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Navios de guerra no Caribe: Militarizando a guerra contra as drogas

outubro 3, 2025

Por: James Marsh (Workers’ Voice – Estados Unidos)

A guerra contra as drogas, assim como a guerra contra o terrorismo, demonstrou ser uma guerra contra um conceito suficientemente abstrato para oferecer respaldo retórico a uma ampla gama de políticas imperialistas estadunidenses.

O presidente Donald Trump, em seu mais recente apelo à retórica da guerra contra as drogas como pretexto para levar adiante objetivos militares, está mobilizando o exército dos Estados Unidos no Caribe. Ao mesmo tempo em que sua administração envia a Guarda Nacional ao país para combater a criminalidade (ou, na verdade, para realizar um teste do uso das forças militares como forma de exercer vigilância política aterrorizando às comunidades operárias), está enviando os Fuzileiros Navais e a Marinha ao Mar do Caribe. Trump enviou sete navios de guerra, um submarino nuclear e milhares de soldados como parte do que descreveu como operações contra os cartéis.

Foi parte dessa operação um ataque armado em 2 de setembro contra uma embarcação supostamente operada pelo cartel do Tren de Aragua, que estaria transportando drogas ilegais da Venezuela aos Estados Unidos. Segundo Trump, 11 pessoas a bordo da embarcação morreram no ataque. Observadores internacionais julgaram o ataque como violação dos direitos humanos.

Esse ataque a uma embarcação civil e o envio da Marinha norte-americana amplia a longa sombra da intervenção militar que ascende sobre a Venezuela. O país já foi palco de tentativas de golpe de Estado em 2002, por forças da oposição com apoio dos Estados Unidos, e em 2020 com participação direta de mercenários estadunidenses. Em abril deste ano, o exército venezuelano também declarou ter descoberto planos para um ataque de falsa bandeira que incriminaria a Venezuela por atacar uma plataforma de petróleo da Exxon Mobil em águas do território disputado de Essequibo/Guiana Essequiba, o que serviria de pretexto para uma invasão. O presidente Nicolás Maduro está preparando 4,5 milhões de milicianos em resposta à ameaça representada pelos navios de guerra estadunidenses que permanecem na região costeira do país.

Junto à crescente ameaça de intervenção militar na Venezuela, a narrativa de que o objetivo principal das movimentações seria combater os cartéis de drogas é questionável. Karoline Leavitt, secretária de imprensa da Casa Branca de Trump, declarou em 19 de agosto: “O regime de Maduro não é o governo legítimo da Venezuela. É um cartel do narcotráfico. Maduro não é um presidente legítimo. É um líder desertor desse cartel da droga”. Essas acusações, acompanhadas de poucas provas, tentam usar a retórica da guerra contra as drogas para deslegitimar Maduro e justificar uma mudança de regime.

Durante várias décadas, a retórica sobre o combate aos cartéis da droga na América Latina serviu repetidamente como pretexto para que os Estados Unidos intensificassem suas forças policiais em Estados colaboradores a fim de salvaguardar seus investimentos no exterior e intervir militarmente para expandir sua hegemonia. Desde o golpe no Panamá até a luta contra a guerrilha na Colômbia, essa retórica buscou justificar agressões militares explícitas.

Contrainsurgência e intervenção

O fim da Guerra Fria marcou uma transição da política dos EUA sobre a América Latina, pois consolidou as conquistas obtidas por meio de táticas de contrainsurgência e intervenção militar, e passou das narrativas da Guerra Fria ao marco da guerra contra as drogas como justificativa para suas políticas.

Durante a Guerra Fria, os EUA realizaram intervenções militares em toda a América Latina, desde o golpe de 1973 no Chile até a invasão de Granada em 1983, entre muitas outras.

