search
               
                   
Angola

Angola: Rebelião popular e a solidariedade internacional

agosto 19, 2025

Por: Cesar Neto e J.G. Hata

Introdução

No final do mês de julho Angola foi sacudida por três dias de mobilizações contra o aumento dos combustíveis. Foram três dias que expuseram várias contradições que vale a pena estudar. Nessas mobilizações o governo reconheceu que 32 pessoas foram mortas, porém muitos dizem que beirou a cem, isto sem falar dos mais de 200 feridos e 1.500 detidos sendo que alguns ainda seguem presos.

Aumento dos combustíveis foi o estopim

Há diversas lutas na África subsaariana que têm sua origem no aumento dos combustíveis. Há países que cortaram os subsídios para poder pagar a dívida externa, e há países como Nigéria e Angola que além de cortar os subsídios viu sua produção petroleira ser privatizada.

No caso nigeriano, a refinaria de petróleo construída pelo magnata Dangote, capaz de produzir 650.000 barris por dia,  com altíssima tecnologia, impôs praticamente o sucateamento da empresa estatal nigeriana, e posteriormente impôs os preços internacionais para o combustível.

O  sucateamento da refinaria estatal angolana, durante o governo de João Lourenço, permitiu o surgimento de três novas refinarias, com capital estrangeiro e os combustíveis passaram a ser cotizados a preços internacionais.  Até julho de 2023 custavam 160 kwanzas e passou a 300. Neste mes passou de 300 para 400 kwanzas, ou seja um aumento de 33%, mas o objetivo é chegar a 800 kwanzas e satisfazer o capital estrangeiro.

Os ventos moçambicanos

Outro elemento que pesou foram as mobilizações em Moçambique que começaram em 23 de outubro do ano passado e se estenderam até o final de dezembro.  Dados parciais mostram onze desaparecidos; 586 baleados; 4.201 detenções e 278 mortos, na luta contra os cinquenta anos de dominação imposta pelo FRELIMO.

As conexões entre ambos países (Angola e Moçambique) levou a que muitos analistas previssem a inevitável contaminação. Só faltava o estopim e este se acendeu com o aumento dos combustíveis.

MPLA: um partido burguês, contra seu povo e a serviços dos imperialismos.

A esquerda em geral, tem uma visão incorreta sobre o MPLA o partido que está no governo há 50 anos.  O fato de ter recebido apoio por parte da Rússia e Cuba não quer dizer que tenha sido ou seja socialista. O planejamento da economia nos moldes socialistas e a estatização do comercio exterior nunca foram parte do ideário do MPLA.

               “Nunca foi feito nenhum plano de desenvolvimento de longo prazo, apesar da pretensão de um planeamento centralizado que ficou reduzido (por falta de quadros e indisponibilidade de dados adequados) a um exercício anual de estabelecimento de metas de produção e distribuição de inputs, recursos orçamentais e divisas. Devido a ineficácia    do sistema e às ruturas causadas pela guerra, a produção continuou muito abaixo dos níveis anteriores à independência em todos os setores da economia, com exceção da indústria petroleira, onde o Estado, pragmaticamente, oferecia incentivos às empresas estrangeiras”[1]

Ao não ter planificação econômica, a produção abaixo do período colonial e não ter monopólio do comercio exterior, os alimentos começaram a escassear e encarecer.As massas saíram as ruas  com o apoio inclusive de alguns membros do governo do MPLA. Agostinho Neto, então presidente, ordenou uma violenta repressão com o apoio cubano. Esse povo com fome foi considerado como contra revolucionário e foram massacrados com o assassinato de entre 30 e 80 mil pessoas[2]. A esquerda em geral, parece que sofre de um certo tipo de amnésia política e esquecem dos Massacres de Maio de 1977, um ano e seis meses depois do MPLA chegar ao poder.

Em 1985, a direção MPLA começou a assumir que seu projeto era inviável, em seu II Congresso, e que era preciso fazer reformas que dessem maior relevo aos mecanismos de mercado. Era o inicio do adeus ao projeto socialista, que na verdade nunca existiu.

 Já em 1987 foi apresentado o primeiro programa de reforma econômica “Programa de Saneamento Economico e Financeiro” o qual abriu as portas para a privatização das empresas estatais com a criação do Gabinete de Redimensionamento Empresarial (GARE).

Entre 1990-1991, foi rejeitado de forma explicita e formal a definição pelo marxismo-leninismo, fato que se deu através da própria direção do MPLA.

Sendo assim, quando afirmamos que o MPLA é um partido burguês, contra seu próprio povo e pró imperialista está devidamente confirmado pelos fatos acima narrados.

