Equador |Diante do terrorismo de Estado, Justiça Indígena

Por: Revista Crisis
Publicamos abaixo artigo da Revista Crisis, do Equador, que em conjunto com outras meios comunitários está publicando informações sobre a paralisação nacional no país. A recente paralisação no Equador tem sido acompanhada de perto por meios comunitários e populares de comunicação, que cumprem um papel fundamental ao transmitir informações diretas das ruas, das comunidades e das organizações mobilizadas permitindo compreender a dimensão real das reivindicações e da repressão enfrentada. Publicar e difundir suas notícias em outros espaços, como este, é uma forma de fortalecer a circulação de vozes que expressam o protagonismo dos povos em luta e de ampliar a solidariedade latino-americana.
Domingo, 28 de setembro, marcou o sétimo dia da paralisação popular. Na madrugada de domingo, dois enormes comboios militares cercaram as comunidades mobilizadas do norte e do sul. Como resultado desse ataque brutal, por volta das 6h, Efraín Fuerez foi executado pelas Forças Armadas Equatorianas, com uma bala que entrou pelas costas e saiu pelo ombro esquerdo, conforme revelado pela autópsia. Após a execução extrajudicial, dois tanques militares se aproximaram violentamente do corpo de Efraín e do companheiro que o protegia com infinita dignidade. Cinco soldados desceram dos veículos e começaram a espancá-los com seus rifles, socando-os e chutando-os por vários minutos, até se convencerem de que o companheiro não entregaria, sob qualquer pressão ou tortura, o corpo de Efraín aos soldados.
Qual era a intenção dos militares ao atacar o corpo já falecido de Efraín e seu companheiro? Não encontramos outra inferência além da intenção de fazer desaparecer o corpo de Efraín e, com ele, as provas da execução extrajudicial. Esses atos demonstram não apenas o uso desproporcional da força, mas também a existência de uma ordem superior que não apenas determina o uso de armas letais contra manifestantes desarmados no exercício constitucional do protesto. Podemos também presumir que a ordem se estende ao uso de meios ilegais, como a tortura, para fazer desaparecer provas, neste caso o corpo de Efraín Fuerez, um membro da comunidade de 46 anos e dirigente do povo Cotacachi. Marido, pai e trabalhador.
Desde o início da Paralisação Popular em 22 de setembro, o Governo Nacional implementou uma série de medidas persecutórias e criminalizadoras contra organizações de base, começando com o congelamento de contas de vários dirigentes do Movimento Indígena, da Frente Nacional Anti-Mineração e de outras organizações da sociedade civil, incluindo autoridades de governos autônomos descentralizados, o que levou ao início de investigações contra dezenas de ativistas. Militarizou também o território nacional, especialmente a Serra, numa postura beligerante contra as organizações mobilizadas. Milhares de soldados foram estrategicamente posicionados em Latacunga, intimidando e neutralizando ao MICC Movimento Indígena e Camponês de Cotopaxi), que também sofreu o fechamento forçado da TV MICC, a emissora comunitária mais antiga do país. Nesse contexto, a repressão contra o povo de Imbabura se mostrou brutal e desproporcional àqueles que defendem a resistência para a revogação do Decreto 126 como principal reivindicação, mas também se opõem às políticas antipopulares do governo de Daniel Noboa, que tentou impor um arcabouço institucional que, por um lado, legaliza a perseguição e a criminalização de organizações e o direito de protesto, bem como facilita a concessão, a desapropriação e a exploração de territórios ancestrais e comunitários, a flexibilidade trabalhista e, evidente, a criminalidade institucionalizada dentro do Estado, que mantém a população atolada no terror e na insegurança.
Um produto vil dessa política de morte imposta por Daniel Noboa é a materialização do terrorismo de Estado, com a ordem superior de uso de armas e munições letais contra os manifestantes, que culminou na execução extrajudicial de Efraín Fuerez na manhã de 28 de setembro de 2025, no distrito de Cotacachi. Em resposta, e amparada pelo Artigo 171 da Constituição; Artigos 55 e 56, e 10 e 11 da Constituição; e Artigos 1, 2 e 3 da Convenção 169 da OIT, a União de Organizações Camponesas e Indígenas de Cotacachi (UNORCAC) exerceu sua autoridade jurisdicional no julgamento comunitário de 13 soldados detidos em Cotacachi.
