Massacre em Sweida expõe a natureza sectária do novo regime

Por: Fábio Bosco
Nos dias 14 a 16 de julho, as forças de segurança do governo interino liderado por Ahmad al-Sharaa invadiram Sweida sob a alegação de pôr fim aos conflitos entre drusos e beduínos, mas seu verdadeiro objetivo era tomar o controle de toda a província.
Em meio a combates sangrentos entre as forças de segurança e as milícias drusas, uma série de massacres covardes foram executados contra civis desarmados. A organização de direitos humanos Anistia Internacional documentou a execução de 48 civis desarmados de origem drusa pelas forças de segurança do governo interino. O número certamente é bem maior. (1)
Em seguida ao massacre, o presidente interino Ahmad al-Sharaa anunciou o resultado da investigação sobre outro massacre ocorrido no litoral no mês de março. O relatório do Comitê Nacional de Investigação indicado por ele reconheceu que houve o massacre de civis desarmados, mas não identificou nenhum membro das forças de segurança ou das milícias aliadas ao governo, o que foi criticado por organizações de direitos humanos.
Nesses massacres certamente houve violações de direitos humanos por parte de todas as milícias armadas e das forças de segurança. Mas a responsabilização tem que começar pelas forças de segurança do governo, pois elas não são pagas pelo Estado para executar pessoas desarmadas! Todo integrante das forças de segurança envolvidos na execução de pessoas desarmadas deve ser imediatamente preso e julgado pelos seus crimes. Permitir esses crimes significa um retorno às práticas da ditadura Assad.
Os massacres no litoral e em Sweida, os ataques sectários em Jaramana e Sahnaya, além do sequestro de pelo menos 16 mulheres alauitas documentados pelas organizações de direitos humanos, mostram que o governo interino liderado por al-Sharaa está dando continuidade às políticas sectárias do antigo regime. Assad dizia “proteger as minorias” enquanto impunha uma ditadura sangrenta contra toda a população. Ahmad al-Sharaa se apresenta como representante e protetor da maioria sunita, enquanto suas forças de segurança se envolvem nos massacres no litoral e em Sweida.
Um, um, um, o povo sírio é um só!
Alimentar a divisão sectária vai contra um dos mais importantes slogans da revolução síria: o povo sírio é um só! Além disso, essas práticas sectárias pavimentam o caminho para a divisão da Síria. O massacre em Sweida fortaleceu as políticas do Sheikh Hikmat al-Hijri e suas ligações com a comunidade drusa na Palestina ocupada, e com a Entidade Sionista. Esse massacre também ampliou a desconfiança entre a população curda de que podem se tornar o próximo alvo.
Além de semear o veneno do sectarismo, o novo governo interino adotou políticas econômicas neoliberais tais como demissões de milhares de servidores públicos, abertura de mercado para o capital estrangeiro e privatizações, o que dificulta a melhoria das condições de vida para a maioria da população.
O novo governo também aceita relações subordinadas com as grandes potências internacionais (Estados Unidos, Europa, China e Rússia) e regionais (Turquia, países do golfo e Israel), o que atenta contra a soberania do país.
A ausência de uma justiça de transição que puna os responsáveis pelos crimes da ditadura assadista é outra questão crítica.
Por fim, a não legalização dos partidos políticos nem a realização de eleições livres apontam para a formação de um regime autoritário. Neste mês de setembro haverá eleições indiretas para 140 cadeiras na Assembleia do Povo. Outras 70 cadeiras serão indicadas diretamente pelo presidente interino. Ou seja, essas eleições indiretas visam apenas manter o controle da Assembleia pelo presidente interino. Elas não visam garantir os direitos democráticos da população decidir o seu futuro.
