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COP30

Os verdadeiros guardiões da floresta: indígenas, quilombolas e camponeses

Jeferson Choma

novembro 4, 2025

Em janeiro, indígenas ocuparam a Secretaria de Educação no Pará em protesto contra o fim do ensino presencial, e sua mobilização forçou o governo a recuar. Na COP 30, espera-se uma onda de protestos ainda maior, com povos indígenas, camponeses e quilombolas marchando juntos para levar suas reivindicações por direitos territoriais e sociais e denunciar a violência do latifúndio.

Os povos originários estabelecem uma relação com a natureza radicalmente oposta à lógica capitalista. Em suas sociedades, não vigora a propriedade privada da terra, nem a concentração dos meios de vida por uma classe privilegiada. São comunidades sem divisões de classe, organizadas a partir de princípios coletivos.

Essa estrutura social distinta gera uma racionalidade ambiental profundamente diferente. A prioridade é assegurar a reprodução da vida comunitária, mantendo as relações sociais que permitem uma relação equilibrada com o território. Todas as atividades — produtivas, culturais, espirituais — orientam-se pelo bem comum e pelo bem-estar coletivo.

Enquanto isso, o capitalismo impõe uma lógica de conquista e dominação: a natureza deve ser submetida ao lucro, transformada em mercadoria a serviço de quem detém o capital.

Essa mesma relação de cuidado e pertencimento se repete entre muitas comunidades tradicionais — seringueiros, ribeirinhos, quilombolas e outros grupos camponeses —, que desenvolvem práticas agrícolas e de manejo voltadas para a preservação dos bens comuns.

Os números confirmam essa realidade. Nos últimos 30 anos (1990-2020), o desmatamento em Terras Indígenas foi de apenas 1,1 milhão de hectares, contra 47,2 milhões em áreas privadas. Embora as invasões de garimpeiros, madeireiros e grileiros tenham elevado a taxa de destruição recentemente, o contraste segue gritante.

Com os quilombolas não é diferente: entre 1985 e 2022, a perda de vegetação nativa em seus territórios foi de apenas 4,7%, ante 25% em áreas privadas. Eles ocupam cerca de 0,5% do território nacional, mas são guardiões fundamentais da floresta.

Por isso, defender a demarcação de todas as terras indígenas, a titulação dos territórios quilombolas, o reconhecimento das posses camponesas e uma reforma agrária radical e adaptada à diversidade dos camponeses brasileiros é condição para manter as florestas em pé, como bem sabia Chico Mendes.

Entrevista: Osmarino Amâncio: “Para nós, povos da floresta, capitalismo verde é uma tragédia”

O Opinião entrevistou Osmarino Amâncio, líder seringueiro que, ao lado de Chico Mendes, lutou contra a destruição da Amazônia por meio dos “empates”, piquetes realizados pelas comunidades que impediam o desmatamento.

Como você avalia a política ambiental do governo Lula?

A gente só escuta a ideia do agronegócio e a política governamental fazendo a parceria com o setor da burguesia agrária. Por trás dos discursos bonitos nas COPs, o que chega pra nós na floresta é que o governo Lula continua a mesma cartilha: defende os megaprojetos na Amazônia, as hidrovias, as estradas para o escoamento do agronegócio, as barragens e a exploração do petróleo.

Mas e as políticas defendidas pela ministra Marina Silva? É Capitalismo verde?

São soluções de mercantilização da natureza. Quando era ministra, Marina Silva procurou favorecer o “mercado verde”, criou a lei de gestão de florestas públicas que privatiza as florestas, colocando-as para as madeireiras, indústrias farmacêuticas e biopirataria. E essa mercantilização vem com a roupagem dos Créditos de Carbono, o tal do REDD, que vira moeda de especulação na Bolsa de Valores. A empresa paga e compra o direito de continuar poluindo e desmatando. Então, sob o capitalismo, a “sustentabilidade” virou uma fachada para a especulação financeira.

Esses projetos impõem proibições aos moradores da floresta, impedindo que eles possam fazer seus roçados, tirar madeira para construir suas casas, oferecendo em troca uma miséria. E agora tem fazendeiro grilando terras das comunidades, dizendo que aquela área de floresta preservada é sua, para registrar ilegalmente a posse, usando a própria vegetação para justificar a “reserva legal”. Desse jeito eles continuam desmatando, mas usam a “reserva legal” como fachada. Tem empresa que faz isso também para vender crédito de carbono. A gente chama isso de grilagem verde.

O capitalismo é capitalismo, seja ele verde, vermelho ou amarelo. E para nós, povos da floresta, para os indígenas e quilombolas, ele é sempre uma tragédia.

Como foi a luta travada por você e o Chico Mendes pelas Reserva Extrativistas?

Foi um processo que chamamos de um processo revolucionário na luta pela reforma agrária adequada aos seringueiros. Uma luta pelo socialismo, que nós não reivindicamos a propriedade privada. A gente não queria títulos de propriedades, reivindicamos o usufruto dos seringueiros. A gente também se inspirou na criação das Terras Indígenas. E criamos a Aliança dos Povos da Floresta que juntou seringueiros e indígenas na mesma luta. A gente aprendeu que se a gente cair, a floresta cai junto. E é a nossa união que garantiu a nossa sobrevivência, nossos direitos e a floresta em pé. Essa lição é mais viva do que nunca hoje. Precisamos refundar essa Aliança para fazer o empate contra os megaprojetos do agronegócio e desse governo.

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