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Polêmica

O que os stalinistas não entendem

outubro 1, 2025

Por: Adhiraj – New Wave

Logo após a derrubada do regime de Sheik Hasina, um curioso movimento de propaganda começou a emergir, especialmente entre os círculos nacionalistas de direita na Índia. Seguindo o exemplo dos stalinistas, eles começaram a culpar os Estados Unidos e a CIA pela revolução liderada pelos jovens. Nsse círculo de conspiração estão a China e o Paquistão, com sua agência de inteligência ISI, que uniram forças para derrubar o governo favorito da Índia, liderado pela Liga Awami e Sheik Hasina.

Dessa perspectiva, os complexos processos sociais e o descontentamento em massa que levaram a uma derrubada política podem ser reduzidos à conspiração de uma camarilha de espiões que financiou os “agitadores”. Os nacionalistas de direita da Índia repetiram uma linha de propaganda familiar que vimos se repetir na Síria, Líbia, Ucrânia e em todas as revoluções democráticas que podem eclodir contra regimes tipicamente autocráticos, percebidos como opostos aos interesses imperiais dos Estados Unidos e da Europa. É importante dizer “percebido”, porque se analisarmos as políticas de Kadafi, dos Assads e do regime pró-Rússia derrubado pelos protestos de Maidan, nenhum deles ofereceu uma resistência realista ao imperialismo ocidental.

No entanto, cada um desses regimes se posicionou contra o Ocidente, e uma parte significativa da propaganda, era e é, para ditadores ameaçados por mobilizações populares de massa se apresentarem como vítimas ao exercerem enorme poder repressivo contra seu próprio povo. Isso é feito invocando noções de grandes conspirações e intrigas tramadas por agências de inteligência ocidentais clandestinas ou operações secretas. Essa propaganda é amplificada pelos stalinistas, para quem proteger regimes bonapartistas reacionários é mais importante do que analisar processos sociais complexos e se posicionar para lutar pela direção de qualquer mobilização de massa. Agora, Sheik Hasina segue o caminho trilhado por Assad e Kadafi, com um exército de nacionalistas conspiradores da Índia apoiando sua afirmação absurda.

Evidentemente, os casos em que o imperialismo ocidental desempenha um papel são inegáveis. Quando o processo revolucionário se dá sem um partido revolucionário na vanguarda, ou sem o papel direto da classe operária, o processo revolucionário perde sua direção, e é aí que surgem oportunidades para a burguesia imperialista sequestrar o processo, subvertê-lo e corrompê-lo. Em última análise, a revolução democrática termina em fracasso, e o caos na Líbia e o governo neoliberal de Zelensky são alguns dos resultados desse processo.

Revoluções Democráticas

Já em 1848, Marx havia concluído que a burguesia não poderia mais desempenhar um papel progressista na história. Suas conclusões no Manifesto Comunista foram confirmadas e ampliadas em 1905 por Trotsky em sua obra sobre a Revolução Russa de 1905, na qual ele afirmou que o fardo da revolução democrática agora recai sobre os ombros do proletariado, que deve cumprir os objetivos da revolução democrática como parte da revolução socialista. Continuamos a viver na era do imperialismo, e não só a burguesia é incapaz de desempenhar o seu papel histórico, como o avanço do capital imperialista tornou isso quase impossível.

No entanto, a história não ocorre no vácuo. Enquanto a burguesia é incapaz de cumprir a tarefa das revoluções democráticas, o proletariado sofre de falta de consciência de classe e, mais importante, carece da direção revolucionária necessária para cumprir o seu papel histórico como coveiro do capitalismo. A cada ano que passa, as contradições do capitalismo se aprofundam, as condições objetivas amadurecem enquanto as condições subjetivas estagnam. A dialética que emerge dessas forças aparentemente contraditórias é que vemos situações revolucionárias em erupção, muitas vezes sem a classe operária desempenhando o papel principal e sem que exista um partido socialista revolucionário, muito menos uma posição de direção.

A verdade histórica que tem sido repetida inúmeras vezes, e que somos forçados a aprender mais uma vez, é que nenhuma revolução democrática pode ter sucesso sem fazer parte da revolução socialista. Sob o domínio burguês e pequeno-burguês, o fracasso torna-se um resultado inevitável.

Vimos umaexplosão semelhante definhar no Sri Lanka, uma revolução fracassar no Egito e o potencial revolucionário da Ucrânia ser cada vez mais sequestrado pela agenda neoliberal de Zelensky.