Na América Central, a Revolução Sandinista de 1979 na Nicarágua abriu um período de resistência guerrilheira às ditaduras que se instalaram na Guatemala e em El Salvador nos anos 1980. Os EUA combateram essa ameaça ao seu poder apoiando o terrorismo de Estado e os paramilitares de direita. As táticas de contrainsurgência levaram as organizações guerrilheiras à capitulação, e seus líderes aceitaram acordos de paz no final da década de 1980, de maneira que seus grupos se incorporaram à política institucional.

Com a queda da URSS e à medida que a Guerra Fria terminava, o enfraquecimento das guerrilhas de esquerda debilitou também a justificativa para a contínua ingerência militar norte-americana nos assuntos latino-americanos. No entanto, os EUA ainda tinham ambições políticas que exigiam intervenções militares contínuas. Uma das novas justificativas passou a ser o combate ao narcotráfico.

Exemplo disso foi a invasão do Panamá em 1989. O general Manuel Noriega foi a autoridade estadunidense no Panamá durante anos e colaborou estreitamente com agências de inteligência norte-americanas.  Ao fim da década de 1980, a reação crescente contra seu governo ditatorial tornou-se um transtorno para Washington, já que os partidos neoliberais civis pareciam colaboradores mais atrativos.

Apesar de a CIA saber há tempos da relação de Noriega com o narcotráfico, esse fator foi usado como pretexto para derrubá-lo. Os EUA invadiram o Panamá e, como justificativa, acusaram Noriega de narcotráfico e crime organizado. Ainda que o general tivesse recebido subornos de milhões de dólares do Cartel de Medellín, outras histórias eram pura invenção, como a de que supostamente consumia cocaína com prostitutas durante a invasão ao invés de ficar com sua esposa. Apenas dois anos antes, esse mesmo Noriega recebera uma carta de elogio diretamente do diretor da Administração de Repressão às Drogas dos Estados Unidos (DEA) por colaborar em operações antidrogas.

Essa invasão intensificou a retórica de criminalização como justificativa para a derrubada de regimes, baseada na premissa de que, para erradicar o narcotráfico, os EUA teriam direito de intervir nos assuntos políticos de outros países.

As operações de contrainsurgência e o uso retórico da guerra às drogas como justificativa para intervenção militar se fundiram como parte do Plano Colômbia. Lançado em 2000, começou como um plano para que os Estados Unidos proporcionassem ajuda econômica estratégica para fortalecer o Estado colombiano nas negociações com grupos guerrilheiros de esquerda, como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Contudo, seguindo os mandos do imperialismo estadunidense, a operação se distanciou da ajuda econômica, tendo como centro o financiamento do exército colombiano e de paramilitares de direita. As FARC, que operavam em comunidades camponesas simpatizantes nas regiões cocaleiras e vendiam cocaína para financiar suas operações, foram rotuladas como a “narcoguerrilha” por trás do tráfico de cocaína, transformando os esforços de contrainsurgência em parte da Guerra às Drogas.

Embora o Plano Colômbia tenha visto os paramilitares aterrorizarem as comunidades camponesas, o fortalecimento do exército colombiano e o enfraquecimento das FARC como um espinho no flanco da hegemonia dos Estados Unidos na região, praticamente nada fez contra a venda de cocaína. A fumigação de herbicidas nos campos de coca, feita com aviões, obrigou os camponeses a entrarem ainda mais na Amazônia. Durante a vigência do Plano Colômbia, o cultivo de coca aumentou e o preço da cocaína exportada da Colômbia diminuiu. Apesar de não ter conseguido frear o tráfico de cocaína, a operação foi apresentada como um modelo para a militarização da guerra contra as drogas.

O fim da Guerra Fria não significou o fim das táticas de contrainsurgência e das intervenções militares dos EUA na América Latina. Pelo contrário, fez com que elas fossem enquadradas no discurso da guerra contra as drogas.

