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Crise climática e ambiental

Greve Mundial pelo Clima| A ciência alerta: o capitalismo está levando ao colapso ambiental

março 19, 2021

Neste dia 19 de março ocorre a Greve Mundial pelo Clima. Há mais de um ano, a pandemia assola o planeta e nos oferece uma pequena amostra grátis da catástrofe ambiental provocada pelo capitalismo. Afinal, demonstrou que a devastação dos ambientes naturais permite o escape de vírus da natureza e seu alastramento por um mundo cada vez mais urbanizado e que funciona como um único organismo econômico com suas redes de fluxo de mercadorias e comunicação interligando todo o globo.

Por: Jeferson Choma, do Opinião Socialista

Não pense que essa será nossa última pandemia. Muitas outras virão, talvez ainda mais mortíferas. O aquecimento global, suas consequências nos sistemas ecológicos, a acelerada destruição de florestas tropicais, a exploração em escala inaudita da natureza e incapacidade imanente do capitalismo em resolver a crise ambiental que o próprio sistema produziu vão conduzir a humanidade a um futuro infausto. E mesmo assim se costuma mais acreditar no fim do mundo do que na possibilidade de superação do capitalismo.

Os alertas da ciência

O vislumbre do que nos espera está em inúmeras pesquisas científicas realizadas mundo afora e também nos modelos climáticos apresentados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas.

Utilizando um conjunto desses dados científicos[1], o IPCC demonstrou que a temperatura média da superfície do planeta subiu cerca de 1º C desde o século XIX, em 1880, sendo que a maior parte do aquecimento ocorreu no final da década de 1970. O maior e mais rápido aumento da temperatura global em mais de 800 mil anos, segundo amostras de gelo coletadas na Groenlândia. Em 2020, um estudo mostrou que temperatura média dos oceanos subiu 450% nas últimas seis décadas, Também aponta que a elevação da temperatura é cada vez mais acelerada.

Usando computadores, o IPCC faz simulação de quatro diferentes cenários sobre os efeitos das mudanças climáticas possíveis de acontecer até 2100. São os chamados “Representative Concentration Pathways” (RCPs), ou a trajetória de concentração de gases de efeito estufa.

De acordo com eles, se muito pouco ou nada for feito e as emissões de CO2 continuarem a crescer, a projeção do IPCC é que a superfície da Terra pode aquecer entre 2,6 °C e 4,8 °C ao longo deste século, fazendo com que o nível dos oceanos aumente entre 45 e 82 centímetros, o que seria uma catástrofe total. Liquidaria as cidades costeiras existentes, modificaria radicalmente o clima, desertificaria a Amazônia e promoveria a maior extinção de organismos vivos em milênios.

Os cientistas do IPCC alertam que limitar o aquecimento global entre 1,5 ºC e 2 ºC seria o caminho mais racional. Mas para isso é preciso diminuir as emissões de gases-estufa em 45% até 2030 e chegar a zero em torno de 2050.

Mas essa projeção apenas seria possível caso haja uma substituição da matriz energética mundial, diminuindo consideravelmente a emissão de CO2 de modo que chegasse a zero em 2100, aliada a grandes programas de reflorestamentos para sequestro de carbono e acordos climáticos rigorosos que garantam efetivamente o cumprimento das metas. Tal saída seria racional. Mas o capitalismo não é racional. Estamos em 2021 e nem sequer um, apenas um município em todo o planeta, começou a implementar esse tipo de medida.

Um novo mundo apocalíptico

Finalizado em 2014, o Quinto Relatório de Avaliação do IPCC das Nações Unidas apresenta projeções de como será o novo mundo afetado pelas mudanças do clima. Algumas de suas conclusões foram: o aumento da temperatura global da superfície até o final do século XXI pode exceder os 1,5 ° C em relação ao período de 1850 a 1900 e, para a maioria dos cenários, é provável que exceda 2 °C. Assim, o ciclo da água mudará em todo o planeta, com aumentos na disparidade entre as regiões úmidas e secas, bem como as estações úmidas e secas. Os oceanos continuarão a aquecer, afetando os padrões de circulação. A cobertura de gelo do Mar Ártico continuará diminuindo, e o nível do mar continuará a se elevar a uma taxa superior às das últimas quatro décadas; o aumento da absorção pelos oceanos ampliará a acidificação dos oceanos, comprometendo a fauna marinha. Por fim, conclui que a temperatura do planeta continuará a subir em razão do CO2 acumulado, o que significa que as mudanças climáticas continuarão mesmo se as emissões forem interrompidas. Mesmo que o capitalismo seja superado, o aquecimento global será sua herança por séculos.

Essas projeções têm como base o mundo real observado. Mas em poucos anos algumas delas já são constatadas e medidas em várias partes do planeta, por meio do aumento da frequência e intensidade de fenômenos climáticos. Entre elas, as elevadas ondas de calor mundo afora.