O povo quer liberdade, pão e justiça social
A população trabalhadora síria continua desejando as reivindicações da revolução. Segundo a pesquisa de opinião pública “Arab Index 2025”, 61% dos sírios acreditam que a democracia é o melhor sistema de governo, 85% condenam o sectarismo, e 74% são contrários à normalização de relações com o estado de Israel pois o consideram colonial, expansionista e racista que ocupa ilegalmente as colinas do Golã e nega os direitos dos palestinos. (3)
O ódio à Israel se expressou na manifestação de dezenas de milhares de sírios na cidade de Hama no dia 30 de agosto na qual o presidente interino foi recebido em meio a cantos contra o inimigo sionista. (4)
Outro dado da pesquisa confirma a existência de liberdades democráticas que nunca existiram sob o regime Assad. Mais de 70% dos sírios utilizam as redes sociais para discutir política pois consideram que há liberdade até mesmo para criticar o governo. Por outro lado criticam o uso das redes para divulgar retórica sectária e notícias falsas.
No entanto, o resultado das políticas sectárias do governo interino aparece na resposta quanto ao futuro da Síria. Para 56% dos sírios, o país está no rumo certo devido à queda de Assad, à libertação de oito mil presos políticos, à melhoria na segurança, aos esforços de estabilização e ao fim das sanções econômicas. Por outro lado, 25% acreditam que o país está no rumo errado, certamente por conta dos massacres e do clima político sectário no país.
Al-Sharaa não é aliado da classe trabalhadora na luta por liberdade, pão e justiça social
Em julho, houve um protesto de 50 pessoas no centro de Damasco contra os massacres em Sweida. O ativista e escritor Robin Yassin-Kassab participou do protesto e relatou que 20 pessoas armadas com porretes atacaram os manifestantes, e um policial das forças de segurança não interviu e ainda acusou os manifestantes de serem “sionistas”.
A falsa acusação de sionista é a mesma utilizada pela ditadura Assad para prender, torturar e matar dissidentes políticos.
A única classe social que pode impedir novos massacres sectários, e que a Síria seja dividida e se transforme em um regime autoritário é a classe trabalhadora organizada de forma não-sectária e independente do governo e dos capitalistas.
O melhor exemplo de auto-organização popular independente são as organizações de familiares e amigos dos desaparecidos políticos como a “Famílias pela Liberdade”, e a “Associação dos Detidos e Desaparecidos da Prisão Sednaya”. Essas organizações lutam pela investigação sobre os 177 mil desaparecidos do regime Assad e pela punição dos responsáveis.
É necessário apoiar e fortalecer essas organizações de direitos humanos, bem como os sindicatos, as associações de bairro, os grupos pelos direitos das mulheres e outros.
Outro exemplo de auto-organização espontânea está ocorrendo em algumas vilas nas províncias de Quneitra e Daraa para se defender das agressões israelenses. Essa auto-organização tem que ser apoiada, e o governo interino tem obrigação de prover os meios para a população se defender.
Por fim, é necessário lutar por eleições livres para uma Assembleia Constituinte, e pela legalização imediata dos partidos políticos, para formar um partido de trabalhadores e trabalhadoras que se oponha às políticas sectárias, autoritárias e neoliberais do governo de Ahmad al-Sharaa, e retome os ideais da revolução síria.
Notas:
1)
https://amnesty.ca/human-rights-news/syria-extrajudicially-executed-dozens-druze-people-suwayda/#:~:text=Amnesty%20International%20documented%20the%20deliberate,15%20July%20and%2016%20July.
2)
https://amnesty.ca/human-rights-news/syria-coastal-massacres-alawite-civilians-investigate-crimes/
3)
https://syrianobserver.com/syrian-actors/key-findings-from-the-2025-arab-index-survey-syrian-priorities-and-perspectives.html?fbclid=IwdGRzaAMjEARjbGNrAyMP8mV4dG4DYWVtAjExAAEei8aSXLZEySqYz6ibE4ge_V1SXF8VP3xY-vhl9Mc1T_IhXHRSAyqfJ5ltNns_aem_mgycnH6ta5b9Or66YVPevQ&sfnsn=wiwspwa
4)
https://www.instagram.com/reel/DN9UcORgBen/?utm_source=ig_web_copy_link&igsh=MzRlODBiNWFlZA==