Sob o pretexto da autodefesa patriótica, usando a mobilização de Maidan para se legitimar, o governo burguês da Ucrânia tem usado a guerra. para aprofundar a dependência do país em relação ao capital imperialista, dando à Blackrock acesso aos recursos da Ucrânia, desmantelando as últimas leis trabalhistas progressistas da era soviética e enriquecendo a oligarquia, enquanto fracassa repetidamente na linha de frente contra o exército russo.

Para os stalinistas, o termo “revolução colorida” descreve melhor os eventos de Maidan, os protestos que levaram à guerra civil na Síria e o caos que se seguiu na Líbia. Todas essas foram conspirações “orquestradas pelo Ocidente”, nas quais agências trabalharam para fomentar um pequeno “descontentamento” que geralmente é minimizado ou completamente descartado. Eles ignoram o simples fato de que todas eram ditaduras capitalistas brutais, colaborando com o imperialismo e usando o enorme poder do Estado para reprimir seu próprio povo.

O descontentamento era natural; os protestos não foram encenados, mas sofriam da mesma debilidade fundamental que atormentou o processo revolucionário na Líbia e no Egito. A classe trabalhadora estava ausente do papel de direção da revolução e não havia um partido revolucionário no comando. Hoje, a ditadura de Assad foi derrubada por uma coalizão liderada por uma entidade islâmica, a HTS, apoiada pela Turquia. Seu líder, Al Sharar, conhecido como Jolani, já chegou a um acordo com a Rússia e prometeu um sistema de livre mercado para a Síria, o que provavelmente abrirá as portas para a continuidade do domínio imperialista.

Na Líbia, um governo burguês de transição baseado em Trípoli está atolado em uma sangrenta guerra civil que assume a forma de uma guerra por procuração, com nações rivais apoiando uma facção ou outra e destruindo todas as conquistas da revolução nacionalista progressista da década de 1960. Esse é um padrão que se repetiu em muitos países, com processos revolucionários frustrados e descarrilhados, ou brutalmente esmagados sob o peso da contrarrevolução triunfante. No cerne desse fracasso não está a conspiração dos imperialistas, mas o fracasso em construir um partido revolucionário viável da classe operária e a presença da classe operária com seu programa socialista no centro da revolução democrática.

A Exceção Nepalesa

A única exceção possível a esse processo é o Nepal, onde um partido autoproclamado comunista liderou a revolução democrática que derrubou a monarquia autocrática do Nepal e a substituiu por uma república democrática burguesa, mas sem alcançar muitos objetivos democráticos burgueses fundamentais, como a reforma agrária. É talvez o único exemplo de uma revolução democrática que conseguiu resistir a qualquer potencial contrarrevolução ou se encontrar em meio à direção política burguesa.

A revolução não foi esmagada, nem triunfou a contarrrevolução. Em vez disso, a revolução foi deliberadamente contida, em grande parte pela própria direção maoísta. A “nova democracia” no Nepal é simplesmente a velha democracia burguesa, reembalada com jargão revolucionário. O Nepal atual deu espaço político a fundamentalistas hindus reacionários de direita e monarquistas pró-monarquistas, bem como à velha burguesia liberal que colaborou livremente com a monarquia autocrática e a Índia. O capital estrangeiro, longe de ser nacionalizado, encontrou um ambiente cada vez mais favorável para operar, enquanto uma pequena parcela da burguesia nepalesa enriqueceu. A maioria da população do Nepal continua tão pobre e explorada quanto antes da revolução.

Apesar do sucesso da revolução no Nepal, também encontramos fracassos em muitos aspectos, devido à incapacidade dos maoístas de consolidar sua posição dentro da classe operária ou de implementar um programa socialista. Os principais objetivos democráticos da reforma agrária, que garante a libertação do imperialismo, permanecem tão ilusórios quanto em 2006.

Hoje, os velhos e ultrapassados ​​argumentos da revolução colorida e das conspirações da CIA estão mais uma vez sendo trazidos à tona, à medida que um governo aparentemente “pró-China”, liderado por maoístas ostensíveis, é derrubado por um movimento liderado por jovens trabalhadores e estudantes. Os maoístas indianos se manifestaram a favor do movimento, mas alguns setores stalinistas se veem incapazes de superar os cálculos da Guerra Fria. Para eles, a derrubada do governo maoísta traidor é mais uma “revolução colorida”.

A Estratégia da Reação Democrática

A burguesia possui muitas ferramentas em seu arsenal de táticas, que utiliza contra as massas na revolução. Na época da revolução, todo processo revolucionário democrático tem a possibilidade inerente de evoluir para uma revolução socialista. As tarefas de uma revolução democrático-burguesa são impossíveis de realizar sem uma revolução socialista liderada pela classe operária. Esta verdade, descoberta pela primeira vez por Trotsky em “Resultados e Perspectivas”, foi repetida inúmeras vezes nas revoluções do século XX, muitas vezes de forma negativa. Isso permanece verdadeiro no século XXI, à medida que testemunhamos o fracasso de situações revolucionárias na ausência de um programa socialista, de uma direção revolucionária socialista e, mais importante, da classe operária em posição de direção.