Militarização do Estado policial

O papel dos Estados Unidos na guerra contra as drogas na América Latina tem sido o de colaborar com partidos de direita para usar as operações antidrogas como pretexto para militarizar o Estado policial. A guerra contra o terrorismo apenas aprofundou essa dinâmica.

A retórica da guerra contra o terrorismo pretendia afirmar que os territórios sem governo e os Estados fracos em qualquer parte do mundo ameaçavam os Estados Unidos, servindo como possíveis refúgios para células terroristas. Apesar da falta de evidências de atividade terrorista islâmica na América Latina, a lógica dessa narrativa sugeria que os Estados Unidos precisavam exercer controle ou fortalecer governos colaboracionistas em toda a América Latina e no mundo inteiro – uma forma conveniente de encobrir a ordem imperialista de controlar e vigiar os mercados globais.

Essa retórica foi aplicada contra o México durante a Guerra a Terrorismo. A fronteira entre EUA e México foi descrita na mídia como um “front aberto” da guerra ao terrorismo, oferecendo não só uma porta de entrada a trabalhadores imigrantes, mas também a supostos exércitos terroristas, o que motivou a construção do muro e o reforço da vigilância fronteiriça. As barreiras, que incluíam cerca de 120 km de cercas ao longo da fronteira em 2005, foram ampliadas para aproximadamente 1.000 km em 2011. Alguns analistas militares, durante o governo Obama, apontaram a corrupção e os cartéis como justificativa para classificar o México como um “Estado falido”, com a necessidade de uma resposta mais contundente contra os cartéis.

No México, a militarização da disputa entre o Estado e os cartéis foi impulsionada pelo partido conservador PAN com a Operação Michoacán em 2006. A operação utilizou a polícia federal e forças militares, focando especialmente no Cartel do Golfo, responsável pelo aumento da criminalidade violenta. A escalada da guerra às drogas também levou à redução das liberdades civis, já que, sob a política de arraigo, cidadãos suspeitos de participar do crime organizado podiam ser detidos sem julgamento por até 80 dias. Essa política era usada para manter os acusados em celas de detenção e extrair informações através de tortura. A operação foi expandida com apoio dos EUA como parte da Iniciativa Mérida, lançada em 2007.

A Iniciativa Mérida, também chamada de Plano México, inspirou-se nas táticas de contrainsurgência do Plano Colômbia. Assim como ele, a retórica do combate ao narcotráfico serviu de pretexto para atacar forças guerrilheiras de esquerda em comunidades camponesas, ao mesmo tempo em que fortalecia o exército mexicano contra a guerrilha zapatista em Chiapas. Também ampliou o controle neocolonial estadunidense sobre as instituições mexicanas, já que o financiamento e o treinamento reforçaram os vínculos entre os EUA e as forças repressivas locais.

Assim como o Plano Colômbia, a Iniciativa Mérida não acabou com o narcotráfico, mas o reorganizou. O grande beneficiário da guerra antidrogas no México foi o Cartel de Sinaloa, que escapou da repressão dirigida contra rivais, como o Cartel do Golfo, ao colaborar com agências antidrogas. A DEA chegou a acordos com líderes do Cartel de Sinaloa, o que permitiu a continuidade do contrabando de drogas em troca de informações, além de armar o cartel mediante o contrabando de armas, no que ficou conhecido como Operação Rápido e Furioso.

As táticas da Iniciativa Mérida não só fizeram parte de um projeto de proibição que fracassou grandemente, como também militarizaram o Estado policial e levaram a cabo operações de contrainsurgência, o que fortaleceu as forças repressivas no México em benefício dos interesses estadunidenses. No contexto da retórica da guerra ao terrorismo, isso reforça a ideia da classe dominante de que os EUA devem redobrar esforços para expandir seu controle sobre regiões sem governo em todo o mundo.

O papel dos EUA na militarização das forças policiais de Estados colaboradores usa a guerra contra as drogas como cobertura para o controle neocolonial sobre comunidades da classe trabalhadora na América Latina.

