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Síria

Combates entre as forças de segurança e assadistas termina em massacres sectários na Síria

março 11, 2025

Por: Fábio Bosco |

No dia 6 de fevereiro, o grupo assadista autodenominado “Conselho Militar pela Libertação da Síria” iniciou uma ação militar coordenada contra as forças de segurança do governo provisório, executando 16 soldados, nas províncias litorâneas de Latakia e Tartous.

O governo provisório enviou reforços para reprimir os assadistas e várias milícias aliadas se juntaram a eles. Os combates intensificaram no dia 7, e degeneraram em uma sucessão de massacres sectários contra a população alauíta.

Segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos, “o número de mortos vem aumentando desde que as milícias entraram para dar suporte às forças de segurança e às formações do Ministério da Defesa. O número total de mortos até a noite de sábado chegou a 1.018 pessoas, incluindo 745 civis que foram liquidados e mortos a sangue frio em massacres sectários. Além destes, foram mortos 125 membros das Forças de Segurança do Ministério da Defesa e forças aliadas (incluindo pelo menos 93 sírios), e 148 homens armados dos remanescentes do antigo regime e seus partidários na costa.”

O diretor do Observatório, Rami Abdelrahman, afirmou que os massacres sectários foram cometidos tanto por forças de segurança como pelas milícias aliadas, em particular pela milícia al-Amshat “que desempenhou o maior papel na execução de massacres e operações de pilhagem na cidade de Jableh e seus arredores.” A milícia al-Amshat atua em conjunto com o chamado “Exército Nacional Sírio”, uma milícia ligada ao regime turco cujo foco é combater as “Forças de Defesa da Síria” (SDF), uma milícia liderada pelo partido curdo PYD, e apoiada pelos Estados Unidos.

O presidente interino, Ahmed al-Sharaa, procurou se distanciar dos massacres ao afirmar que todos que cometeram atrocidades contra civis serão responsabilizados.

Combater a contrarrevolução e punir as atrocidades

Os massacres de civis alauítas são contrários aos objetivos da revolução e devem ser punidos exemplarmente, através da prisão dos executores, estejam eles nas forças de defesa, ou nas milícias “aliadas”.

Ao mesmo tempo, as provocações armadas dos ex-oficiais assadistas tem que ser combatidas, e eles devem ser presos e julgados pelos crimes cometidos no passado e no presente.

As provocações do dia 6 foram lideradas por integrantes do alto oficialato da ditadura Assad, tais como o ex-general Gaith Dalah (integrante das forças especiais da Quarta Divisão liderada por Maher al-Assad) e Suheil al-Hassan, comandante das famigeradas Forças Tigre (Quwwat al-Nimr), treinadas pelas forças russas, ambos extensivamente envolvidos nas atrocidades do antigo regime contra a população.

O atraso na prisão de todo o alto oficialato da ditadura, e seu julgamento por crimes contra o povo sírio, abre espaço para a reorganização da contrarrevolução e suas provocações armadas.

Agressão israelense impõe outros desafios

“Tome nota: Não permitiremos que as forças do HTS ou o novo exército sírio entrem na área ao sul de Damasco. (…) Exigimos a desmilitarização total do sul da Síria das tropas do novo regime sírio nas províncias de Quneitra, Daraa e Sweida.”
Desta forma, o primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu anunciou no dia 23 de fevereiro sua intenção de impor a desmilitarização do sudoeste da Síria, área que as forças israelenses já ocupam parcialmente desde 1967.
Após o presidente interino Ahmed al-Sharaa condenar as ameaças e agressões militares israelenses no fechamento da Conferência Nacional de Diálogo no dia 25, Israel bombardeou 3 áreas no sul do país.
Estas agressões militares fazem parte do plano israelense de partição da Síria em três países, com a formação de um estado druso no sul e outro curdo no nordeste do país. Israel não tem forças para executar esse plano sozinho. Para isso pressiona Trump pela manutenção das tropas americanas na Síria, negocia com Putin a manutenção das duas bases militares na Síria e faz lobby na União Europeia pela manutenção das sanções contra a Síria.
A maioria da população drusa tem rejeitado o plano israelense. Isso não se dá por acaso. Em 1967, Israel tomou ilegalmente parte das colinas do Golã e procurou, ao longo de décadas, cooptar a população local síria, drusos em sua maioria, oferecendo a cidadania israelense. No entanto, apenas 6 mil, entre 29 mil habitantes sírios, a aceitaram e foram transformados em cidadãos israelenses de categoria inferior dentro da racista sociedade sionista, abaixo da população judia (que também está estratificada, tendo os judeus de origem europeia – ashquenazi – no topo, seguida dos judeus de origem sefardita, e depois dos judeus de origem africana). Além disso, eles devem se alistar nas forças armadas israelenses e participar de várias atrocidades contra o povo palestino e os povos árabes na região.
No entanto, Israel encontrou no partido curdo PYD um parceiro para o plano de partição da Síria. A vice-ministra de relações exteriores da AANES, Ilham Ahmed declarou que “Israel é parte da solução democrática”. O dirigente das SDF Mazloum Abdi, em entrevista à BBC, questionado sobre Israel, afirmou que “damos as boas-vindas a qualquer um no mundo que possa ajudar a apoiar nossos direitos e proteger nossas conquistas”, dizendo “deixe-me dar uma resposta geral. Damos as boas-vindas ao apoio de qualquer um.”
Desde o início da revolução síria em 2011, a política do PYD foi de “neutralidade”, trabalhando para que a população curda, que sempre viu Assad como seu inimigo, não se unisse à revolução. Essa política foi auxiliada pela posição do Conselho Nacional Sírio, que reunia as forças de oposição, de negar o direito dos curdos à autodeterminação.
Após a luta pela defesa de Kobani (Ayn al-Arab), o PYD se aliou ao imperialismo estadunidense sob o argumento de luta contra o Daesh (organização autodenominada Estado Islâmico). Essa aliança permitiu às milícias do SDF tomar um amplo território no nordeste da Síria, muito além dos territórios nos quais a população curda se constitui como maioria denominado de Rojava (Curdistão Ocidental). Hoje, as SDF controlam cerca de 27% do território sírio, incluindo boa parte da produção de petróleo, gás e energia elétrica do país.
Além disso, as SDF mantém 20 presídios nos quais estão presos 9.500 integrantes do Daesh (sem qualquer processo legal) e também 40 mil de seus familiares, mulheres e crianças em sua maioria, que não poderiam estar presos por crimes cometidos por seus maridos, pais e irmãos, de acordo com as normas de direitos humanos.
Infelizmente, o PYD e sua organização irmã o PKK abandonaram a luta por um Curdistão unificado e independente, e adotaram a defesa do “Confederalismo Democrático”. Na Síria, o Confederalismo Democrático nada mais é que uma gestão capitalista autoritária, que reprime as dissidências, e que se alia ao imperialismo estadunidense, um inimigo dos povos árabes em sua luta por autodeterminação.
O imperialismo americano tem sua própria agenda e demonstrou isso quando rejeitou a decisão do povo curdo iraquiano de independência. E a qualquer momento, Trump pode fazer um acordo com Erdogan e trair os curdos na Síria, tal qual fez com os ucranianos ao aliar-se com Putin. Israel também tem sua própria agenda, focada em promover a limpeza étnica do povo palestino e em roubar as terras árabes. Nenhum deles é aliado estratégico do povo curdo.
Agora uma oportunidade se apresenta: trocar as alianças com os poderosos pela aliança com os povos oprimidos, e lutar junto com os trabalhadores árabes, turco e iraniano, pelos direitos democráticos e sociais em cada país e, ao mesmo tempo, pelo seu direito de autodeterminação.

