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Especial Palestina

A luta Palestina é também a luta das mulheres árabes contra seus próprios regimes opressores

Érika Andreassy

novembro 5, 2025

Enquanto milhões de mulheres e jovens árabes tomam as ruas em solidariedade à Palestina, seus regimes reprimem brutalmente qualquer forma de mobilização popular. A libertação do povo palestino está ligada à derrubada dos governos ditatoriais e corruptos que traem essa causa há décadas.

A cada nova ofensiva israelense contra o povo palestino, os regimes árabes se apressam em posar de aliados “solidários”, emitindo declarações vazias em defesa da “causa palestina”. Mas por trás dos discursos inflamados, o que há é cumplicidade e medo: cumplicidade com o imperialismo e medo de seus próprios povos — especialmente das mulheres e da juventude, que mais se rebelam contra a opressão e a miséria.

Nas últimas semanas, essa contradição voltou a se tornar evidente. Em países como Egito, Jordânia, Marrocos e Tunísia, milhares foram às ruas em protestos massivos exigindo o fim da cumplicidade de seus governos com Israel e com os Estados Unidos. Em todas essas manifestações, as mulheres estiveram na linha de frente — estudantes, trabalhadoras, mães — e foram também as primeiras a enfrentar a repressão policial.

Esses regimes, sustentados por elites corruptas e forças militares treinadas e financiadas pelo imperialismo, são os mesmos que negam direitos básicos às mulheres: liberdade de expressão, organização sindical, autonomia sobre o próprio corpo, e até o direito de circular sem controle masculino. Quando as mulheres árabes tomam as ruas pela Palestina, elas não lutam apenas contra a ocupação sionista — lutam contra as mesmas forças que as oprimem e exploram em casa.

O caso da Tunísia, onde o governo de Kais Saied vem reprimindo organizações feministas históricas como a Associação Tunisiana das Mulheres Democráticas (ATFD), é emblemático. Em nome da “segurança nacional”, o regime persegue as mulheres que ousam organizar protestos contra o autoritarismo e a fome — inclusive as que expressam solidariedade ao povo palestino. Já no Egito, o regime de Sisi mantém milhares de presos políticos, entre eles dezenas de militantes feministas e defensoras dos direitos humanos, enquanto segue garantindo o bloqueio de Gaza e os acordos com Israel.

Nas monarquias do Golfo, como a Arábia Saudita, Bahrein e Emirados Árabes, a repressão é ainda mais brutal. Ao mesmo tempo em que esses países exibem “reformas modernizadoras” — permitindo mulheres dirigirem, frequentarem estádios ou trabalharem em certos setores —, intensificam a vigilância, as prisões arbitrárias e a tortura contra ativistas. Essas reformas são concessões cosméticas destinadas a melhorar sua imagem internacional e atrair investimentos. A mensagem é nítida: as mulheres podem ser “modernas”, desde que não sejam revolucionárias.

Esses regimes temem que a solidariedade à Palestina se transforme numa faísca revolucionária que unifique a raiva acumulada em toda a região. E há razão para temer. O mesmo espírito que move as mulheres de Gaza a resistirem sob bombas é o que move as mulheres árabes a desafiarem o autoritarismo, o desemprego e a violência machista e patriarcal. A primavera árabe de 2011 mostrou isso: foi iniciada por jovens e trabalhadoras que ousaram dizer “basta!”. O problema é que, sem direção revolucionária, essas lutas foram desviadas, esmagadas ou cooptadas.

Por isso, a libertação da Palestina está inseparavelmente ligada à libertação dos povos árabes — e, dentro dela, à emancipação das mulheres na região. Não haverá Palestina livre enquanto as massas trabalhadoras árabes seguirem acorrentadas por regimes servis ao imperialismo. E não haverá revolução vitoriosa sem o protagonismo das mulheres, que carregam no corpo as marcas da dupla opressão de classe e de gênero.

A tarefa das organizações revolucionárias e das mulheres militantes é transformar a solidariedade em ação política concreta: construir partidos revolucionários e movimentos classistas de mulheres que unam a luta contra o imperialismo e o sionismo à luta contra o machismo e as burguesias locais. Porque a bandeira da Palestina só será verdadeiramente libertadora quando tremular nas mãos das mulheres e dos trabalhadores livres de toda opressão.

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