Neste contexto de extrema violência estatal e repressão desproporcional, foi realizada em 30 de setembro uma Audiência Comunitária contra 13 soldados que foram processados em uma audiência comunitária por terem perturbado a harmonia comunitária e a coexistência normal das comunidades de Cotacachi. Os companheiros\as da UNORCAC, juntamente com observadores de direitos humanos e observadores de processos judiciais, e com a presença de autoridades como o Prefeito de Cotacachi, a Sede Cantonal de Cotacachi, a Cruz Vermelha Provincial de Imbabura, o Gabinete do Ombudsman, o Gabinete do Procurador de Imbabura, o pároco que representa a Igreja de La Matriz e acompanhantes como o Comissário de Cotacachi, a Assembleia de Unidade Cantonal, a Aliança de Organizações, que puderam determinar durante o processo de justiça comunitária, que, de fato, as Forças Armadas executaram munições contra os manifestantes em 28 de setembro, e que, como resultado deste evento que viola todos os tratados e convenções de direitos humanos em nível nacional e regional, morreu Efraín Fuerez, membro da comunidade de 46 anos.
Dentre as determinações e resoluções alcançadas na Audiência Comunitária, destacam-se as seguintes como muito importantes:
5º. Com base na enorme quantidade de depoimentos e na gravidade dos relatos de violações de direitos, é evidente que há provas claras de uma execução extrajudicial pelo Estado na morte do Sr. Efraín Fuerez, podendo inclusive configurar um crime contra a humanidade.
6º. Declaramos que esta audiência abordou apenas os llaki mencionados na Primeira e Segunda Resoluções desta sentença. Portanto, a execução extrajudicial do Sr. Efraín Fuerez pelo Estado não constitui coisa julgada nesta sentença, e, portanto, os responsáveis não devem recorrer do princípio non bis in idem a esse respeito.
7º. Observa-se que existe uma política estatal de uso de armas letais contra manifestações, o que coloca em risco a vida daqueles que reivindicam seus direitos. Resolve-se informar os organismos internacionais de proteção dos defensores dos territórios e povos indígenas sobre esta decisão de justiça indígena comunitária.
8º. A Autoridade Comunitária da UNORCAC solicita que os Tribunais Ordinários, e em particular a FGE, agende uma reunião o mais breve possível para desenvolver um processo de cooperação que vise contribuir para o julgamento da execução extrajudicial de Efraín Fuerez.
16º. Os militares foram entregues à Defensoria do Povo, à Cruz Vermelha e aos seus familiares. Informa-se que estão sendo entregues em boas condições de saúde, conforme confirmado pelo relatório de atendimento médico da Cruz Vermelha Equatoriana.
Da mesma forma, os 13 militares pediram desculpas pelas ações que levaram à execução extrajudicial do membro da comunidade, expressaram suas sinceras condolências à família de Efraín e à sua comunidade e solicitaram publicamente ao Governo Nacional, diante da mídia presente, a libertação dos 12 detidos durante a greve, como um gesto que contribui para o diálogo intercultural entre as comunidades e comunas e o Estado. “Os povos indígenas não são terroristas”, declararam os militares.
Diante da brutalidade exercida pelas Forças Armadas e pela Polícia Nacional durante a Greve Popular desde 22 de setembro de 2025, que culminou na execução extrajudicial de um membro da comunidade em Cotacachi, a organização comunitária popular respondeu de acordo com seus direitos constitucionais e exerceu sua jurisdição, realizando uma Audiência Comunitária de Justiça Indígena, como mecanismo de justiça em seus territórios, que há 10 dias sofrem extrema violência exercida pelo Estado.
A moral terrorista do imperialismo extrativista defendida neste país pelo governo Daniel Noboa também reproduz uma lógica de impunidade que não será aceita pelas comunidades e povos diretamente afetados pela extrema violência perpetrada por ordem superior, nem pelo restante do país, que tem testemunhado essa forma criminosa de controle populacional e territorial que o “Novo” Equador tenta impor. Apoiamos a UNORCAC e todas as comunidades e povos em resistência com todas as nossas forças e recursos, e estamos comprometidos com a verdade e a justiça para Efraín Fuerez, sua família e sua comunidade.
Efraín Fuerez, presente.