ter mar 19, 2024
terça-feira, março 19, 2024

Venezuela| A pandemia agrava a crise, as medidas de Maduro aumentam o descontentamento e seu desprestígio

A Unidade Socialista dos Trabalhadores (UST) perante os protestos e manifestações contra a fome e a falta de combustível na Venezuela.

Por: Leonardo Arantes.
A chegada da pandemia de Covid-19 na Venezuela trouxe consigo o agravamento da brutal crise econômica e social que assola o país, os trabalhadores e trabalhadoras estão vivendo uma verdadeira tragédia social, expondo ainda mais a profundidade da crise e o caráter burguês e ditatorial do governo Maduro.
Com o aparecimento dos primeiros casos de coronavírus no país, o governo fechou as fronteiras com a Colômbia e as estradas entre cidades e municípios, além de implementar uma série de medidas sanitárias orientadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como quarentena e isolamento social. Mas sem fornecer as condições mínimas para que a população, principalmente trabalhadores e habitantes dos setores populares, possam cumprir essas medidas sem penúria, como garantir o fornecimento de alimentos, medicamentos, materiais de biossegurança, acesso a serviços básicos, telecomunicações, entre outros. Em outras palavras, o governo tentou implementar as disposições sanitárias não através da solução efetiva dos problemas a eles associados, mas principalmente través da repressão.
Contraditoriamente, disfarçado com o discurso de proteger o povo, ele fez um conjunto de anúncios para preservar os lucros de empresários e comerciantes, como a exoneração do pagamento de salários por seis meses a seus trabalhadores, que foram assumidos pelo estado venezuelano. Também suspendeu pelo mesmo período o pagamento de capital e juros sobre empréstimos (a população de baixa renda não recebe empréstimos há mais de dois anos) e o direcionamento dos recursos financeiros do Estado para financiar a burguesia nos setores de alimentos, farmacêuticos, higiene, entre outros. Anteriormente, tinha solicitado um empréstimo ao Fundo Monetário Internacional (FMI), que foi negado, o que continuaria afundando o país no abismo do endividamento externo.
O porta-voz oficial do governo, usando todos os seus aparatos de mídia, originalmente pretendia aumentar um pouco a baixa popularidade de Maduro, mostrando-o como um exemplo no gerenciamento da pandemia, se apoiando em uma implementação rápida da quarentena e do isolamento social e o número relativamente baixo de infecções e mortes (números bastante questionados). Mas essa pretensão não durou muito por causa da exacerbação da fome, do sofrimento e do desespero da população trabalhadora e dos setores populares.
O rechaço à repressão cada vez mais violenta, detenções arbitrárias e o aumento do uso de mecanismos de coerção, chantagem e controle social também aumentaram o desprestígio do governo.
Os trabalhadores e o povo venezuelano, nas últimas semanas, têm sido castigados pelo aumento exacerbado dos preços dos alimentos e dos produtos de primeiras necessidades, resultado da continuidade do processo hiper inflacionário pelo qual o país está passando há três anos.
A isto se somou o reaparecimento, agora mais generalizado e grave, da escassez de gasolina, como consequência da completa destruição da capacidade de extração e refino na indústria do petróleo (agravada pelo efeito das sanções imperialistas). Isso é produto de anos de desinvestimento, devido à política do governo de priorizar o pagamento da dívida externa e os lucros das empresas transnacionais; e a desvalorização acelerada do Bolívar em relação ao dólar, que já é negociado no mercado paralelo a mais de 200 mil bolívares, com as consequências inflacionárias usuais em uma economia totalmente dependente de importações.
Protestos e manifestações contra a fome e a falta de gasolina eclodem na Venezuela
O desespero dos trabalhadores e do povo pobre diante dessa situação foi enorme, o que levou a protestos e revoltas em pelo menos 15 dos 23 estados do país devido à fome e falta de combustível, incluindo saques em pelo menos quatro desses estados, como é o caso dos estados de Monagas, Bolívar, Sucre e Portuguesa. A repressão do governo a esses protestos deixou um saldo de pelo menos um morto, dezenas de feridos, dezenas de detidos e muitas invasões de domicílios.