Trump e os ataques com mísseis no Caribe

Trump, usando a narrativa da luta contra os cartéis para justificar o destacamento militar enviado à América Latina, designou uma lista deles como grupos terroristas. Essa acusação constitui a base legal do ataque aéreo realizado recentemente em águas internacionais na costa da Venezuela. Essa designação dos cartéis como combatentes ilegais, sem as proteções legais de assumidos criminosos ou soldados inimigos, busca justificar ações militares que ignoram liberdades civis e direitos humanos. Como em tantas outras operações militares empreendidas sob o pretexto da guerra às drogas, também há uma ameaça de intervenção militar, particularmente contra a Venezuela.

No México, a designação dos cartéis como terroristas e a presença da Marinha no Golfo do México levantam a ameaça de uma expansão da guerra com drones. O governo Trump enviou tropas para a fronteira entre os Estados Unidos e o México e está realizando voos de vigilância com drones sobre o México. Assim como no recente ataque com mísseis no Caribe, fontes do exército estadunidense sugeriram que Trump poderia estar preparando uma ação militar unilateral contra os cartéis no México, violando a soberania mexicana. As ameaças de agir militarmente contra os cartéis revelam como o governo americano se dá o direito de intervir nos assuntos internos de suas neocolônias.

Na Venezuela, a narrativa de que as ações militares combatem o narcotráfico é ainda mais questionável. Para começar, as forças enviadas à Venezuela em agosto são numerosas demais para serem utilizadas na luta contra as drogas. Além disso, o principal fluxo do narcotráfico passa pelas águas do Pacífico, não pelo Caribe, ou seja: enviar a Marinha para o sul do Caribe não seria especialmente útil para a luta contra as drogas. E talvez o mais importante, as ações contra os cartéis ocorrem ao mesmo tempo que o governo Trump, sem fundamentos, acusa o presidente Maduro de ser líder de um cartel.

Embora alguns observadores tenham sugerido que a movimentação atual é muito pequena para ser considerada uma invasão aberta, o envio de tropas militares continua sendo uma ameaça para tentar uma mudança de regime. A liderança populista da Venezuela sob o presidente Maduro consolidou uma ditadura militar, com políticas nacionalistas (neste caso, a nacionalização das rendas do petróleo) que representam uma barreira à extração petrolífera no país por parte das corporações multinacionais norte-americanas. Tendo em vista a série de tentativas de golpe de Estado apoiadas pelos Estados Unidos no país, a ameaça de uma intervenção imperialista continua alta. Ao rotular o governo venezuelano como “narcoterrorista”, os ataques aéreos contra os cartéis ameaçam uma ação militar mais ampla destinada a uma mudança de regime.

O envio da Marinha também pode ser uma tentativa de os EUA obterem concessões da Venezuela através da intimidação, como tática de diplomacia de canhoneiras. Apesar da nacionalização do petróleo, a Venezuela permite que empresas estadunidenses como a Chevron atuem no país como sócios na extração de petróleo – o que mostra sua disposição em negociar com capitalistas norte-americanos. Outra frente de negociação é o território disputado do Essequibo/Guiana Essequiba, ao redor do rio Essequibo entre a Venezuela e a Guiana, onde os EUA têm interesse particular pela influência sobre quais empresas terão direito à exploração das jazidas de petróleo da costa.

Utilizar a narrativa da guerra contra as drogas como pretexto para ações militares na América Latina não é novidade para o governo estadunidense, como demonstram os esforços contra as FARC e os zapatistas e a invasão do Panamá. A militarização de medidas antidrogas também traz consigo um histórico preocupante de retrocessos das liberdades civis e fortalecimento do Estado policial.

O movimento operário deve se opor às intervenções imperialistas. Devemos exigir o fim da desastrosa guerra contra as drogas. E devemos exigir que os Estados Unidos mantenham suas mãos longe da Venezuela.

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