Na maioria dos casos, há sempre uma mão imperialista envolvida para garantir o fracasso de um processo revolucionário. Durante o período da Guerra Fria, os Estados Unidos e o Reino Unido dominaram a estratégia de orquestrar golpes contra governos democráticos, utilizando seus serviços de inteligência e aliados nas forças armadas, frequentemente entre as elites burguesas compradoras do país semicolonial visado. Os regimes golpistas no Brasil, Irã, Chile, Argentina e América Central são exemplos do emprego dessa estratégia.

Os Estados Unidos a utilizaram com maior liberdade em seu próprio hemisfério para garantir a exploração contínua dos países da América do Sul e Central sob sua esfera de influência. No entanto, essa estratégia chegou ao fim no final da década de 1980 e início da década de 1990. As ditaduras militares eram ineficazes e impopulares, tornando-as difíceis de manter e criando regimes incrivelmente voláteis que não serviam aos interesses de longo prazo do imperialismo estadunidense. Em seu lugar, surgiu uma alternativa mais eficaz, demonstrada pelos sucessos na Europa Oriental e na Ásia Central.

Em vez de apoiar ditaduras militares reacionárias, o imperialismo estadunidense pode investir na subversão da direção democrática ou na colaboração com líderes comprometidos. A estratégia da reação democrática é agora o pilar do capital imperialista, onde uma revolução democrática pode ser subvertida por uma direção reacionária ou compradora.

Lech Walesa na Polônia ou Al-Shararr, também conhecido como Jolani, na Síria se encaixam nesses papéis. Longe de transitar para o socialismo, sob uma direção burguesa reacionária dessa natureza, a revolução democrática provavelmente fracassará, se não regredir à reação. Ao mesmo tempo, ao não confrontar diretamente as massas, as forças imperialistas podem se reposicionar trabalhando com líderes comprometidos que preferem renunciar à soberania de seu país a permitir que os trabalhadores cheguem ao poder.

Enquanto isso, a mobilização continua. Os Estados Unidos não são a única potência a adotar essa estratégia: a Índia a empregou com traidores voluntários no Nepal para inviabilizar seu processo revolucionário, e o Paquistão e a China a estão aplicando ao atual processo revolucionário em Bangladesh.

A estratégia da reação democrática tem o poder adicional de confundir as massas. Os líderes mais complacentes e reacionários aparecem como revolucionários, e a mão imperialista torna-se quase invisível ou até mesmo benigna. A ameaça de exploração e subjugação oculta por trás dessa máscara benigna torna-se impossível de detectar até que seja tarde demais. Por outro lado, os stalinistas apontam a presença de qualquer apoio imperialista como razão suficiente para condenar todo o processo revolucionário, independentemente de quão repressivos os regimes possam ser.

O sucesso dessa estratégia é evidente na situação atual na América do Sul e Central, bem como na Europa Oriental, as duas arenas em que essa estratégia foi desenvolvida. A derrubada de ditaduras militares poderia ter aberto a possibilidade de uma revolução socialista e, no caso dos antigos países do Pacto de Varsóvia, poderia ter potencialmente levado a uma revolução política. Em vez disso, estamos testemunhando a expansão do capital imperialista e a contínua subjugação dessas regiões ao imperialismo. Os regimes que substituíram o Estado operário deformado são, sem exceção, reacionários, sejam democrático-burgueses ou ditatoriais.

O roteiro usual da reação democrática apoiada pelo imperialismo é subverter uma revolução democrática para neutralizar a direção revolucionária, explorando a contradição de um processo revolucionário democrático. A única razão pela qual isso funciona é a natureza da revolução democrática em nossa era e a total ausência de direção revolucionária.

Ditadores reacionários não nos salvarão!

Sempre que os imperialistas apontam suas armas para regimes reacionários, os stalinistas geralmente correm em sua defesa. Isso é uma continuação da política de apoio à burguesia nacional progressista sob outra forma. Para os stalinistas de hoje, a burguesia nacional progressista é a República Islâmica do Irã, o regime de Assad na Síria e Kadafi na Líbia. O resultado dessa política é sua posição confusa sobre a Ucrânia, onde falam de uma “paz” abstrata, ignorando a realidade óbvia de que a Rússia imperialista está esmagando e destruindo a Ucrânia. Assim, enquanto Assad era progressista, Zelensky não é progressista o suficiente para ganhar seu apoio.

