O regime militar na corda bamba
Os protestos de massas que ha dias estao incendiando diversas cidades de Myanmar (a antiga Birmania) forcaram todos os meios de informacao a se interessar pela sorte de um pais com o qual, ate pouco tempo atras, nunca haviam se preocupado.
O nascimento da ditadura militar
Ao final da segunda guerra mundial, iniciou-se no pais um vasto movimento popular, dirigido pela Liga das Pessoas Antifascistas (uma frente popular da qual participava tambem o Partido Comunista). O principal dirigente era Aung San, pai de Aung San Suu Kyi, lider da Liga Nacional pela Democracia (LND), conhecida no exterior como a maior expoente da oposicao ao regime militar. Depois de uma luta de dois anos, teve fim a dominacao inglesa na regiao. Aung San Suu Kyi vive hoje em prisao domiciliar.
Aung Sun foi assassinado em 1947. Em 1962, depois de um longo periodo de instabilidade e de mobilizacoes estudantis, houve um golpe militar que instaurou uma feroz ditadura.
Desde entao, a junta militar no poder desenvolveu uma especie de “via birmanesa ao socialismo” (como a imprensa burguesa tentava convencer), que levou a miseria e a escravidao cinquenta milhoes de habitantes, proibindo a existencia de partidos politicos e de sindicatos independentes.
Hoje, o pais, mesmo muito rico em materia-prima – especialmente petroleo, gas, lenha e pedras preciosas-, e um dos menos desenvolvidos do sudeste asiatico. O governo destina 40% orcamento estatal para a manutencao do exercito que, com meio milhao de soldados, e um dos mais imponentes do mundo. O resultado e que a maior parte da populacao – antes denominada “tigela de arroz da Asia” pelo fato de ser um dos maiores produtores de mantimentos fundamentais para centenas de milhoes de pessoas do continente – hoje e subnutrida.
Esta situacao de miseria cronica foi o estopim dos protestos recentes.
A alta dos precos de bens de primeira necessidade no mercado mundial, que se verificou em 2007, causada pela especulacao financeira e pelo crescimento economico de paises como China e India, trouxe pesadas consequencias. O aumento geral dos precos verificado em janeiro foi combatido pela junta militar com a decisao, em agosto, de dobrar o preco da gasolina, do ‘gasolio’ e quintuplicar o preco do gas natural.
Com isso, de um dia para o outro, um trabalhador que ganhava 1.000 kyrat ao dia se viu obrigado a gastar 800 para poder usar os transportes publicos, como relata o jornal
O inicio dos protestos
Os esporadicos e isolados protestos iniciados em fevereiro foram aos pouco aumentando, ate chegar as grandes manifestacoes que vimos nos telejornais e que chamaram a atencao dos maiores centros do pais, como a ex-capital Rangoon (agora rebatizada de Yangon) e Mandalay.
Daquilo que se consegue saber, entre os manifestantes existem muitos jovens, estudantes e “trabalhadores em geral” (segundo a terminologia da imprensa burguesa).
No momento, nas manifestacoes, os principais protagonistas tem sido os monges budistas. Sao cerca de meio milhao o numero religiosos e e interessante notar que as diferencas de classe atravessam essa organizacao. As altas camadas que recebem dos militares generosos financiamentos, que garantem a eles uma vida generosa, sustentam o governo. Ao contrario, sao os jovens monges que participam ativamente das mobilizacoes, sendo eles atingidos diretamente pelos efeitos da crise economica e tambem os que vivem em contato direto com a maioria da populacao e com a tragedia de ter de viver de esmolas doadas pelos outros.
Eles foram assumindo, ao passar dos dias, posicoes mais radicais. Se num primeiro momento os slogans faziam apelos para a reconciliacao nacional, hoje reivindicam a saida dos militares e o fim da ditadura por meio das acoes de massas (que, acrescentamos nos, sao, por enquanto, “nao-violentas” e, portanto, privadas de autodefesa, sao facilmente reprimidas).
Diversamente, a LND avanca em direcao a uma proposta de acordo com os generais, para chegar a uma “transicao suave” a “democracia” e, nesse jogo, estao tentando entrar prepotentemente as maiores potencias mundiais.
Europa e EUA sao, na aparencia, os mais duros e consequentes opositores do regime, enquanto China, India e Russia ate agora entendem que “nao devem interferir” na politica interna do Pais. O que esta em jogo, como sempre, nao e escolher entre “democracia” e “ditadura” (dois termos abstratos por tras dos quais se esconde tudo), mas sim o controle das riquezas do pais.
Os paises imperialistas tentam, hoje, tirar Russia, China e India do rol de parceiros privilegiados da Birmania. Enquanto isso, esses ultimos gostariam de manter o status quo que lhes permitiu nesses anos fazer investimentos de milhoes de dolares. Em particular, e a burocracia restauracionista de Pequim que tem os maiores interesses no pais, pela posicao estrategica que a Birmania tem, como porta de entrada para novos investimentos sobre o ocidente para a China.
Aonde vai a Birmania
Enquanto escrevemos, o fim da luta em curso nao foi ainda escrito. A repressao teve inicio, mas os protestos nao parecem ter diminuido de intensidade. Circulam boatos de que setores do exercito teriam se negado a participar da repressao e que, ao contrario, uniram-se aos manifestantes. Isso demonstra que a aposta em jogo e muito alta e que iniciou uma luta que so terminara com a derrota substancial de uma das duas partes.
Para evitar um novo 1988 (isto e, uma feroz repressao e um endurecimento da ditadura depois de um periodo de lutas contra o regime), mas para evitar tambem que essa situacao traga o imperialismo para sustentar uma renovacao do regime ou um novo regime – so que sobre seu controle (talvez travestido de democracia parlamentar) – e fundamental que a classe operaria birmanesa, em alianca com os camponeses pobres, se organizem de maneira independente. Nao serao, de fato, nem o pequeno clero budista, nem a LND, tampouco o imperialismo ou as novas potencias emergentes a passar-se de paladinos das reivindicacoes da populacao desfavorecida.
Ainda esta vez, como sempre quando as massas populares se mobilizam, mesmo que inicialmente sem um programa e mesmo guiadas por religiosos, o imperialismo fica alarmado. O que mais teme e nao conseguir controlar as manifestacoes e perder o controle da situacao. Teme mesmo, que as massas oprimidas se organizem com base em suas exigencias de classe: que sao inconciliaveis com os interesses do imperialismo.
O que e preciso – e falta dramaticamente, ate agora, tambem na Birmania – e um partido revolucionario baseado num programa transitorio, que se construa nessas grandes lutas, que organize o crescimento destas e a autodefesa (nao mandando massas inertes para frente de fuzis), que tenha como palavra-de-ordem a nacionalizacao sem indenizacao da terra e das grandes empresas de extracao de materia-prima do pais e a criacao de uma democracia baseadas nos conselhos de operarios e camponeses pobres, capaz de dirigir as massas ate uma real vitoria, numa perspectiva socialista.
Traducao de Alberto Albiero Jr.