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LGBT

O que é pinkwashing?

junho 30, 2025

Por: Jorge H. Mendoza

Amor é amor, lucro é lucro: como o capitalismo se apropria de pautas LGBTs para se beneficiar e se esquivar das críticas

Chega o mês de junho e o mundo corporativo veste um manto arco-íris. Empresas trocam seus logotipos nas redes sociais por versões coloridas, enfeitam vitrines de lojas com bandeiras de arco-íris e publicam mensagens em apoio a um amor livre como “amor é amor” e outros slogans vazios. Mas isso tudo nas unidades dos bairros de classe média. Nas periferias, as lojas permanecem sem decoração. Muitas vezes a diversidade tão alardeada se resume a um único funcionário LGBTQIA+ explorado até a última gota no seu trabalho e na sua imagem – o clássico token, exibido como prova de inclusão enquanto a empresa ignora políticas reais de equidade.

Esse espetáculo, que desaparece magicamente em julho, tem um nome: pinkwashing. Trata-se de uma prática cínica que finge apoio à comunidade LGBTQIA+ para lucrar, melhorar a imagem ou desviar críticas de práticas opressivas, sem qualquer compromisso genuíno com a igualdade. Este texto desmonta essa farsa, explorando suas origens, exemplos emblemáticos, estratégias comuns e uma crítica marxista que conecta a luta dessas pessoas à resistência contra o colonialismo e o capitalismo.

A origem do pinkwashing

O termo pinkwashing nasceu em 2002, cunhado pela organização Breast Cancer Action para denunciar empresas que usavam o laço rosa contra o câncer de mama enquanto vendiam produtos com substâncias cancerígenas. Na década de 2010, o conceito foi adaptado para a luta LGBTQIA+, ganhando força com as críticas à campanha Brand Israel. Em 2011, a ativista Sarah Schulman, em um editorial no The New York Times, popularizou o termo ao descrever como Israel promovia Tel Aviv como um “paraíso gay” para desviar a atenção da ocupação palestina. Ligado ao conceito de homonacionalismo, desenvolvido por Jasbir Puar, o pinkwashing revela como os direitos LGBTQIA+ são instrumentalizados para reforçar narrativas racistas, nacionalistas ou coloniais, servindo aos interesses de Estados e corporações que buscam lucrar ou legitimar opressões.

Casos de pinkwashing são numerosos e descaradamente cínicos. Em 2021, a Mercedes-Benz lançou a campanha “Mercedes-Benz Pride”, com logotipos arco-íris nas redes sociais, mas continuou operando sem questionar países como a Arábia Saudita, onde a homossexualidade é criminalizada, sem qualquer ação concreta para apoiar a comunidade local. Durante a campanha presidencial de 2020, o ex-presidente americano Donald Trump posou com bandeiras arco-íris, sugerindo apoio à comunidade LGBTQIA+, enquanto suas políticas proibiam pessoas trans nas forças armadas e apoiavam juízes anti-LGBTQIA+. No Reino Unido, a rede Marks and Spencer lançou em 2019 o “LGBT Sandwich” – alface, guacamole, bacon e tomate – promovido como apoio ao Orgulho, mas sem doações para causas ou políticas inclusivas, sendo ridicularizado como puro oportunismo.

Na América Latina não é diferente

Na América Latina, o pinkwashing também é marcante. O Brasil se promove como destino gay-friendly, com a Parada de São Paulo atraindo milhões, mas lidera o ranking mundial de assassinatos de pessoas LGBTQIA+, com 300 mortes em 2021, segundo o LGBTQ+ Danger Index, agravadas por discursos como os do ex-presidente Jair Bolsonaro. O México, segundo maior em crimes de ódio homofóbico, vende Vallarta como paraíso gay, mas incidentes como o tiroteio de 2018, classificado como crime de ódio, expõem a fragilidade dessa imagem. A Costa Rica, após legalizar o casamento homoafetivo em 2020, se apresenta como progressista, mas a falta de políticas robustas para proteger pessoas trans revela o pinkwashing turístico.

Israel, no entanto, é o caso mais emblemático. Por meio do programa Brand Israel, lançado em 2005, o governo investiu milhões para promover Tel Aviv como a “capital gay do Oriente Médio”. A Parada do Orgulho de Tel Aviv, financiada pelo Estado, é usada como vitrine para atrair turistas ocidentais, enquanto a ocupação palestina é convenientemente ignorada. Organizações como Al-Qaws denunciam que essa narrativa omite a homofobia interna, como a ausência de casamento homoafetivo, além da exploração de palestinos LGBTQIA+, chantageados pelo exército israelense para atuar como informantes. O pinkwashing sionista transforma a luta LGBTQIA+ em propaganda colonial, retratando palestinos como “bárbaros” para justificar a opressão.

Como opera o pinkwashing

As estratégias de pinkwashing são fáceis de identificar quando sabemos onde olhar. Empresas adotam bandeiras arco-íris em junho, mas abandonam a causa assim que o Mês do Orgulho termina, sem doações ou políticas inclusivas. O tokenismo é comum, com um funcionário LGBTQIA+ exibido como prova de diversidade, enquanto a empresa mantém práticas discriminatórias ou explora trabalhadores em países homofóbicos. Estados como Israel destacam sua “tolerância” em oposição a outros, como países árabes, ignorando suas próprias falhas, como a homofobia de figuras como Yaakov Litzman. Eventos patrocinados, como o TLVFest ou a Parada de Tel Aviv, são financiados por governos ou corporações para polir sua imagem, sem abordar questões estruturais. Além disso, o pinkwashing silencia vozes dissidentes, como ativistas palestinos, que desafiam a propaganda. 

