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Wilson Honório Silva (1961-2025): Faremos Palmares de novo! Até o socialismo, hoje e sempre!

setembro 18, 2025

Por: PSTU Brasil

Nosso malungo (do kikongo m’alungu, companheiro ou camarada) Wilson Honório Silva nos deixou neste dia 17 de setembro. Trata-se de uma perda irreparável quando se compreende a imensa dimensão de sua militância política que abrangeu inúmeras frentes de lutas: desde seu compromisso com a lutas operárias, seu papel e contribuição histórica no movimento negro brasileiro, sua incansável luta em defesa dos direitos dos LGBTIs (e, mais uma vez aqui, cumprindo um papel pioneiro); além da sua enorme cultura e erudição que resultava em palestras, livros e artigos sempre marcados por muita sagacidade, ironia e brilhantismo.

A trajetória militante de Wilson se confunde com a própria história do movimento de luta contra a opressão no Brasil, sempre nos marcos de uma perspectiva socialista e revolucionária. Pois, como sempre fazia questão de citar nos textos e artigos que, por décadas, escreveu no Opinião Socialista, e nos jornais das organizações que antecederam o PSTU, “não há capitalismo sem racismo”, parafraseando Malcolm X. Seu livro “O Mito da Democracia Racial” (Editora Sundermann) se transformou numa das referências do tema para uma geração que despertava para a luta e a consciência negra.

Para aqueles e aquelas que tiveram a sorte de conviver com Wilson, ou ler sua vasta produção, resta, para além da dor deste momento, seus ensinamentos e um grande exemplo de como raça, classe, LGBTIfobia, machismo e toda opressão se combate de forma inseparável à luta contra o capitalismo. E um internacionalismo intrínseco à sua militância socialista e revolucionária.

Wilson, aos 14 anos, como office boy em SP

Uma vida dedicada à revolução socialista

Em texto recente, Wilson relembra o dia em que decidiu integrar a Convergência Socialista, a principal organização que viria a formar o PSTU, e, por consequência, a luta pelo socialismo e a revolução. A ocasião não poderia ser mais simbólica: no ato realizado em 1980 no Sindicato dos Químicos de São Paulo em memória aos 40 anos do assassinato de Trotsky. O evento, organizado pela Convergência Socialista (CS) e a então OSI (Organização Socialista Internacional) reuniu uma ampla vanguarda, num momento de efervescência do movimento operário, das lutas estudantis e de reorganização dos movimentos contra as opressões.

Ninguém melhor que o próprio Wilson para descrever esse momento: “E no meio de tudo isto, lá estava eu. Um ‘eu’ explodindo pra tudo que é lado: me reconhecendo como um jovem negro, me entendendo como homem gay, começando a compreender que minha ‘história’ tinha mais do que os 16 anos registrados no RG. Office-boy de dia, dirigente de um ‘centro cívico’ na escola secundarista à noite, onde, desde 1978, era visitado semanalmente por militantes da CS, que me passavam o jornal e discutiam tudo e qualquer coisa”.

Ainda nas palavras do nosso Wilson: “Foi aí que fiz uma convicta e consciente escolha de viver como um militante revolucionário marxista, o que faz com que eu tenha plena consciência de que praticamente tudo o que acontece comigo só pode ser entendido dentro de uma perspectiva coletiva e acaba reverberando da mesma forma, seja no interior do próprio partido, nos movimentos em que atuo ou, também em função da ação organizada e coletiva, na dinâmica da luta de classes, mesmo que apenas através da produção de artigos e material teórico e das atividades de Formação nos quais tenho centrado minha militância nos últimos anos.”

Ato da Convergência Socialista em SP, em 1989

A luta contra as opressões

Tendo se dedicado nos últimos anos ao movimento Quilombo Raça e Classe, filiado à CSP-Conlutas, Wilson foi uma referência na organização do movimento negro no país. Na USP, onde se formou em História e, posteriormente, se pós-graduou em Cinema, foi um dos fundadores do Núcleo de Consciência Negra (NCN) da universidade, em 1987. Na época, Wilson representava o Diretório Central dos Estudantes (DCE) no núcleo que reunia ainda representantes da Adusp (sindicato dos professores) e do Sintusp (sindicato dos técnicos-administrativos).

Wilson fez ainda parte da organização da 1ª edição da então “Parada do Orgulho Gay”, em São Paulo, em 1997. Sob o lema “Somos muitos, estamos em várias profissões”, a parada reuniu 2 mil pessoas e foi um marco na luta pela visibilidade LGBTI, crescendo de forma exponencial e se espalhando país afora nos anos seguintes. Mesmo pioneiro, Wilson sempre se manteve crítico à mercantilização e despolitização da direção do evento, mas reivindicando o seu caráter combativo e defendendo o retorno de seu significado inicial.

