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África do Sul

África do Sul | Trabalhadores encarcerados dentro de um mina. 78 mortos

janeiro 31, 2025

Por: Cesar Neto |

Garimpeiros artesanais chamados de zama zama foram castigados com o encarceramento, sem água e sem alimentos, durante vários meses,  dentro de uma mina desativada. 78 morreram e 248 foram encontrados desnutridos, desidratados e com confusões mentais. A responsabilidade do governo sul africano do CNA, COSATO e Partido Comunista ficam evidentes. Esta é a segunda matança de operários desde o fim do apartheid. Em 2012,  34 mineiros foram assassinados em Marikhana. 

As minas deixam de ser rentáveis e o grande capital abandona o local

A África do Sul com mais de um século de tradição de exploração mineira tem mais de 6.000 minas desativadas. As grandes empresas exploram até que sejam rentáveis e quando perdem a rentabilidade as empresas procuram outro lugar e recomeçam.  Essas empresas já desde antes, desde os tempos do apartheid e no pós apartheid gozam de total impunidade. Abandonam as minas abertas, não removem as montanhas de entulho e muito menos tem a obrigação de recuperar o meio ambiente.

Quando as empresas mineradoras vão embora deixam vilas e pequenas cidades com milhares de desempregados e sem condições de subsistência. Esses trabalhadores voltam às minas e buscam garimpar ouro de forma artesanal e o quase nada que retiram é a subsistência de suas famílias. Os zama zama são mais de 100 mil no país.

Grande capital e o governo do CNA, COSATO e Partido Comunista contra os garimpeiros

Frente à crise da dívida, em 1993, o Banco Mundial impôs uma orientação a todos os países africanos através do documento Strategy for Minners in Africa[1]. Esse documento impôs diversas condições aos países, entre elas o fim das empresas estatais de mineração e controle da exploração artesanal.

Nos país existem 100 mil zama zama e eles com sua produção somada  tem poder de extrair algumas toneladas de ouro e mesmo tendo desigualdade de produção com a mineração mecanizada. “O governo diz que a mineração ilegal custou à economia da África do Sul US$ 3,2 bilhões (£ 2,6 bilhões) somente em 2024”[2]. Assim, Ramaphosa ex-executivo da empresa London Miners, se juntou com as grandes empresas para acabar com os zama zama

Governo Ramaphosa e ultra direita contra os imigrantes e refugiados

A África do Sul tem uma política extremamente cruel com os imigrantes e refugiados. A tentativa de Trump de impedir que uma criança nascida nos EUA tenha a nacionalidade americana, já é uma realidade há décadas na África do Sul. Um casal composto por um imigrante e um nacional, a criança que daí nascer não terá a nacionalidade sul africana. Mesmo assim a ultra direita faz campanha contra a presença dos imigrantes e refugiados, através da Operação Dudula na qual os imigrantes e refugiados são agredidos nas ruas, seus negócios incendiados e toda sorte de violência com o objetivo de expulsá-los.

Entre os 100 mil zama zama a grande maioria é de Moçambique, Lesoto, Malawi, Zimbabué e outros países africanos. Então o castigo é também a expressão da capitulação de Ramaphosa a extrema direita.

O governo resolve fechar as minas e expulsar os zama zama

A mina de ouro Stilfontein encerrou suas atividades em 2013. Em agosto de 2024 o governo iniciou a Operação Vala Umgodi (que significa “fechar o buraco” em isiZulu) na mina de Stilfontein. Porém no interior da mina havia entre mil e dois zama zama e a tática de expulsão foi deixá-los sem água e sem comida. O acesso a mina era feito de forma improvisada através de roldanas que foram bloqueadas pela polícia e assim ninguém podia entrar ou sair.

A mina está a 2.000 metros  de profundidade. No seu interior tem um  mercado improvisado para venda de comida e outras utilidades, além de um sistema de quartos para dormir. Em geral, os garimpeiros descem e ficam de dois a três meses lá em baixo no escuro fazendo o trabalho de garimpo.

A única possibilidade de fuga seria através da conexão de dois poços. O trajeto dura em média sete dias rastejando no subsolo nos túneis escuros, estreitos e inundados. Muitos  mineiros morreram no caminho por causa de desmoronamento ou por afogamento nessas áreas inundadas[3].

“É mentira que as pessoas não queriam sair. Essas pessoas estavam desesperadas por ajuda, estavam morrendo.”[4]

Em novembro a polícia permitiu que mais de mil saíssem de dentro da minas. Todos foram presos, interrogados e responderão a processos. Um grupo, majoritariamente estrangeiros sem papéis resolveu resistir dentro da mina para não serem presos e deportados.

Assim ficaram até 15 de janeiro de 2025 e começaram a  serem resgatados por ordem Judicial depois de uma campanha nacional que tinha como slogan “ Stilfontein a próxima Marikhana”, em referência ao assassinato de 34 mineiros em 2012. A campanha nacional contou com o incentivo do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Gerais da África do Sul (GEWUSA) liderados por Mametlwe Sibei. Mametlwe é um combativo dirigente sindical trotskysta. Aliás se fosse estalinista estaria no governo apoiando o massacre.

