Pena de morte no Quirguistão: crime, gênero e o uso do terror pelo Estado
Por: Érika Andreassy
A proposta do presidente do Quirguistão, Sadyr Japarov, de reinstaurar a pena de morte para crimes graves contra mulheres e crianças, como estupro infantil e feminicídio, expõe a face brutal do Estado burguês diante de problemas estruturais. A reação pública ao assassinato de uma adolescente de 17 anos foi rapidamente instrumentalizada pelo governo como pretexto para uma medida que não previne a violência, mas fortalece a autoridade do regime e consolida a lógica punitiva do capitalismo.
Sob o capitalismo, a violência de gênero é fruto da exploração estrutural e das relações desiguais de poder entre homens e mulheres. A opressão de gênero não é apenas um conjunto de costumes, mas um mecanismo funcional à reprodução das relações de exploração: mulheres trabalhadoras subordinadas e vulneráveis são duplamente exploradas, enquanto o Estado se apresenta como árbitro da moral e da segurança, legitimando sua existência através do medo e da repressão. A pena de morte, longe de ser uma solução, é uma expressão dessa lógica: responde a crimes isolados com violência estatal, enquanto ignora as condições sociais que os produzem.
A lógica do Estado quirguiz é típica de regimes que, diante de crises sociais, recorrem a medidas autoritárias para consolidar seu poder. Japarov utiliza o feminicídio como instrumento simbólico de legitimação política, desviando o debate das verdadeiras causas da violência: pobreza, desigualdade, machismo e ausência de políticas públicas eficazes de proteção às mulheres. No lugar de investir em educação, redes de apoio, serviços sociais e fortalecimento da justiça, o governo promove a espetacularização do crime e o terror estatal como “solução”.
Do nosso ponto de vista, a luta contra a violência de gênero não se separa da luta de classes. Somente um movimento organizado da classe trabalhadora, aliado à mobilização das mulheres e à construção de alternativas socialistas, pode enfrentar simultaneamente a opressão de gênero e a exploração capitalista que a sustenta e reproduz. A verdadeira segurança para mulheres e crianças não virá de penas extremas impostas pelo Estado burguês, mas da destruição das relações que perpetuam a violência estrutural.
A proposta de reinstaurar a pena de morte no Quirguistão é, portanto, um alerta: regimes burgueses tendem a instrumentalizar tragédias para fortalecer sua autoridade e disciplinar a sociedade. É necessário construir uma resistência revolucionária e socialista, que combata tanto o machismo quanto a exploração, colocando no centro a autonomia das mulheres e a justiça social. A violência de gênero só será erradicada quando as relações de poder que a sustentam forem radicalmente transformadas.