Nos anos seguintes, Wilson desenvolveu cursos de formação sobre LGBTIfobia e racismo, organizados pelo Ilaese (Instituto Latino-Americano de Estudos Sócio-Econômicos), voltados a entidades e movimentos sociais.

Na imprensa do partido, da Convergência Socialista até o atual Opinião Socialista, o jornal do PSTU,  Wilson sempre reafirmou a importância de o tema da opressão não ser tratado como uma seção à parte, ou uma mera página. Mas, ao contrário, deveria se refletir em todos os temas, todas as pautas e páginas, atravessando o jornal como um todo.

Um erudito amante da vida

Wilson amava a vida em todos os seus aspectos. Aprofundava-se em temas como a Arte e a Cultura. Atuou, por exemplo, como arte-educador em História da Arte, no Centro Livre de Artes Cênicas (CLAC), entre 2013 e 2016. Nos veículos de comunicação do PSTU, comandava a pauta de Cultura. Aliás, seu último artigo publicado no Opinião Socialista foi justamente uma sensível homenagem a Luís Veríssimo e ao cartunista Jaguar, que também nos deixou recentemente. Não por acaso, suas duas gatas de estimação se chamam “Frida” e “Piaf”.

Uma das ‘visitas guiadas’ no Museu Afro

Uma de suas atividades preferidas era organizar “passeios guiados” no Museu Afro Brasil, no Ibirapuera, onde fazia questão de levar companheiros e camaradas de outras cidades. Ou disputadas visitas periódicas à Pinacoteca ou ao Masp, onde reunia alunos, ex-alunos e militantes, onde mostrava seu conhecimento e erudição.

Desde a infância num cortiço, passando pela realidade de sua juventude, como um jovem negro e LGBTI, Wilson enfrentou de peito aberto todas as adversidades. Sempre fez questão de ressaltar que sua militância o fortaleceu para se formar, tanto do ponto de vista político, quanto “formal”. Nos últimos anos, enfrentou uma batalha muito grande em relação à sua saúde mental, na qual vinha superando nos últimos meses. Mas nunca perdeu sua verve irônica, engraçada e perspicaz. Divertia a todos, ao final de cada congresso ou seminário, “pescando” frases ditas durante os debates e conferindo um ar leve às mais intensas discussões, produzindo sinceras risadas. Era desta forma que ele via a vida: a luta como sentido, o fim de todo o tipo de exploração e opressão como horizonte, e, no meio disso, aproveitando tudo o que ela tem a oferecer.

A construção do partido revolucionário como sentido

Nos últimos meses, Wilson vinha enfrentando sérios problemas de saúde. Após uma longa estadia na UTI de um hospital, em março deste ano, acometido de uma DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica), iniciou uma espécie de reflexão e balanço de seus 45 anos de militância, dentre seus 61 anos de vida. “Quando afirmo (e estou convicto disto) que o fato de ter dedicado praticamente toda minha vida à luta revolucionária é o que dá ‘sentido’ para minha existência, isto também implica em ter a certeza de que é o que sempre me motiva a seguir adiante, para tudo e qualquer coisa, independentemente do que seja preciso enfrentar”.

E, como uma espécie de epílogo para o qual parecia pressentir, afirma com a convicção que lhe era característica: “Foi me fazendo militante que aprendi que ‘ousar’ sempre é preciso. Foi lutando que, como diria Rosa Luxemburgo, senti o peso das correntes e das amarras e, consequentemente, fui embriagado pelo desejo de liberdade. Foi dentro de e com um partido e da Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT-QI) – organismos sempre em construção, que, por isso, também, carregam suas contradições – que vislumbrei e continuo a enxergar o tipo de sociedade que a humanidade merece e precisa construir”.

Neste dia 17 de setembro, Wilson nos deixou, após ter dedicado a maior parte de sua vida à construção do PSTU e da LIT-QI. Mas, ameaçando cair nos clichês que odiava, seu legado e exemplo permanecem mais do que vivos em nós, e em nossa luta contra todo o tipo de exploração e opressão. Wilson, presente, até o socialismo, hoje e sempre, nunca fez tanto sentido.

Informações

Ato de homenagem – CSP-Conlutas a partir das 10h
Rua Senador Feijó 189
Pça da Sé (bem perto do Largo São Francisco)

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