Como extensão dessa postura, os stalinistas emprestam todo tipo de apoio político à repressão mais implacável dos regimes reacionários. Tudo se justifica, desde que prejudique o imperialismo americano, independentemente de outro imperialista se beneficiar ou de a classe trabalhadora e os pobres sofrerem. Os stalinistas preferem jogar jogos geopolíticos citando a revolução colorida em vez de investir energia, tempo ou esforço em uma solução real para a repressão reacionária.

Em um vídeo recente, Hakim, um popular YouTuber stalinista, concluiu que os regimes reacionários se tornam mais repressivos quando confrontados com a tática imperialista de fomentar a revolução colorida. Uma consequência disso é a inclinação do regime em se alinhar com imperialistas que se opõem aos Estados Unidos. O vídeo terminava com uma mensagem esperançosa: “outro mundo é possível”, mostrando uma imagem de Xi Jinping ao lado dos líderes dos países do BRICS, incluindo o presidente do Irã. Este é um exemplo nítido de uma das falácias fundamentais dos stalinistas, especialmente no que diz respeito às revoluções coloridas. Eles identificam os perigos da reação imperialista, mas veem os regimes reacionários como uma alternativa desejável. Os problemas decorrentes da natureza reacionária do regime são frequentemente ocultados ou minimizados para focar a atenção apenas no papel dos imperialistas. A brutalidade de Assad é desculpada por seu apoio ao Hezbollah na resistência palestina; a aproximação de Kadafi às nações africanas é exagerado; enquanto sua cooperação com o imperialismo italiano na implementação do “escudo” anti-imigrante é ignorada. A verdade amarga é melhor vista aos olhos dos trabalhadores e camponeses oprimidos por esses regimes: eles não nos salvarão do imperialismo, e quando a classe operária se rebela precisamente contra esses regimes, não podemos aplaudir o regime! Ao identificar os esforços imperialistas para influenciar as mobilizações de massa, os stalinistas denunciam a mobilização em sua totalidade. Revoluções coloridas não deveriam ser possíveis a menos que explorassem as contradições de uma revolução democrática. A única razão pela qual eles têm algum sucesso é a ausência de uma direção revolucionária e a consequente falta de consciência de classe.

Nossa tarefa não é apoiar a repressão, mas construir essa direção revolucionária, assumir o comando da luta democrática. O imperialismo deve ser combatido não com as armas do regime, mas com a classe operária organizada em luta.

Do Nepal às revoltas árabes, passando por Bangladesh

Na era do imperialismo, enfrentamos uma burguesia que já ultrapassou seu auge. A conclusão de Trotsky em 1906, quando escreveu “Resultados e Perspectivas”, refletiu a Revolução Russa de 1905. Lá, ele concluiu que a burguesia de nosso tempo não é mais capaz de resolver as tarefas da revolução democrática. Essa tarefa recai nas mãos da classe operária, que, em aliança com o campesinato, deve liderar o processo revolucionário. A revolução da classe operária é, em essência, a revolução socialista, mas em países atrasados, onde o desenvolvimento capitalista está estagnado e enfrentam reação social, a ditadura e diversas distorções autocráticas, a revolução será, em primeira instância, de natureza democrática. Isso foi verdade na Rússia e continua sendo verdade na maioria dos países capitalistas subdesenvolvidos.

Neste século, testemunhamos uma série de processos revolucionários nos quais a classe operária permaneceu como participante inconsciente, não como força de direção. Foi o caso em Bangladesh, Nepal, Sri Lanka e em todas as revoltas árabes, do Norte da África até o Levante. Essa ausência se deve principalmente à crise da direção revolucionária, que é a crise mais importante do nosso tempo. O resultado dessas duas ausências críticas foi visto no fracasso desses processos revolucionários. A maior parte do Norte da África e do Levante retornou à autocracia ou entrou em guerra civil, o Nepal permanece preso em seu moribundo status semicolonial e Bangladesh parece prestes a retornar ao ciclo de anarquia e exploração do qual seu povo tanto tentou escapar.

O perigo também está presente no Nepal atual. O processo revolucionário iniciado pela revolta da juventude pode descambar para a reação ou fracassar se deixado nas mãos da direção burguesa liberal. ONGs liberais e monarquistas reacionários, com sua força lúmpen, tacitamente apoiada pelos militares, já começaram a minar seriamente os protestos. A derrubada do governo maoísta não livrará o Nepal da corrupção e da pobreza se as condições materiais subjacentes não forem abordadas. Somente um programa socialista pode resolver esses problemas. No entanto, para isso, as forças revolucionárias devem se engajar com a juventude e a classe trabalhadora, e não ignorar a revolta caótica sob o pretexto de uma “revolução colorida”.

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