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Equador

República das Bananas: reprimarização econômica, boom megamineiro e Narcoestado

julho 17, 2024

Publicamos este artigo da Revista Crisis de 09 de julho último. Crisis é uma revista digital que nasceu com o objetivo de apresentar uma nova referência de esquerda no Equador. Com esta publicação concretizamos uma colaboração entre os dois meios de comunicação, através do intercâmbio de artigos.

Ao final da primeira metade de 2024, nos encontramos em um novo ciclo de reprimarização da economia, com o Equador sendo o maior exportador de banana, metais e cocaína da região. A burguesia conseguiu um triunfo momentâneo com o aumento do preço da gasolina, precisamente dois anos após à Paralização Popular Plurinacional de Junho de 2022.

A implementação da doutrina do choque com a declaração do CAI (Conflito Armado Interno) serviu de desculpa para essa medida e o aumento do IVA para 15%. A intensificação do neoliberalismo e do Narcoestado configura perfeitamente o campo para o autoritarismo exercido em sua máxima expressão, com um estado de exceção permanente, modificações no Direito, na produção e nos aparatos ideológicos do Estado – os sentidos.

Junto com o anúncio do aumento de preços das gasolinas extra e ecopaís, o governo também anunciou que o Equador deixaria de refinar petróleo gradualmente, para voltar a ser um país produtor que importa derivados, beneficiando as elites vinculadas à importação de hidrocarbonetos. Esta medida coincide também com o anúncio da importação de barcaças geradoras de energia elétrica à base de queima de combustível, um sistema arcaico e certamente obsoleto de geração de eletricidade. Certamente estamos enfrentando uma regressão tecnológica, ecológica e econômica sem precedentes. O Equador voltou aos anos 80 ou 90 do século passado.

Enquanto isso, a reprimarização da economia toma formas relevantes quanto à institucionalização do Narcoestado. Em 5 de julho passado, ocorreu a maior apreensão de 2024, onde foram encontradas 6 toneladas de cocaína em caixas de banana prontas para exportação. No que vai do ano, foram apreendidas pelo menos 150 toneladas de “ouro branco”, que inundam os mercados da Europa e dos Estados Unidos. Não é coincidência que a cocaína chegue ao seu destino junto com o produto estrela do presidente fazendeiro: a banana. Noboa tem razão quando diz que os partidos políticos do país estão envolvidos no narcotráfico, ele está sendo autorreferencial e descrevendo a aliança interburguesa mais prolífica de toda a história do país: o Narcoestado.

A burguesia lumpenizada incrustada no poder político, além de contribuir para o sonho imperialista de instituir o crime organizado na política nacional, demonstrou uma submissão absoluta ao imperialismo financeiro representado pelo FMI. Em troca de um pouco mais de dívida, o Equador eliminou os subsídios à gasolina, além de elevar o IVA para 15%, enquanto as próprias projeções do organismo creditício multilateral preveem apenas 0,1% de crescimento anual para o Equador em 2024. Nossa lumpenburguesia leiloa o país destruindo nossa capacidade produtiva ao aprovar acordos de livre comércio com a China, permitindo que produtos agrícolas externos inundem o mercado local, destruindo nossos pequenos e médios produtores, além de encarecer os insumos para a produção agrícola sem nenhum tipo de regulação do mercado.

Por outro lado, as três empresas mais rentáveis do país em 2023 estão vinculadas ao extrativismo. Estas foram Aurelian Ecuador, o segundo projeto de mineração de prata e ouro em grande escala, que declarou lucros de 201 milhões. A empresa de prestação de serviços petrolíferos Shaya Ecuador, que declarou lucros de 203 milhões de dólares, e Ecuacorriente com lucros de 354 milhões. Esta empresa chinesa está a cargo do Projeto Mirador, a maior mina de cobre a céu aberto do país e da região, sendo uma das 20 maiores minas de cobre do mundo. Isso nos dá uma pista de por que é tão importante para a burguesia nacional impulsionar a exploração mineradora no país, às custas do atropelo de povos e nacionalidades, legítimos donos dos territórios onde estão sendo impulsionados esses grandes projetos megamineiros e petrolíferos. Nesse sentido, também podemos encontrar articulações entre o crime organizado, a burguesia nacional e transnacional, e o Estado. O controle da organização popular por parte de paramilitares protegidos pelas forças da ordem não é novidade. Isso acontece na Colômbia e no México há décadas, e no Equador também, especialmente nas fazendas bananeiras do Grupo Noboa. Lembremos de Eduardo Mendúa – secretário de relações internacionais da CONAIE – e toda sua família, que foram perseguidos e assassinados pelo crime organizado vinculado à exploração petrolífera em Sucumbíos.