Até agora, essa onda de manifestações e protestos ocorreram principalmente em populações mais periféricas desses estados, como consequência lógica da maior negligência do governo com elas. É o caso dos saques em Upata, estado de Bolívar (onde ocorreu a morte do manifestante e onde outros manifestantes escreveram no asfalto que morreu de fome), em Punta de Mata, estado de Monagas, os protestos por falta de gasolina em Araya, estado de Sucre e saques em Cumanacoa e Rio Caribe nessa mesma unidade da federação. Também houve protestos por falta de combustível em Socopo, no estado de Barinas.
Também ocorreram expressões de descontentamento em algumas capitais de estados, como no caso de Guanare, no estado Portuguesa, onde os moradores saquearam enquanto gritavam “estamos com fome, queremos comida”, ou as manifestações por fome em alguns bairros de Barquisimeto, capital do estado de Lara e, mais recentemente, em Cumaná, estado de Sucre, fortemente reprimida pela Guarda Nacional. O aumento da repressão também se tornou um estopim para a radicalização de alguns dos protestos, já que os manifestantes tentam evitar ser presos e estão revoltados por causa de seus companheiros feridos.
Semanas atrás, houve início de distúrbios em Valência, no estado de Carabobo, devido à falta de gasolina e panelaços em alguns bairros de Caracas devido à cortes de energia.
O colapso dos preços do petróleo para US $ 8,7 por barril, bem como a política do governo de continuar pagando a dívida externa e priorizando os lucros de empresários, comerciantes e banqueiros nacionais e transnacionais, deixa cada vez menos margem de manobras para o governo aliviar a situação, reduzindo suas capacidades de importação. Diante dessa realidade é possível prever que o descontentamento crescerá. Já existem atrasos no fornecimento de cestas básicas para as comunidades e isso pode continuar a agravar o problema da fome, o que pode fazer crescer a onda de protestos.
Assim, os trabalhadores e habitantes dos setores populares do país estão divididos ante o dilema: “o vírus nos mata ou a fome nos mata”. Protestos recentes parecem mostrar que não estão dispostos a serem mortos pela fome e pela política da ditadura de Maduro de implementar uma quarentena sem garantias de alimentos, medicamentos e serviços básicos.
A resposta do governo a essa situação é semelhante à de ocasiões anteriores, dizendo que a culpa pelos aumentos de preços é da “guerra econômica” e os planos desestabilizadores que estariam sendo impulsionados por empresários e comerciantes “especuladores”. Assim como faz promessas de melhoria, entrega suprimentos emergenciais de alimentos em algumas das comunidades em conflito e empreende algumas ações repetidas, afirmando que desta vez elas levarão à melhoria da situação.
Especulação e acumulação são verdadeiras, mas essa não é a principal causa do aumento de preços e da crise em geral, como Maduro, seus ministros e porta-vozes, querem que acreditemos, para tentar esconder sua responsabilidade. A verdadeira causa é a destruição pelo governo de todo o aparato produtivo nacional, a queda brutal na produção de alimentos, produtos e serviços básicos, incluindo a produção de empresas de base e petroleira, com o consequente corte unilateral nas importações de bens, serviços e produtos necessários para os venezuelanos. A prioridade é a garantia de recursos para o pagamento de dívida externa e lucros de empresas transnacionais, em detrimento das necessidades dos trabalhadores e do povo venezuelano.
Entre as ações do governo está o anúncio de um plano que inclui a ocupação temporária da empresa de alimentos Coposa, a supervisão da venda e a negociação de “preços acordados” com empresas que produzem alimentos e bens básicos como Polar, Plumrose e outros similares, assim como produtores de carne (frigoríficos), frango, entre outros. Medidas que em outras ocasiões tiveram os resultados conhecidos por todos, ou seja, legitimação da “especulação” devido ao fato de serem acordados preços iguais ou superiores aos do mercado. Há uma estabilização temporária relativa (uma ou duas semanas), mas acima dos preços, desaparecimento das prateleiras e escassez de produtos “regulamentados” e sua venda a preços mais altos no mercado paralelo. E isso se torna uma fonte de negociações e enriquecimento para empresários e comerciantes especuladores, burocratas militares e governamentais e alimentando os processos hiper inflacionário.