Economia: privatização ou planificação?

As condições de vida continuam muito difíceis. Os preços dos alimentos, exceto o pão, baixaram e as residências têm em média 2 horas de energia elétrica por dia. Um terço das residências estão destruídas, assim como metade das escolas e hospitais. A produção de petróleo baixou de 400 mil barris (2011) para 50 mil barris por dia, permanecendo boa parte sob o controle da milícia SDF.
O governo provisório apostou na aproximação com as potências imperialistas e regionais para atrair investimentos em infraestrutura e ajuda humanitária.
Os resultados são modestos. As pesadas sanções americanas impedem as investimentos externos e transações econômicas com o resto do mundo. E o governo Trump suspendeu algumas sanções por seis meses para permitir o envio de ajuda humanitária, mas manteve todas as demais. Os países europeus devem suspender as sanções, pois sua maior preocupação é criar as condições para deportar refugiados sírios.
Para piorar, o governo está aplicando o receituário neoliberal. Eliminou o subsídio ao pão, elevando o preço em 700% (8 vezes). E já demitiu ou suspendeu cerca de 250 mil funcionários públicos de um total de 1,3 milhão de trabalhadores. O ministro de desenvolvimento administrativo Mohammad Al-Skaf afirma que são necessários apenas cerca de 600 mil funcionários públicos, sinalizando mais demissões. Os salários são baixos. Muitos ganham apenas USD 30 por mês. E o ministro da economia Basil Abdul Hanan anunciou que serão privatizadas 107 empresas industriais estatais, e apenas serão mantidas as empresas estratégicas do setor de energia e infraestrutura de transportes.
Uma aliança de sindicatos e grupos de trabalhadores está realizando protestos todo sábado de manhã em seis cidades sírias. Eles defendem a reversão das demissões e se opõem às privatizações. Eles se propõem a formar comissões paritárias com o governo para averiguar se há funcionários fantasmas. Até o momento, o governo provisório não se dispôs a abrir negociações com os trabalhadores.
Para atender as necessidades básicas da classe trabalhadora e do povo pobre, é necessário um plano de obras públicas para gerar alimentos baratos e retomar a produção de trigo. A Síria era autossuficiente na produção de trigo, e também exportava trigo de alta qualidade. A ajuda humanitária tem que passar por uma transição de alimentos para os insumos e maquinário necessário para promover a autossuficiência alimentar.
A ampliação da produção de energia não pode ser colocada nas mãos dos “mercados” que, além de se limitar a produzir o que é lucrativo, depende do fim das sanções estadunidenses, que talvez nunca ocorram. É preciso um plano de obras públicas para gerar energia, seja de combustíveis fósseis ou de fontes renováveis. Esta é também a situação da reconstrução dos bairros e vilas destruídas.

Assembléia Constituinte e Poder dos Trabalhadores

O presidente interino Ahmed al-Sharaa se limitou a convocar uma conferência com líderes de milícias em 29 de janeiro, e a Conferência Nacional de Diálogo em 24 e 25 de fevereiro para chancelar sua permanência à frente do governo e suas políticas. Ele não incorporou setores mais amplos da oposição síria e governa apenas com seus aliados. Isso não é democrático.
É necessário convocar eleições livres para uma assembleia constituinte para decidir a nova constituição do país. Para isso, todos os partidos políticos não-assadistas devem ser legalizados.
Além disso, é necessário formar assembleias populares nos bairros e nas vilas para discutir e decidir as políticas locais. A população das cidades do sul devem discutir um plano de autodefesa para impedir que Israel tome as cidades.
Um partido revolucionário de trabalhadores e trabalhadoras deve ser construído para defender as alternativas de interesse operário e popular rumo a um governo dos trabalhadores.

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