Lembremos também que em Palo Quemado e Las Pampas tentou-se impor um processo de consulta ambiental, que de forma alguma representou o exercício do direito à consulta prévia, livre e informada que está plasmado na Constituição da República, com resguardo militar e pressões do crime organizado no território. Da mesma forma, os aparatos do Estado não demoraram em reprimir com brutalidade – amparados na figura do estado de exceção – os povos que decidiram exercer seu direito à resistência – art. 98 da constituição. Em sintonia, a Procuradoria tem mais de 70 comunheiros e comunheiras impugnados pelo delito de terrorismo, cuja pena foi duplicada esta semana de 10-13 anos de prisão para 14 a 22 anos – em sua versão mais leve.

No mesmo dia em que a Assembleia Nacional aprovava o aumento das penas para os delitos de crime organizado, narcotráfico e terrorismo, o advogado da Atico Mining, Francisco Guerrero, apresentou um novo processo judicial contra 49 camponeses, dos quais 11 são demandantes e testemunhas no caso de Palo Quemado e Las Pampas. Sim, no capitalismo o Estado é a junta de interesses da burguesia. A demanda imposta pela empresa mineradora em conluio com o Estado denota um permanente assédio e perseguição política contra a organização popular. O novo processo interposto pela empresa privada contra o povo de Sigchos se dá pelo suposto delito de delinquência organizada. A pressão contra a organização popular e os povos aumenta dia a dia.

Essas modificações no Direito são precisamente as que Noboa busca ao perpetuar o estado de exceção e a doutrina do choque. Enquanto a suposta luta contra o crime organizado e o terrorismo continua sendo a velha confiável do governo bananeiro, os escândalos de militares e policiais envolvidos em tráfico de armas, entorpecentes, sequestros e extorsões são o pão de cada dia. Lembremos também das toneladas de cocaína apreendidas em bananas e das narcofarras. É realmente lamentável que o projeto de país da burguesia nacional se limite a impor o Narcoestado e a reprimarizar a economia. Quão incrivelmente deplorável é a classe empresarial do Equador.

Segundo o Observatório Equatoriano do Crime Organizado (OECO), 2023 fechou com um total de 8004 mortes violentas em território nacional, tornando o Equador o país mais violento da América Latina, com uma taxa de 47,25 mortes violentas por cada cem mil habitantes. Em um ano, os homicídios aumentaram 65,92%, entre 2022 e 2023. Em definitivo, a cortina de fumaça chamada Plano Fênix é uma falácia imposta pela burguesia no poder. Sabemos que os níveis de criminalidade só se reduzirão eliminando as desigualdades no país. Graças ao Narcoestado imposto pela classe empresarial – incluindo o presidente bananeiro Noboa e o oligarca banqueiro Lasso – em apenas quatro anos (2019-2023), as mortes violentas no Equador aumentaram 574,30%.

Por outro lado, a construção da nova prisão de Noboa se desmorona, com graves questionamentos e irregularidades. Este caso demonstrou que o modus operandi do presidente bananeiro é o mesmo: usando mais uma vez a força e a ameaça de uso da força para criar uma consulta maniqueísta com presença militar e portas fechadas. O território onde se pretende construir a prisão de segurança máxima, que deverá ter 5 pavilhões e abrigar 800 presos, pretende ser construída no território da comuna huancavilca de Bajada de Chanduy, que também abriga uma floresta protegida. Os moradores denunciaram pressões do Estado para dar luz verde à construção da prisão, incluindo perseguições e intimidações.

Após 7 meses de governo bananeiro, fica demonstrado de forma definitiva que Noboa está à frente do Estado apenas para beneficiar sua fração de classe, enriquecendo os seus, favorecendo a evasão fiscal, condenando a classe trabalhadora à miséria e violência, e utilizando as forças repressivas do Estado como seus cães de guarda pagos. Isso demonstra que para Daniel Noboa, o Equador é uma grande fazenda. A única opção e resposta possível: a organização popular anticapitalista.

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