O resgate e a solidariedade operária

Para o resgate foi contratada uma empresa especializada nesse tipo de evento, porém nenhum resgatista ou policial aceitou descer no fundo da mina. Dois moradores de Khuma, uma vila de garimpeiros aceitaram descer. Eles já estavam há meses lutando para que as pessoas fossem resgatas. Assim, o ex-mineiro Mandla Carles e Mzwadile Mkwayi que cumpriu sete anos de prisão por roubo, solidariamente arriscaram suas vidas para salvar seus vizinhos. 

Os relatos de Mandla e Mkwayi sobre o encontro dos 78 mortos e 248 sobreviventes são brutais:

“O cheiro da morte estava em todo lugar.  Aqueles corpos realmente cheiravam mal”.

“Eu me senti muito fraco quando os vi, foi uma coisa dolorosa de ver. Mas Mandla e eu decidimos que precisávamos ser fortes e não mostrar a eles como nos sentíamos para que pudéssemos motivá-los.”

“… os mineiros,  me disseram que alguns deles tiveram que comer outras [pessoas] dentro da mina porque não havia como encontrar comida. E eles também estavam comendo baratas”,

“Eles estavam muito desidratados e tinham perdido peso, então conseguimos colocar mais pessoas na gaiola, porque eles não teriam sobrevivido mais dois dias no buraco. Eles estariam mortos se não os tirássemos o mais rápido possível.”

Mkwayi diz que os homens que ele resgatou eram tão frágeis que a gaiola de resgate, que deveria transportar apenas sete adultos saudáveis, conseguiu levar 13 deles”

O exemplo de solidariedade de Mandla e Mkway mostra uma vez mais que só a classe trabalhadora pode salvar a própria classe trabalhadora.

A vanguarda lutadora mundial deve repudiar o CNA, COSATU e o Partido Comunista

Depois de trinta anos no poder o Congresso Nacional Africano (CNA), Congresso Sul-Africano de Sindicatos (COSATU) e o Partido Comunista Sul-Africano (SACP),praticaram inúmeras traições contra os trabalhadores que devem ser repudiadas pela vanguarda lutadora mundial.  Vejamos algumas delas:

  1. Abertura total da economia para importações. Como consequência quebrou o parque industrial do país, fechou fábricas e gerou o enorme desemprego que existe hoje. Esta política foi no início do Governo Mandela, aliás a mesma política dos neoliberais Menen e Collor, na Argentina e Brasil respectivamente;
  2. Reforma da Previdência restringindo a concessão de aposentadorias e redução do valor dos benefícios e assim pagar a dívida externa;
  3. Reforma Trabalhista que retirou inúmeras conquistas dos trabalhadores e jogou a maioria da classe trabalhadora na total informalidade.
  4. Assassinato de 34 trabalhadores mineiros que estavam em greve na região de Marikhana. O atual presidente Cyril Ramaphosa, a época diretor do London Miners, foi responsabilizado pela ordem à repressão.
  5. Em 2021 no auge da pandemia motivados pela paralisação da economia ocorreu uma onda de saques em KwaZulu-Natal e Gauteng, 300 pessoas foram mortas. O Partido Comunista como parte do governo tripartite ignorou a desespero da população, tratou os saques como “atos de criminalidade e sabotagem econômica como parte de uma contrarrevolução bem coordenada” e defendeu mais repressão.[5]
  6. No atual caso de Stilfontein não há dúvidas da responsabilidade do governo basta ver as declarações de seus ministros.  A Ministra de Governo,  Khumbudzo Ntshavheni, disse durante uma coletiva de imprensa que os zama zama sairiam de qualquer maneira e que o governo iria “expulsá-los com fumaça;” isto é, com gases. O Ministro de Mineração Gwede Mantashe, após a operação de resgate  não se desculpou. Ele disse que o governo intensificaria a luta contra a mineração ilegal, que ele rotulou como um crime e um “ataque à economia”.
Nesta fase do capitalismo imperialista em decadência é Socialismo ou Barbárie

Temos visto bombardeios na Ucrânia e em Gaza. Na África a mesma tragédia acontece no Sudão e agora no Rep. Democrática do Congo. Nos Estados Unidos estamos assistindo a ultra direita expulsar trabalhadores imigrantes e nenhum caso de expulsão de mafiosos estrangeiros instalados no país.

Nesta fase do capitalismo há uma guerra declarada contra a pobreza em proveito das indústrias de armas, da mineração e do capital financeiro. Rosa Luxemburgo tinha razão: agora é socialismo ou barbárie.

A luta contra a barbárie exige novas organizações sindicais e políticas que identifiquem e lutem contra governos como Putin, Netanyahu, Burham-Hemedti, Paul Kagame, Trump e Ramaphosa como  inimigos a serem derrotados.


[1] The International Bank for Reconstruction and Development/ The World Bank . Strategy for African Mining – Washington/DC – 1993.

[2] Trapped underground with decaying bodies, miners faced a dark reality – https://www.bbc.com/news/articles/c62qqg0zj6yo

[3] Stilfontein mining tragedy sparks calls for inquiry – https://www.moneyweb.co.za/moneyweb-podcasts/moneyweb-midday/stilfontein-mining-tragedy-sparks-calls-for-inquiry/

[4] Trapped underground with decaying bodies, miners faced a dark reality – https://www.bbc.com/news/articles/c62qqg0zj6yo

[5] Retaking the Path of Struggle, Against the ANC and the CP – https://litci.org/en/against-anc-cp/

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