O recente aumento do salário mínimo decretado pelo governo está longe de servir como solução para as necessidades da população. Pelo contrário, devemos denunciá-lo como uma verdadeira farsa para os trabalhadores.
A oposição burguesa, representada por Guaidó e seus seguidores, também ficou muito mal localizada, quando em meio a uma situação de protestos de fome, a agência de notícias internacional Associated Press (AP) revelou informações sobre a discussão secreta entre os deputados opositores para aumentar o salário em cinco mil dólares por mês, retroativo a janeiro e com um bônus especial de US $ 25.000 no mês de maio. Salários que seriam pagos com US $ 80 milhões da “Lei Especial do Fundo para a Libertação da Venezuela”, recursos de ativos venezuelanos confiscados por Donald Trump com o apoio de Guaidó e todo o setor da oposição patronal que ele representa.
O escândalo que isso gerou em um país onde os trabalhadores ganham um salário mínimo de apenas US $ 4,6 (com o recente aumento nominal, porque antes do mesmo e quando a informação foi revelada era de US $ 2), forçou Guaidó negar que eles teriam concordado com tal aumento, sem negar que houvesse a discussão. A natureza dessa oposição não deixa espaço para duvidar que eles planejassem tal aumento, mas que, devido ao escândalo gerado, saíram dizendo que não.
Nós, da Unidade Socialista dos Trabalhadores, afirmamos que, para superar a crise econômica e também da saúde, é necessário nos mobilizar para impor uma mudança completa na economia do país, através de um plano que coloque as necessidades dos trabalhadores e do povo pobre no centro. Que comece por parar de pagar a dívida externa e investir esses recursos na recuperação do aparato produtivo nacional e responder à pandemia, reativar a produção de petróleo e as empresas de base, a produção de alimentos e bens essenciais, bem como medicamentos e outros suprimentos, como a única maneira de derrotar a inflação e garantir condições mínimas para cumprir com a quarentena e o isolamento social.
Para atender com rapidez à atual situação crítica e à emergência da fome que assola os trabalhadores e as pessoas humildes e evite que morram, é necessário importar massivamente alimentos, medicamentos e suprimentos produtivos e garantir sua distribuição entre esses setores da população.
Os capitais investidos em outros países devem ser repatriados e os bens dos corruptos e especuladores devem ser confiscados, os gastos com suprimentos e exercícios militares devem ser interrompidos. Imposto progressivo sobre os grandes grupos empresariais, grupos financeiros e transnacionais, uso desses recursos para enfrentar a crise.
Os recursos do petróleo não podem continuar sendo destinados para garantir os lucros das empresas transnacionais, para isso precisamos de uma PDVSA 100% nacionalizada e sob o controle de trabalhadores sem empresas transnacionais ou joint ventures.
Exigimos um salário mínimo igual à cesta básica, fim das demissões e reintegração imediata de todos os trabalhadores demitidos. Pela defesa dos direitos e conquistas sindicais, trabalhistas e sociais.
Também é necessário exigir a libertação de presos políticos e de todos os detidos nos recentes protestos e saques, bem como indenização aos parentes dos manifestantes falecidos e às dezenas de feridos.
Nenhuma dessas medidas será adotada pelo governo burguês e ditatorial de Maduro, nem fazem parte do programa político de Guaidó e seus seguidores, nem dos planos do imperialismo. Portanto, o chamado é às organizações sindicais, estudantis, populares, juvenis e políticas da esquerda independente para mobilizarmos com independência da oposição patronal e do imperialismo. Para impormos um plano econômico a serviço dos trabalhadores e dos setores populares, que inclua as medidas mencionadas e incorpore as que estejam faltando. Mas que também nos mobilizemos para pôr fim a esse governo de fome, corrupto e repressivo, colocando como exigência central o FORA MADURO.
Tradução: Alex Leme

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