Saques, repressão e assassinatos

Foram três dias de mobilizações que começou a partir da convocação da associação de taxistas (as chamadas vans) para uma paralisação na medida que o aumento dos combustíveis os afetava diretamente. Não se pode dizer, como dizem alguns setores da esquerda, que foi uma provocação da direita. Afinal, o presidente da principal associação é um conhecido membro do MPLA, que diga-se de passagem segue preso nas masmorras do próprio partido que ele reivindica.

As massas começaram a se indignar contra a ausência de transporte e passaram a saquear as lojas e supermercados que ofereciam produtos que eles nunca poderiam comprar.

Ativistas eram procurados em suas casas e mesmo não estando a polícia aproveitava e espancava seus familiares como foi o caso da ativista Laurinda Gouveia (ex presa do processo 15+Duas). Os assassinatos foram praticados por milicianos, em traje civil e com armas pesadas como se pode ver em diversos vídeos que circulam na internet.

O governo sentiu o golpe. A UNITA estendeu a mão

O governo sentiu o golpe. Primeiro dentro de sua própria casa com o aumento da fissura no interior do MPLA. Antes, essa fissura parecia ser por conta das disputas de quem será o candidato nas eleições presidenciais em 2027. Após as manifestações, há acusações de lado a lado de que este ou aquele setor instigou as manifestações. Essas acusações que não se apoiam na realidade, em última instância servem, entre outras coisas, para deslegitimizar a luta do povo pobre.

O principal partido de oposição a UNITA, mais uma vez saiu em socorro do MPLA embora um de seus dirigentes juvenis tenha sido preso. Há vários casos de colaboração entre eles, sendo que a votação em bloco da Lei Anti Greve  é um dos casos mais emblemáticos. Mas, agora, o socorro veio com a aprovação por unanimidade do Pacote Legislativo Eleitoral. Antes a UNITA questionava o processo eleitoral, agora fizeram um grande acordo que segundo o MPLA, o pacote aprovado “não é para agradar aos partidos políticos, mas para  o bem da democracia”, isto é, para dar ilusões no parlamento e tirar o povo das ruas.

Todos por Angola, todos contra os trabalhadores e o povo pobre

Essa unidade do governo ditatorial do MPLA com a oposição bem comportada que é a UNITA segundo os dirigentes desses partidos é para o bem de Angola. Juntos eles se calam diante da repressão aos ativistas, juntos votam a lei anti greve e juntos votam o pagamento da dívida externa que destrói o país.

  A crise de direção

Temos presenciado importantes mobilizações populares na África subsaariana, mas todas, apesar do heroísmo das massas, se perdem pela ausência de uma direção revolucionária que aponte para o fim do capitalismo e a construção de uma sociedade sem classes, uma sociedade socialista. O caso angolano é mais uma comprovação da crise de direção.

A necessidade de uma Assembleia Constituinte

Frente a um estado que nasceu copiando o modelo estalinista da ex-URSS e depois evoluiu para uma ditadura que está no poder há  cinquenta anos,  devemos reconhecer que todo o sistema legal e jurídico foram feitos à imagem e semelhança da ditadura. Não basta a chamada “alternância de poder”, é preciso construir o país em outras bases, com total liberdade ao direito à protestar, a livre organização sindical, liberdade a todos os presos políticos, nacionalização da industria petroleira e mineira, entre outras medidas. E isto só será possível com a convocação de uma Assembléia Constituinte que altere o sistema jurídico a serviço da ditadura e do capital estrangeiro.

A solidariedade internacional

Um fato que saltou aos olhos foi a solidariedade internacional aos lutadores angolanos. Na diáspora angolana diversas manifestações, ainda que de vanguarda, ocorreram em diversas partes do mundo.

A CSP CONLUTAS, o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado e a Liga Internacional dos Trabalhadores, entre outras organizações, cumpriu um papel muito importante nos atos que se deram no Brasil. Figuras importantes com Cyro Garcia, Hertz Dias e a ex candidata presidencial Vera Lúcia,  gravaram vídeos de apoio os quais ganharam notoriedade entre os angolanos, no país ou na diáspora.,

Liberdade para todos os presos políticos

Abaixo da ditadura do MPLA

Por uma assembléia constituinte livre e democrática

Viva a solidariedade internacional entre os trabalhadores e o povo pobre


[1] Hodges, Tony. Angola do afro-estalinismo ao capitalismo selvagem . Lisboa, Editora Principia, 2002

[2] Mateus, Dalila C. Purga em Angola, Lisboa, Texto Editores, 2007

Leia também