativas para aliviar a fome.

Devemos também reconstruir as Assembleias territoriais e outros espaços de organização nos territórios, o que pode ser realizado virtualmente na situação atual. Devemos também instalar essa discussão no ambiente de trabalho, convocando os dirigentes sindicais a realizar assembleias para discutir as medidas necessárias para combater a pandemia e defender o emprego.

Devemos começar a elaborar um plano operário e popular para combater a crise de saúde e econômica. Em nossa opinião, essas medidas passam por:

1 – Dobrar imediatamente os investimentos em saúde pública para melhorar as condições de trabalho dos trabalhadores de saúde (reduzir a jornada de trabalho mantendo o mesmo salário e contratar mais pessoal de saúde), fortalecer a atenção básica, a rastreabilidade e tomar todas as medidas recomendadas por especialistas; Defendemos a expropriação de todas as clínicas e laboratórios privados e que estes sejam controlados pelos seus trabalhadores;

2 – Precisamos reorientar a produção da indústria nacional para o combate à pandemia. Isso significa produzir tudo o que for necessário para construir novos hospitais, produzir equipamentos médicos, ventiladores mecânicos, investir em laboratórios públicos para desenvolver vacinas nacionais etc;

3 – Para garantir quarentenas efetivas, o Estado deve pagar um salário mínimo universal de 600.000 pesos para todos os desempregados, informais e trabalhadores que ganham menos de 600.000;

4 – É fundamental investir em condições sanitárias nos bairros populares e construção de moradias para acabar com o déficit habitacional; os imigrantes não causaram esse déficit que se arrasta há décadas

5 – Todo esse enorme investimento deve ser financiado com o confisco dos lucros das grandes empresas, com um imposto imediato e progressivo de 50% sobre as grandes fortunas do país e com a expropriação de grandes mineradoras, bancos e outras empresas pertencentes aos 10 maiores grupos econômicos.

Todo esse plano econômico só pode ser alcançado com a organização e a luta da classe trabalhadora. O MIT coloca a candidatura de nossa companheira María Rivera (Lista do Povo, Distrito 8) a serviço de desenvolver a mobilização para a conquista desse plano operário e popular. Convocamos os demais candidatos e candidatas a impulsionar a organização e a luta dos trabalhadores por essas medidas.

Sobre as eleições de 10 e 11 de abril

O governo já anunciou que enviará ao Parlamento uma proposta de adiamento das eleições de 10 e 11 de abril. Essa discussão, como fazem os políticos, é totalmente hipócrita, pois as demais medidas não são tomadas para garantir quarentenas reais, proteger os trabalhadores desempregados e aqueles que continuam trabalhando.

Em nossa opinião, todas as medidas mencionadas acima devem ser implementadas para que a pandemia seja combatida efetivamente. Nesse sentido, defendemos o adiamento das eleições, uma vez que não existem condições sanitárias para realizá-las sem expor grande parte dos trabalhadores ao contágio.

Queremos também chamar a atenção de todos os trabalhadores e trabalhadoras sobre possíveis fraudes eleitorais, já que as eleições serão em dois dias e as urnas estarão sob o controle das Forças Armadas, que são parte do Estado controlado pelo grande empresariado, que não tem pudores em corromper, conspirar ou enganar o povo.

Em nossa opinião, as eleições devem ser realizadas quando haja condições sanitárias (não no auge da pandemia), com controle e supervisão da população organizada, não dos militares. Continuamos defendendo a destituição do governo de Piñera e de todo o Congresso, que não têm legitimidade para continuar governando.

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[1] 3 em cada 10 mortes por covid no Brasil são de jovens e adultos, alta de 35% – 21/03/2021 – UOL Notícias

[2] Números históricos: os acampamentos aumentaram 73% desde 2019 no Chile | Nacional | BioBioChile

Artigo publicado em https://www.vozdelostrabajadores.cl, 3/29 / 2021.-

Tradução: Tae Amaru

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