Do ponto de vista marxista, o pinkwashing é uma ferramenta do capitalismo que commodifica a luta LGBTQIA+ para lucrar e legitimar opressões. Ele transforma a resistência em mercadoria, ações de marketing e relações públicas, esvaziando seu potencial crítico ou mesmo revolucionário. As pautas até podem ser adotadas por empresas conforme a conveniência, mas desde que sejam totalmente esvaziadas. Corporações, por sua vez, lucram com o “mercado rosa” sem desafiar as estruturas de classe que perpetuam a desigualdade nem seus próprios interesses como empresas capitalistas comprometidas apenas com o lucro.

Enquanto 67 países, como Uganda e Irã, ainda criminalizam a homossexualidade, segundo a ILGA (2023), o capitalismo ocidental absorve a pauta LGBTQIA+ como uma oportunidade de mercado. A comunidade LGBTQIA+ representa um poder de compra significativo: nos EUA, o mercado LGBTQIA+ movimentou 1,1 trilhão de dólares em 2022, conforme a LGBT Capital. No Brasil, a população LGBTQIA+ gasta cerca de 400 bilhões de reais anualmente, segundo a Out Leadership. Empresas como SHEIN e Nike lançam coleções Pride para lucrar com esse “mercado rosa”, mas raramente investem em causas ligadas à comunidade ou enfrentam a homofobia em suas cadeias de produção em países repressivos. Essa apropriação transforma a luta por direitos em uma vitrine de consumo, esvaziando seu caráter emancipatório e alinhando-se aos interesses capitalistas que priorizam lucro sobre justiça.

Oportunismo não é garantia de direitos

A lógica é simples: te vendem aceitação numa camiseta, mas te negam humanidade numa planilha. Durante o Mês do Orgulho, o capital se fantasia de aliado. Mas direitos que vêm embrulhados em campanha publicitária somem com a mesma velocidade com que foram estampados numa vitrine. Hoje apoiam a diversidade; amanhã é “não podemos nos posicionar sobre isso”. O apoio dura o tempo de um clique — e desaparece quando os acionistas começam a suar frio.

Direitos conquistados dentro da lógica do mercado não são estruturais: são concessões conjunturais, frágeis, reversíveis. Basta uma guinada conservadora, uma crise econômica, uma mudança no algoritmo para tudo retroceder. Não existe compromisso real com igualdade quando o objetivo é preservar margem de lucro. Oportunismo publicitário pode até pintar a fachada com arco-íris, mas continua construído sobre alicerces de exploração e exclusão.

Representação e imaginário são importantes

Há quem diga que o mundo ficou chato, que tudo agora é militância, que “estão enfiando gay em tudo”, “transformando personagens em pessoas pretas”, como se a presença de corpos historicamente apagados fosse uma violência contra a narrativa hegemônica. Mas a verdade é que o incômodo nunca foi com o excesso — é com a simples aparição. Porque o que sempre existiu — pessoas LGBTs, pessoas negras, periféricas — agora também quer existir fora da margem, fora do estereótipo, fora da humilhação. O que chamam de “lacração” é, na maioria das vezes, só alguém sendo tratado como ser humano com o mínimo de dignidade e, às vezes, com direito a voz. E se isso parece demais pra quem sempre teve o privilégio de ver só a si mesmo representado e que talvez não veja o mundo mais como mero espelho de si.

É claro que a crítica ao pinkwashing não se trata de desprezar ou deslegitimar os espaços de visibilidade conquistados. Em um mundo onde ser LGBTQIA+ ainda significa correr risco de morte em muitos lugares, a representação importa. Ver um corpo dissidente ocupar telas, vitrines e parlamentos pode significar alguma esperança ou até sobrevivência. Mas precisamos distinguir entre representação como conquista social e representação como mercadoria. O problema não é aparecer — é ser reduzido à aparência, a uma mercadoria fetichizada. Na lógica neoliberal, a inclusão não vem acompanhada de transformação estrutural: ela vem condicionada ao desempenho, à docilidade e ao consumo. Ser aceito, sim — desde que não questione, não confronte, não ultrapasse os limites da normalidade que o capital estipulou e, mesmo assim, como muitas ressalvas

Igualdade para além do consumo

O pinkwashing é uma farsa arco-íris que transforma a luta por dignidade em vitrine de consumo. Ele pinta de colorido o que, por dentro, continua sendo opressão: exploração de trabalho, apagamento de vozes dissidentes e alianças com regimes autoritários. De empresas que trocam logotipos por likes a Estados como Israel que desfilam diversidade enquanto bombardeiam populações ocupadas, a prática revela a hipocrisia estrutural do capitalismo. Não é apoio, é disfarce. Não é reconhecimento, é marketing.

Ao instrumentalizar a pauta LGBTQIA+, o capital tenta nos convencer de que a inclusão pode ser unicamente pelo consumo. É estar no feed da marca — mesmo que a fábrica onde costuraram aquela camiseta Pride explore travestis negras na periferia global. Mas não há emancipação possível onde a liberdade é medida pelo potencial de lucro. Toda vez que uma empresa diz “estamos com vocês”, a pergunta deve ser: com quem, exatamente? E até quando? A luta LGBTQIA+ não nasceu para caber em embalagens comemorativas. Ela nasceu do conflito, da rebeldia – como em Stonewall -, da recusa em aceitar o mundo como ele é. E é justamente por isso que o pinkwashing não basta: porque tenta domesticar o que é indomável. Nosso orgulho não cabe em logotipo, nem pode ser vendido em coleção limitada. Ele é político, radical e incompatível com qualquer sistema que use a nossa existência como verniz para seguir oprimindo. Por isso, a luta pela conquista dos direitos à comunidade LGBTQIA+ deve estar estreitamente ligada à luta pela derrubada do capitalismo, um sistema baseado na exploração do homem pelo homem.

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