A última década demonstrou que as ondas de calor já estão cada fez mais frequentes e podem ser constatadas no aumento de incêndios florestais pelo mundo, como no Alasca e Indonésia, em 2015; no Canadá, Califórnia e Espanha, em 2016; no Chile e Portugal, em 2017; na Austrália e Sibéria, em 2019; no Pantanal, Amazônia e, novamente, na Califórnia, em 2020. Com base nos 18 anos de dados sobre incêndios florestais globais da Nasa e do Sistema Copernicus, da União Europeia, concluiu-se que os que ocorreram na Austrália, no Ártico siberiano, na costa oeste dos Estados Unidos e no Pantanal brasileiro foram os maiores de todos os tempos. Na costa oeste dos EUA, grandes incêndios florestais têm ocorrido quase cinco vezes com mais frequência atualmente do que nos anos 1970 e 1980.

O relatório do IPCC ainda explana sobre ondas mortais de calor que se tornarão mais constantes e vão afetar os solos e as águas, inviabilizando o cultivo agrícola em vastas regiões tropicais, além de provocar imensas ondas de refugiados climáticos. A ONU estima que mais de 250 milhões de pessoas serão levadas a se deslocar no curso deste século, em razão das mudanças no clima.

Nesse caso, a Indonésia, as Filipinas, o norte e nordeste do Brasil, a Venezuela, o Sri Lanka, o sul da Índia, a Nigéria, a maior parte da África Ocidental e o norte da Austrália enfrentarão mais de 300 dias de ondas de calor potencialmente letais todos os anos. Isso significa que nessas regiões a agricultura e as atividades econômicas seriam impraticáveis, e gradativamente se tornarão desabitadas.

Gráfico do IPCC que apresenta dois cenários sobre o aquecimento global. Em azul o cenário mais positivo de estabilidade climática, caso mudanças radiais sejam feitas nessa década na substituição da matriz energética. Em vermelho o cenário mais pessimista indica uma elevação da temperatura em quase 6 graus Celsius até 2100, caso nada seja feito

Ver para crer?

Em tempos de negacionismo científico, muitos são, no mínimo, reticentes aos alertas do IPCC. Se a questão é ver para crer, não temos problemas. As evidências também estão ao alcance dos olhos, ou mais precisamente, das imagens feitas por satélites que orbitam a Terra e permitem uma visão global das suas consequências, ao reunir um conjunto de dados durante muitos anos que revelam os sinais concretos de um clima em transformação. É do espaço, por exemplo, que medimos as grandes extensões de geleiras recuando em quase todo o mundo, incluindo os Alpes, o Himalaia, os Andes, as Montanhas Rochosas, o Alasca e a África. É possível saber que desde meados da década de 1970, a massa das geleiras teve uma perda acelerada de gelo. O processo é acelerado. A cada década, a taxa quase duplicava em relação às da década anterior, diminuindo as áreas de superfície da geleira.

Gráfico do IPCC que apresenta 4 cenários sobre o aquecimento global e suas consequência na elevação dos oceanos ( eixo vertical). O RCP 2.6 é o cenário mais otimista. O RCP 8.5 representa projeção sobre o futuro caso se mantenhas as atuais emissões de CO2.

Dados do programa Gravity Recovery and Climate Experiment da Nasa mostram que a Groenlândia perdeu uma média de 286 bilhões de toneladas de gelo por ano entre 1993 e 2016, enquanto a Antártica perdeu aproximadamente 127 bilhões de toneladas no mesmo período.

O clima mais quente nos próximos anos pode liberar uma parte significativa do carbono aprisionado no permafrost do Ártico, potencializando o aquecimento e seus efeitos sobre todo o planeta. Recentemente pesquisadores inferiram que, para cada aumento de um grau Celsius na temperatura média da Terra, o permafrost possa liberar o equivalente a quatro a seis anos de emissões de carvão, petróleo e gás natural[2].

O permafrost é um tipo de solo encontrado no norte da Rússia e no Canadá, constituído por matéria orgânica permanentemente congelada. É uma bomba relógio climática. O descongelamento do solo provoca a rápida decomposição da matéria orgânica e a emissão de gás metano e dióxido de carbono. Estima-se que o permafrost contém até 1,6 mil gigatoneladas de carbono. Só para efeito de comparação, estima-se que a atmosfera contém 720 bilhões de toneladas de CO2.

O grande problema é que o permafrost está derretendo cada vez mais rápido. O resultado é a formação de imensas crateras de onde saem exemplares fósseis da megafauna do pleistoceno[3]. Há várias cidades do extremo norte da Rússia cujo solo está liquefazendo, provocando desmoronamento de edificações, estradas etc., em razão ao rápido degelo do solo[4].

Cratera provocada pelo descongelamento do permafrost na Rússia.

s oceanos são o maior sumidouro de carbono, absorvendo 25% do CO2 da atmosfera. Por isso, o aumento das emissões tem provocado um processo de acidificação. Estima-se que a acidez das águas superficiais dos oceanos aumentou mais de 30% em relação aos níveis pré-industriais. E se as emissões de CO2 continuarem nos níveis atuais, a previsão é que aumente em 170% até 2100. Esse processo afeta a produção do plancton marinho, base de toda cadeia trófica dos oceanos. O fim do plancton é o fim da vida marinha.

