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Estado Espanhol

Repressão durante os primeiros anos do franquismo

abril 28, 2025

Por: Iñaki Bayón – Corriente Roja

Este artigo faz parte da série O franquismo não morreu com Franco que publicamos ao longo de 2025 pelo 50º aniversário da morte do ditador.

Em nossa opinião, é essencial analisar o franquismo desde seus primórdios, quando estava livre de disfarces posteriores que foram consequência de imposições internas e externas “durante o último ano da guerra (mundial), o regime de Franco fez todos os esforços para se livrar de todos os vestígios aparentes do fascismo”.1 Portanto, uma análise séria não pode ser feita com base nas acomodações que foi realizando, como, por exemplo, o crescimento econômico dos últimos anos.

É verdade que com esse programa retrógrado, que negava a democracia, o liberalismo e a sociedade contemporânea, não teriam sido capazes de arrastar muito mais que os falangistas e carlistas, os democratas-cristãos e os republicanos conservadores. E esse fato torna muito difícil qualificar a ditadura como fascista, totalitária ou militar, embora sem dúvida tivesse características extraídas de todas.

Os líderes rebeldes acreditavam estar de posse da verdade absoluta e atribuíram um papel fundamental à repressão na construção do novo Estado. Essa repressão foi alimentada pela concepção da direita em geral, e da oligarquia rural e dos líderes da rebelião em particular, de que os inimigos da esquerda e os liberais pertenciam a uma raça inferior. Tal repressão tinha características modernas copiadas do estado fascista italiano e do nazismo alemão.

Desde o início da guerra, o terror franquista foi sistemático, determinado e administrado de cima, ao contrário do que aconteceu na zona republicana, onde as autoridades tentaram controlar e punir em todos os momentos. Esta afirmação é apoiada pelas próprias palavras dos líderes rebeldes.

Mola diria que “é preciso criar uma atmosfera de terror, é preciso deixar um sentimento de dominação eliminando sem escrúpulos ou hesitações quem não pensa como nós. Temos que causar uma grande impressão, qualquer um que seja aberta ou secretamente um defensor da Frente Popular deve ser fuzilado”.

Queipo del Llano, em suas locuções de rádio, lançava continuamente mensagens bárbaras para justificar as atrocidades, como as que coletamos abaixo:

  • 23 de julho de 1936 “Nossos bravos legionários e regulares mostraram aos covardes vermelhos o que significa ser homens de verdade. E ao mesmo tempo às suas mulheres. Isso é totalmente justificado porque esses comunistas e anarquistas pregam o amor livre. Agora, pelo menos, eles saberão o que são homens de verdade e não milicianos viados. Eles não serão poupados, não importa o quanto gritem e chutem.”
  • 25 de julho de 1936 Se algum efeminado, algum invertido, se dedicar a lançar mentiras alarmistas, não hesite em matá-lo como um cachorro, ou entregá-lo a mim instantaneamente.”
  • 29 de agosto de 1936 “Estive esperando até este momento por novas notícias do que aconteceu na frente de Talavera (…) Sei que  grandes quantidades de munição de artilharia e infantaria, dez caminhões e muitos outros materiais caíram em nossa posse, além de numerosos prisioneiros. Como os regulares ficarão felizes e como a Pasionaria está invejosa!”

A máquina de repressão com sua estratégia sistemática de extermínio físico continuou a funcionar no final da guerra. Nas palavras de Julián Casanova, tornou-se uma prioridade e, nas palavras de Paul Preston, Franco fez “o investimento no terror”4, “por essa razão, o estado de guerra declarado em 18 de julho de 1936 não foi suspenso até 1948”.3

Franco, em seu discurso de 19 de maio de 1939 durante o Desfile da Vitória, deixou nítidas suas intenções quando disse: “Não tenhamos ilusões: o espírito judeu que permitiu a aliança do grande capital com o marxismo, que tanto sabe sobre pactos com a revolução antiespanhola, não é extirpado em um dia e vibra nas profundezas de muitas consciências”.

E no discurso de fim de ano de 31 de dezembro de 1939, ele afirmaria: “Agora vocês entendem os motivos que levaram diferentes nações a combater e retirar de suas atividades aquelas raças em que a ganância e o interesse são o estigma que os caracteriza, já que sua predominância na sociedade é causa de perturbação e perigo para a realização de seu destino histórico. Nós, que pela graça de Deus e pela visão nítida dos Reis Católicos há séculos nos libertamos de um fardo tão pesado, não podemos ficar indiferentes a este novo florescimento de espírito ganancioso e egoísta, tão apegado aos bens terrenos, que com mais gosto sacrificam os filhos do que seus interesses obscuros”.

