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Estado Espanhol

Estado espanhol| Outro verão pandêmico, para garantir seus benefícios e à custa de nossa saúde

setembro 21, 2021

Neste verão, repetiram como um mantra que, apesar da quinta onda, a Espanha fez bem seus deveres de casa, porque a vacinação “foi bem feita, de forma rápida e ordenada”. E é verdade que ainda com diferenças entre as CCAA (Comunidades Autônomas), nosso país conseguiu ser o líder mundial em pessoas vacinadas com o calendário completo, à frente de outros países europeus.

Por: Laura Requena

Mas este discurso tenta negar as consequências da irresponsabilidade que mais uma vez (e já são quatro!) nossos governantes continuam demonstrando na gestão da pandemia.

 “A Espanha é diferente”…

A Espanha voltou a ser o primeiro país da União Europeia a sofrer um novo surto da Covid-19, no início das férias.  Uma quinta onda explosiva com números piores inclusive do que a terceira, quanto à necessidade de atendimento diário a pacientes com coronavírus. Uma quinta onda na qual os contágios se iniciaram em uma juventude que não estava vacinada e à qual não duvidaram em converter em bode expiatório, culpando-a pelas altas taxas de incidência. Um novo surto que voltou a deixar evidente a saturação do Atendimento Básico, o que impediu de se fazer diagnósticos rápidos e um bom rastreio e controle do vírus, das pessoas contagiadas e de seus contatos próximos.

Um caos que foi transferido aos hospitais, onde tanto os trabalhadores (as) como os leitos, voltaram a ser totalmente insuficientes para a quantidade de pacientes que em poucos dias estavam sendo internados. A taxa de ocupação de leitos por pacientes com Covid se situou na média de 8,69%, enquanto que nas UTIs chegava a 20%.Quase a metade dos pacientes, com menos de 50 anos.

A maioria dos hospitais tiveram que reorganizar ou suspender cirurgias como em ondas anteriores. Agosto acabou com a quinta onda em evidente declínio, mas quase todas as CCAA continuavam com alto risco de transmissão.

E depois de reabrir o lazer e o turismo e relaxar a proibição de usar máscaras ao ar livre para dar aparência de normalidade, nas localidades com mais pressão turística e onde se sabe que a população aumenta de maneira considerável durante o verão, não apenas não reforçaram o atendimento de saúde, como reduziram os trabalhadores (as) como consequência das férias de uma parte do mesmo.

Junto com isto, os governos permitiram aglomerações tanto em espaços abertos, onde muitas vezes não se mantinha o distanciamento social, como em espaços fechados, com um simples resultado negativo de um teste rápido ou com uma única dose da vacina.

O atraso na vacinação como consequência de que tanto o ritmo como o número de doses disponíveis estava nas mãos das multinacionais e não deste ou de algum outro governo, passaram a conta para nós. Além da juventude, esta quinta onda pegou de surpresa, sem vacina, alguns segmentos da população de 30 a 39 anos e muitas pessoas entre 60-70 que não tinham a vacinação completa.

Isto causou muitas hospitalizações nessa faixa de idade, além das pessoas mais jovens demonstrando que também não “estavam a salvo” como nos fizeram acreditar, assim como de uma minoria de idosos de 80 anos cuja imunidade estava debilitada pela idade.

…e Madri, ainda mais.

Nessa corrida de continuar enfraquecendo a Saúde pública, Madri obviamente não podia fazer menos e por isto neste verão fechou 200 leitos públicos em pleno aumento de casos e hospitalizações e deixou os centros de saúde em atendimento mínimo e próximo ao verão planejava o fechamento de 41 dos 49 centros de Atendimento Básico existentes nos oito distritos do Centro. Ayuso não tremeu a mão para gastar mais de sete milhões de euros para privatizar a administração das vacinas. Um dinheiro que poderia ter contratado 200 profissionais de enfermagem durante um ano e ter aumentado notavelmente o ritmo de vacinação no Atendimento Básico, que sofreu com o caos que tal privatização causou.

Quando se trata de proteger e manter os interesses das multinacionais, portanto, nossos governos continuam jogando roleta russa com nossa saúde. Ao final, em sua tentativa de “salvar” a temporada turística, ainda que seja à custa da saúde da população, não conseguiram nem uma coisa nem outra, posto que como vimos, o aumento exponencial dos contágios produziu um efeito cascata pelo qual muitos países europeus desaconselharam viajar para a Espanha. É verdade, portanto, que graças à vacinação se conseguiu reduzir a mortalidade. Mas não é menos verdade que sem ela, esta quinta onda teria sido um autêntico massacre.

Aplausos e promessas que caem em ouvidos surdos: o dinheiro dos fundos europeus não salvará a Saúde pública

A Espanha destinará 1,069 bilhões de euros para reforçar a Saúde pública. Isto equivale a pouco mais de   1,5% dos 69,528 bilhões que chegarão da Europa até 2026.

Se somarmos os 170 que irão para a transformação digital e os 878,326 milhões para o fomento da pesquisa, a cifra sobe para 3,5% do Plano de Recuperação. Ainda assim, é o terceiro país da União Europeia (EU) que menos dinheiro dedica à Saúde pública. A metade em relação à Alemanha e quase um terço em comparação com a França.