Já há uma estimativa de que o número de peixes ao redor do mundo foi reduzido em 4% desde 1930. Em algumas regiões, como no Mar do Japão e no Mar do Norte, a redução foi de 35% [5]. A redução da disponibilidade de peixes vai afetar quase a metade da humanidade. Estima-se que hoje pelo menos 3 bilhões de pessoas têm o peixe como principal fonte de proteína.

A queima de combustíveis fósseis e, principalmente, a agricultura também romperam com o ciclo natural do nitrogênio. E uma maior quantidade de nitrogênio acaba contribuindo indiretamente para emissão de gases-estufa. O desmedido uso de fertilizantes químicos liberou nitrogênio reativo na atmosfera, sob a forma de óxido nítrico (NO) e dióxido de nitrogênio (NO2). Entre 1970 até meados da década de 1990, a produção de nitrogênio reativo para fertilizantes ou como subproduto da combustão de combustíveis dobrou, passando de cerca de 70 milhões para 140 milhões de toneladas/ano. Desse modo, a produção de nitrogênio reativo é maior do que a capacidade de absorção pelo planeta por meio do seu ciclo natural, que é da ordem de 130 milhões de toneladas/ano[6].

No mundo capitalista nenhum acordo climático deu certo, nem poderá dar. Todos naufragaram, a despeito dos dados que se avolumam. Enquanto isso, a ciência caminha de olhos abertos perante a evolução da catástrofe climática.

Talvez a trágica história de Cassandra da mitologia grega seja apropriada para descrever os constantes, pertinentes e incômodos alertas científicos. Na mitologia, a profetisa se recusou a dormir com Apolo e, por vingança dele, foi amaldiçoada: teria o dom de ver o futuro, mas ninguém jamais acreditaria nas suas profecias. Cassandra previu a queda de Troia e todos zombaram dela.

A saída é o fim do capitalismo

A luta em defesa da água, dos solos e dos sistemas ecológicos precisa ser acompanhada pela estratégia de superar o sistema capitalista e apontar para a construção de uma sociedade socialista, em que a classe trabalhadora tenha poder político e econômico.

Dizer que a culpa da situação atual é do “comportamento humano” em geral, ou fundamentalmente dos hábitos de consumo individual, é mascarar a realidade. A mudança climática tem responsáveis com nome e sobrenome. Apenas 100 grandes empresas são responsáveis ​​por 70% das emissões globais desde 1988, segundo o Climate Accountability Institute.

O capitalismo cria um modo de vida a fim de maximizar o uso de bens e fatores produtivos, o que repercute na disposição de meios de vida. Cria padrões de consumo para que se vendam mercadorias. Mudanças individuais de consumo são insuficientes e não vão alterar o sistema. Mudanças do modo de vida e dos hábitos só são realizáveis quando se alteram totalmente as relações sociais.

A luta pelo meio ambiente é uma luta pela superação do capitalismo e pela construção de uma sociedade socialista que ponha fim à exploração irracional e à pilhagem do planeta. Uma sociedade socialista, baseada na propriedade social dos meios de produção, mas que também promova uma revolução das forças produtivas, pois, sob o capitalismo, elas se convertem em forças destrutivas. É ingênuo pensar que a tecnologia nos salvará, assim como é ingênuo pensar que foi o desenvolvimento tecnológico que produziu a catástrofe ambiental. Uma sociedade socialista precisa criar novas tecnologias voltadas para o bem-estar da humanidade, restabelecer o metabolismo social e uma relação racional com os processos naturais.

Mais do que nunca se fazem atuais as palavras de Engels: “Os fatos nos lembram a cada passo que não reinamos sobre a natureza, como um conquistador reina sobre um povo estrangeiro, ou seja, como alguém que esteja fora da natureza, mas que pertencemos a ela (…) todo nosso domínio sobre ela reside na vantagem que possuímos, sobre outras criaturas, de conhecermos as suas leis e de podermos usar esse conhecimento judiciosamente (…). Quanto mais avança esse conhecimento, mais os homens não só se sentirão, mas saberão que fazem parte de uma unidade com a natureza, e mais se tornará insustentável a ideia absurda e contranatural de oposição entre espírito e matéria, entre homem e natureza” (A dialética da natureza).

[1]     Ver todos os relatórios aqui: https://www.ipcc.ch/reports/

[2]     Ver em  https://royalsocietypublishing.org/doi/full/10.1098/rsta.2014.0423.

[3]             A megafauna do pleistoceno era formada por animais gigantes que convieram com o homem há mais de 11 mil anos, entre eles: os tigres-de-dente-de-sabre, mamutes, as preguiças-gigante, as antas, tatus-gigantes e outros.

[4]          Essa poderosa fonte de emissão só foi considerada pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU recentemente, em 2014, no quinto relatório de projeções das mudanças climáticas. Mas, na verdade, ainda há poucos estudos que possam dar a real dimensão dessa caixa de Pandora climática e de quanto estrago ela pode efetivamente causar

[5]     Ver em  https://science.sciencemag.org/content/363/6430/930

[6]          Ver em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-40422013000900032. Ver também: https://www.nature.com/articles/461472a

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