Os dados mais aceitos, mas não definitivos, levam a estimativas de 50.000 executados nos anos do pós-guerra, aos quais se somam as milhares de mortes em prisões e campos de concentração devido às terríveis condições de fome, frio, doenças… “Em 1944, um funcionário do Ministério da Justiça entregou a um correspondente da Associated Press uma folha de papel mostrando o número de presos políticos que deveriam ter sido executados desde o fim da guerra: 192.684. Esse número é um exagero, mas dá uma ideia da magnitude da repressão.”4

O perdão esperado dos vencedores aos que “não cometeram crimes”, comprado e defendido por Segismundo Casado e Julián Besteiro, nunca chegou. Com o fim do conflito, a violência espontânea continuou nos primeiros dias, principalmente implantada pelos falangistas, até que foi imposta a institucional, caracterizada pela farsa judicial sem garantias e pela denúncia em que os prefeitos, líderes da Falange, a Guarda Civil e a igreja desempenharam um papel fundamental. Julián Casanova afirma que “incriminar era simples, desculpar era perigoso”.

Além da eliminação física, a pilhagem dos bens dos vencidos foi normalizada com um decreto de setembro de 1937 e com a subsequente Lei de Responsabilidades Políticas de 9 de fevereiro de 1939.

O número de prisioneiros que foi considerado é de cerca de 270.000, mas os prisioneiros que aguardam julgamento e aqueles que estavam realizando trabalhos forçados foram excluídos desse número. Serve de exemplo para refletir a superlotação existente nas prisões, que na prisão de Ventas, com capacidade para 500 presos, havia 14.000.

Por fim, a pesquisa realizada por Javier Rodrigo calcula que 500.000 pessoas passaram pelos 180 campos de concentração franquistas, dos quais 102 estavam estáveis. Para reforçar o que foi dito acima sobre o fato de que a repressão tinha características modernas copiadas do fascismo e do nazismo, vale a pena refletir que o campo de concentração de Miranda de Ebro, o último a ser fechado em 1947, foi administrado por um tempo por Paul Winzer, um membro da SS. Neste campo, os combatentes da Segunda Guerra Mundial foram mantidos em condições de semi-escravidão. Embora o último campo de concentração tenha sido fechado em 1947, os campos de trabalho continuaram abertos até a década de 1960, onde o trabalho escravo foi concentrado e usado para reconstruir a infraestrutura em troca de uma redução nas sentenças

Queremos concluir com a reflexão que o historiador Josep Fontana fez em 1985, que em nossa opinião ainda é válida meio século após a morte do ditador.

“Nas avaliações que foram feitas por ocasião dos dez anos da morte do general Franco, parece-me que há uma tendência a julgar seu desempenho político pessoal e a considerar o que o regime franquista significou, olhando para as coisas desde 1975, o que pode levar a atribuir a um e ao outro todas as coisas positivas que aconteceram neste país desde 1939,  ao mesmo tempo, tende a nos mostrar a Espanha franquista com um aspecto menos sombrio do que o de seus primeiros anos. Tal procedimento tem, a meu ver, a séria desvantagem de nos oferecer como objeto de análise uma situação que não é simplesmente o resultado de quatro décadas de evolução autônoma, mas também – ou talvez seja melhor dizer: sobretudo – das mudanças que foram impostas ao regime a partir de dentro, pela pressão das lutas de massas que não puderam ser totalmente anuladas por seu aparato repressivo,  e, de fora, pela necessidade de negociar sua aceitação por parte dos vencedores da Segunda Guerra Mundial, que obviamente não eram aqueles em quem havia apostado.5

Imagem: Mulheres implorando aos soldados do lado franquista pela vida de seus parentes presos. Constantina (Sevilha), verão de 1936.


1 A Kindelán, La verdad de mis relaciones con Franco, pp 41-46, Ed Planeta, 1981 Barcelona.

2 SG Payne, Falange. História do Fascismo Espanhol, pp 233, Ed Sarpe, Madrid, 1985

3 P Preston, O Holocausto Espanhol, pp 615, Círculo de lectores, 2011.

4 SG Payne, Falange. História do Fascismo Espanhol, pp 235, Ed Sarpe, Madrid, 1985

5 J Fontana, España bajo el franquismo, pp 15, Ed Crítica, Barcelona, 1986.

Tradução: Lílian Enck

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