28 de setembro: Legalizar o aborto é salvar vidas e garantir autonomia

Por: Érika Andreassy
O dia 28 de setembro, Dia Latino-Americano e Caribenho pela Legalização do Aborto, é um momento fundamental para reafirmarmos: a luta pela legalização do aborto não é uma questão secundária ou de moral individual, mas um tema vital de saúde pública, de justiça social e de autonomia das mulheres e pessoas que gestam sobre seus corpos.
Saúde pública e autonomia
Abortos ilegais estão entre as principais causas de morte materna no Brasil e no mundo. Milhares de mulheres, sobretudo as mais pobres, são obrigadas a recorrer a procedimentos inseguros, colocando suas vidas e sua saúde em risco. A legalização salva vidas, pois garante que o procedimento seja realizado em condições adequadas, com assistência profissional e no sistema público de saúde.
Contudo, não se trata apenas de sobrevivência. A criminalização nega às mulheres e pessoas que gestam o direito básico de autonomia sobre seus corpos, sua vida e seu futuro. Defender a legalização significa reconhecer que a maternidade deve ser uma escolha, cabendo à mulher decidir sobre e quando ser mãe, rompendo com séculos de imposição patriarcal, religiosa e estatal.
Avanços e retrocessos no mundo
Em 2020, a Argentina aprovou a Lei de Interrupção Voluntária da Gravidez até a décima quarta semana. Em 2022, a Colômbia descriminalizou o aborto até 24 semanas. Essas vitórias mostram que a organização e a luta podem arrancar direitos.
Ao mesmo tempo, enfrentamos retrocessos. Nos Estados Unidos, a Suprema Corte derrubou o caso Roe vs. Wade, permitindo que vários estados proíbam o aborto. Na Argentina, o governo Milei tenta esvaziar a aplicação da lei, cortando recursos e alimentando uma ofensiva reacionária contra as mulheres.
Essa disputa mostra que nenhum direito está garantido sem luta no capitalismo. Onde as mulheres se organizam, avançam; mas, uma vez conquistadas, essas leis não são eternas e podem retroceder a qualquer momento, dependendo da luta de classes.
Brasil
A realidade brutal do país e a hipocrisia oficial
Por aqui, os números são chocantes. Em 2023, o Brasil registrou 13.932 partos de meninas de 10 a 14 anos segundo o Ministério da Saúde. Estudos apontam que mais de 11 mil partos por ano nessa faixa etária são decorrentes de violência sexual. Em média, 26 meninas menores de 14 anos dão à luz todos os dias no país. A maioria dos abusadores é alguém do convívio: pais, padrastos, parentes ou amigos próximos.
Essas meninas deveriam ter garantido imediatamente o direito ao aborto legal, já previsto em casos de estupro. Porém encontram barreiras criminosas: exigência de boletim de ocorrência, juízes que tentam impedir o procedimento, hospitais que se negam a atender. Muitas acabam forçadas a uma maternidade precoce e violenta ou a abortos ilegais inseguros.
Uma questão de classe
Enquanto isso, mulheres ricas viajam ao exterior ou pagam por clínicas particulares. A desigualdade de classe salta aos olhos: às trabalhadoras e pobres, a ilegalidade e o risco; às privilegiadas, a liberdade de escolha e acesso ao aborto seguro.
Congresso reacionário e governo cúmplice
O Congresso Nacional é hegemonizado por setores ultraconservadores que, em nome da “defesa da família e da vida”, atacam o direito ao aborto, mesmo nos poucos casos previstos em lei. A pauta é usada de forma hipócrita: não se preocupam com a vida das mulheres, mas sim em controlar seus corpos e reforçar sua opressão.
O governo Lula, em nome da governabilidade, usa as pautas das mulheres como moeda de troca. Chegou ao absurdo de tentar impedir uma resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) que orientava o aborto legal para crianças vítimas de violência sexual. Em estados e municípios, governadores, prefeitos, deputados e vereadores da extrema direita aprovam medidas para restringir ainda mais o acesso. Já o Supremo Tribunal Federal (STF) emperra a votação da ADPF 442 (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental), que descriminaliza o aborto até a décima segunda semana.
Aborto legal
Uma luta da classe trabalhadora
A luta pela legalização do aborto é uma luta de classe. As mulheres trabalhadoras são as que mais sofrem com a criminalização: não têm creche, moradia, emprego estável nem condições reais de exercer a maternidade. Quando decidem interromper uma gestação, são empurradas para procedimentos inseguros.
Defender o aborto legal é lutar para que todas tenham direito de decidir, com segurança e dignidade. É lutar contra a exploração e a opressão que recaem sobre a classe trabalhadora, em especial sobre as mulheres negras e pobres.
Neste 28 de setembro, reafirmamos que legalizar o aborto:
• é salvar vidas;
• é garantir autonomia;
• é justiça social.
A tarefa é organizar e fortalecer essa luta em cada local de trabalho, escola, universidade, sindicato e movimento popular. O 28 de setembro deve ser um dia de denúncia, mas também de mobilização e unidade para que as mulheres da nossa classe conquistem o direito de decidir sobre seus corpos e suas vidas.