Desse montante, 75% do dinheiro não serão para contratar mais pessoal ou reduzir o trabalho temporário que chega a 41,9% da média estatal. Também não são para cobrir os 70.000 leitos hospitalares que precisamos para chegar à média da União Europeia, mas para a aquisição de equipamentos de alta tecnologia.

Da mesma forma, a “Proposta Espanha 2050” se propõe a alcançar 7% do PIB em gasto sanitário público, em 2030!, quando o acordo do governo colocava alcançar esse objetivo neste mandato. Nisto ficaram no Plano de Recuperação, Transformação e Resiliência apresentado pelo Governo à UE, os aplausos e suas promessas para reforçar a Saúde pública.

Enquanto isso continua as dificuldades da população para ter acesso a uma chamada telefônica em muitas CCAA e nem falamos já de um encontro presencial, jogando-a para as emergências hospitalares e/ou para a medicina privada, se é que podem pagar por ela.

E continua o aumento das listas de espera para determinados tratamentos ou uma cirurgia, com os resultados que isto trará na morbidade e na mortalidade por outras doenças e problemas de saúde.

Um exemplo é a saúde mental que como sabemos, é outra das grandes afetadas pela pandemia. Os especialistas apontam que esta provocou “um aumento exponencial” de menores e adolescentes com problemas graves de saúde mental. Nos próximos anos se espera um aumento de 20% dos transtornos mentais graves sobre o qual a OMS já alertou e para o qual não estamos preparados.  A Espanha tem 30% menos psiquiatras por 100.000 habitantes do que a média europeia e destina 5% do gasto sanitário à saúde mental frente aos 7,5% da UE.

Da mesma forma, e após mais de um ano e meio de Covid, cada vez mais pessoas (em torno de 15% de todos os contágios segundo algumas estimativas), sofrem do que é conhecido como «covid persistente», que aparece como sequela na qual o paciente pode sofrer até 36 sintomas diferentes que aparecem e desaparecem após a infecção. Uma doença não reconhecida pelo sistema público e para a qual as pessoas afetadas exigem mais tratamentos multidisciplinares e um esforço sério para investigar sobre a mesma.

Terceira dose e a mentira do fim da pandemia

Há um ano se falava que era necessário atingir 70% de vacinação para alcançar a famosa imunidade de rebanho, agora os especialistas dizem que a expansão da variante delta, mais infecciosa, torna necessário atingir pelo menos 80% da população vacinada. Também se começa a falar da necessidade de uma terceira dose da vacina na população mais vulnerável.

Mas a verdade é que os governos sabem muito bem que continuaremos expostos a novas ondas enquanto essa imunidade de grupo não for global. E que a persistência da pandemia pode trazer novas mutações, talvez inclusive mais infecciosas que a variante delta e resistentes às vacinas atuais, o que põe em risco toda a humanidade.

O paradoxo é que enquanto países como Israel, já começaram a injetar a terceira dose na sua população maior de 60 anos e outros, como a Alemanha, França ou Reino Unido, decidiram fazer o mesmo, 68% da população mundial continua esperando receber ao menos uma dose de alguma vacina e 25% não terá acesso a ela até 2022.

Na África, que conseguiu escapar medianamente bem da pandemia em 2020, a taxa de mortalidade atual da Covid-19 é 18% mais alta que a média mundial. Falamos de um continente onde milhões de pessoas não tem acesso à saúde pública e em vários países esta é quase inexistente e onde apenas 5% da população recebeu uma dose.

O Estado Espanhol por sua vez, tomará uma decisão nestas semanas a respeito desta terceira dose, enquanto preocupa cada vez mais a volta dos contágios nos asilos. Mas o Governo já fechou um contrato de 1,8 bilhões de euros com a Pfizer e cerca de 480 milhões com a Moderna para receber doses de vacinas em 2022 e 2023.

Esta política dos governos só contribui para continuar engordando os s lucros obscenos das multinacionais farmacêuticas, à medida que os países imperialistas aumentam seus encargos com o fim de administrar terceiras doses da vacina no próximo inverno. As farmacêuticas estadunidenses Pfizer e Moderna subiram o preço de suas vacinas antiCovid em mais de um quarto e um décimo, respectivamente, nos últimos contratos de fornecimento à União Europeia

E assim, deixa patente o caráter irracional e genocida do sistema capitalista como tantas vezes denunciamos. A OMS já nem sequer pede para liberar as patentes. Se conforma em fazer discursos hipócritas e estéreis, rogando e suplicando aos países ricos uma moratória na terceira dose até fins de setembro; prazo fixado para conseguir com que ao menos 10% da população mundial seja imunizada, enquanto reconhece que alcançar esta meta “será difícil”.

Para acabar com a pandemia e garantir nosso direito à saúde, não há outra alternativa a não ser continuar exigindo o reforço da Saúde pública e em especial do Atendimento Básico, assim como a liberação das patentes e a expropriação da saúde privada e das farmacêuticas e obrigar os governos a colocar em marcha um plano de vacinação em massa a nível mundial.

Precisamos unificar as lutas e denunciar que os fundos europeus não resgatam a Saúde pública, muito menos a Educação, os Serviços Sociais, nem servirão para acabar com a crescente desigualdade social. Servem como um plano de resgate ao Ibex 35 que nos deixará mais endividados, enquanto se avança na privatização de tudo que é público.

Tradução: Lilian Enck

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