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Argentina

O triunfo eleitoral de Trump e Milei, e o que vem por aí

A resistência popular é essencial para enfrentar a ofensiva neoliberal e a ingerência imperialista na Argentina.

PSTU Argentina

novembro 3, 2025

Surpreendentemente, Milei conseguiu uma ressonante vitória eleitoral, quando tudo indicava o contrário. A vitória teve mais ressonância, pelo triunfo na província de Buenos Aires, onde um mês antes havia perdido por 14% dos votos. O que aconteceu?
É evidente que essa vitória lhe dá uma oportunidade de “relançar” seu projeto. E que, até certo ponto, o fortalece. Mas não se deve confundir. Sua situação é mais precária do que há dois anos. E os obstáculos que encontrará para desenvolver suas intenções serão superiores aos do período anterior.

O processo eleitoral do ano

Este ano foram realizadas várias eleições provinciais, que apresentaram níveis históricos de abstenção. Isso foi muito notório em Buenos Aires, nas eleições provinciais de setembro.
Kiccilof ganhou, sem recuperar seu eleitorado. Milei perdeu, porque perdeu dois milhões de votos em relação a 2023, que diretamente não se apresentaram para votar. A participação de 61% foi baixíssima. Na verdade, o que ocorreu – e que repetia o que aconteceu em outras províncias – é que um importante setor que apoiou Milei em 2023 (entre 12 e 14% do cadastro), agora o abandonava, sem voltar ao peronismo.
A preocupação de todo o regime político patronal era muito grande, e a mensagem de todos os partidos era: “vão votar”.

O que está acontecendo?

O governo libertário iniciou seu governo em 2023 com a “motosserra” e seu projeto de reformas estruturais profundas. Seu objetivo era superar a crise estrutural do capitalismo argentino, mudando todas as regras do jogo e estabelecendo novos paradigmas de exploração operária e entrega de todo o patrimônio e a soberania nacional.
Ao mesmo tempo, realinhar a Argentina no campo dos EUA e Israel, distanciando-se da China e dos BRICS.
Para isso, era necessário intensificar o nível de repressão.

Este objetivo, depois de alguns meses de “puxa-estica”, foi facilitado por toda a oposição política patronal. Em especial, e depois da “Carta à militância”1 de Cristina, pelo kirchnerismo e pelo conjunto da direção sindical peronista. Aceitavam que Milei fizesse o “trabalho sujo” de um projeto econômico que, em geral, compartilham, embora o peronismo tenha que responder a outra base eleitoral.

Foram feitos avanços notáveis, como a Lei de Bases, o RIGI2, e demais instrumentos que, somados a um processo recessivo, de “resfriamento” consciente da economia e queda do consumo, após dois meses iniciais de altíssima inflação sem aumentos salariais, permitiram reduzir os níveis inflacionários e iniciar sua ofensiva sobre a classe operária e o povo.

Mas as contradições aumentaram

Setores patronais que operam para a obra pública ou o mercado interno, começaram a sofrer as consequências da queda do consumo e a paralisação de toda obra de infraestrutura.
Essas diferenças interburguesas, somadas à resistência -isolada, sem possibilidades de centralização pela traição dos dirigentes, mas persistente-, foram colocando “freios na roda” aos avanços do governo. Os conflitos do Garrahan e da saúde, os marítimos, os aposentados e demais setores começaram a fazer gretas.
Ao mesmo tempo, no terreno da economia, as reservas do Banco Central não se recuperavam, e voltava a se apresentar o fantasma da dívida pública, provocando a alta do “risco país”.

A mediados deste ano, vieram à tona uma série de fatos de corrupção, como o caso Libra, as “propinas” de Karina Milei, ou as relações de Espert com o narcotraficante Fred Machado. Milei perdeu a iniciativa política, e parte dos empresários mais influentes começaram a duvidar de sua capacidade de levar adiante suas reformas.
O deterioro do libertarianismo se tornou evidente, provocando a situação eleitoral que descrevemos, e que ameaçava com uma catástrofe que deixaria um governo muito, muito debilitado. Poderia se repetir, ampliado, o cenário que paralisou o governo de Mauricio Macri em 2017. No entanto, a tempestade anunciada não se produziu.

O diabo escondeu a cauda

Neste contexto, Donald Trump tomou nota dos perigos, em momentos em que os EUA, em sua disputa com a China, se “ocupa” da América Latina. Ele disse: “…estamos conseguindo um forte controle na América do Sul em muitos sentidos”34

Milei é o governo da A.Latina mais próximo de Trump, e decidiu defendê-lo, fazendo inicialmente um lindo negócio com seu investimento de bilhões. Esse fato permitiu ao governo deter uma corrida cambial que, poucos dias antes das eleições, teria sido terminal. Não só isso, mas deixou nítido para toda a patronal argentina, que continuaria “apoiando” apenas se Milei ganhasse.
A isso se somou que parte de quem se havia abstido nas eleições anteriores decidiu ir votar para impedir uma vitória do peronismo, que é visto por setores crescentes de trabalhadores, sobretudo os mais jovens e precarizados, como um dos culpados da situação miserável da classe operária e do povo argentino.

Na província de Buenos Aires, a participação eleitoral subiu para 68%5. Sendo baixíssima, representou cerca de 900.000 votos que foram para Milei, e lhe deram uma vitória apertada. Que se somou à vitória na maioria das províncias.
O governo liberal tem agora a possibilidade de retomar a ofensiva.

Conseguirá?

No obstante, todas as contradições se mantêm. O problema da dívida continua sendo uma ameaça sobre o conjunto da economia. E os atritos sobre a forma de encarar os próximos passos são fator de crise. A renúncia do Chefe de Gabinete e do Ministro do Interior esta semana é parte dessas contradições.
Após as eleições, Milei anunciou que acelerará as reformas regressivas pendentes, na área trabalhista, previdenciária, tributária. E autorizou a entrada de tropas norte-americanas nas três bases navais mais importantes do país, sem necessidade de permissão do Congresso.

Mas a situação geral do país é mais frágil. O apoio do peronismo se manterá, mas muito mais debilitado. Possivelmente, o dado mais profundo deste processo eleitoral seja que, apesar dos danos causados pelo desempenho do governo, uma parte fundamental da classe operária, em particular os mais jovens, não quer saber mais nada com o peronismo.
Que isso tenha servido para que triunfe Milei, não deve nos ocultar que possivelmente esteja ocorrendo uma mudança histórica em nossa classe, o início de uma ruptura com sua direção dos últimos 20 anos, embora hoje se manifeste como uma “orfandade” política e uma grande confusão.
A resistência operária e popular frente à ofensiva do governo pode dar lugar a um novo momento da realidade, a novos e mais duros enfrentamentos.

Preparar a luta para derrotar Trump e Milei

Não se pode confiar nos dirigentes sindicais tradicionais, nem nos políticos de sempre. Lamentavelmente, também a esquerda, representada pelo FITU – ao qual apoiamos eleitoralmente – não conseguiu, neste cenário, um avanço firme em sua postulação. Sua votação apenas conseguiu manter as médias dos últimos 14 anos. É produto de sua adaptação ao regime democrático patronal, que fez com que esses milhões irritados com “a política” vissem a esquerda como “mais do mesmo”.
A realidade, marcada por um controle dos EUA sobre o governo, empurra para uma confrontação maior, para enfrentamentos decisivos, nos quais uma nova vanguarda deverá encontrar as formas de unificar e centralizar sua luta, dotar-se de novos dirigentes e novas organizações, para poder passar da resistência à ofensiva até derrotar o projeto do governo.

Em primeiríssimo lugar, a necessidade de expulsar Trump e sua ingerência daArgentina, levantar um programa de ruptura com o imperialismo, um plano operário e popular para deter a miséria e a decadência, da única forma possível: com a unidade operária e popular da América Latina para alcançar a Segunda e definitiva independência, através de uma nova revolução continental, que coloque o caminho rumo ao socialismo.

  1. Documento através do qual CFK, mais além de críticas oportunistas, se comprometeu a velar pela governabilidade e deixará Milei desenvolver sua agenda.
  2. Regime de Incentivo às Grandes Investimentos, sistema que favorece las inversiones extranjeras.
  3. Ver: “Por que Trump le está prestando una atención especial a Sudamérica (y qué ha logrado hasta ahora con eso)” – BBC: https://www.bbc.com/mundo/articles/cdxr04dw1xeo
  4. Idem.
  5. Na realidade, a participação eleitoral em todo o país foi a mais baixa desde 1983

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