50 anos do massacre de La Plata

Por: Alicia Sagra
Já se passaram 50 anos desde que, em 5 de setembro de 1975, eu, juntamente com outros companheiros, vivemos as piores horas de nossas vidas. Naquela manhã, ao chegar à sede do PST, na regional de La Plata, soubemos que cinco corpos haviam sido encontrados na Balandra e que cinco companheiros que haviam ido apoiar a tomada da Petroquímica Sul-Americana não haviam retornado. Eram Laucha, Adriana, Hugo, Ana María e Lidia.
Já se passaram 50 anos desde que, juntamente com Susana e Graciela Zaldúa, irmãs de Adriana, percorremos as delegacias em busca de informações, mas sem encontrar nada. Horas depois, com companheiros vindos da sede central em Buenos Aires, conseguimos identificar os corpos de nossos camaradas. O de Laucha estava terrivelmente espancado e o de Adrianita tinha 79 ferimentos de bala de Itaka.
Faz cinquenta anos que outros três companheiros, Diky, Orcarcito e Ana María, ian denunciar o fato em uma reunião do Ministério de Obras Públicas. Não conseguiram. A meio quarteirão de nossas instalações, na Rua 8, entre as ruas 54 e 55, um carro os interceptou diante de numerosas pessoas. Eles desapareceram em minutos. Seus corpos crivados de balas apareceram no dia seguinte, quando realizávamos o velório dos primeiros cinco companheiros.
O Contexto Político e Social
A verdadeira dimensão deste crime não pode ser compreendida sem analisar o contexto em que ocorreu.
No final da década de 1960 e início da década de 1970, a ditadura de Onganía[1] estava em cheque pelas lutas operárias e populares, cujo ápice foi o “Cordobazo”. Para evitar que esse processo colocasse em risco seu poder, a burguesia argentina recorreu ao grande líder popular, Juan Domingo Perón[2], que estava banido até então.
Perón, com seu governo, conseguiu uma certa “trégua social”, embora não tenha impedido completamente a resposta operária ao seu plano de austeridade (houve mais de 30 conflitos em 1974) e não tenha conseguido domar as organizações guerrilheiras que continuavam sua guerra privada contra as Forças Armadas.
Em 1973, López Rega, Ministro da Previdência Social e secretário particular de Perón, fundou a Aliança Anticomunista Argentina (Tríplice A), uma organização policial armada composta por setores da burocracia sindical e facções fascistas. Seu objetivo inicial era enfrentar as organizações guerrilheiras. Mas esse objetivo se ampliou.
A morte de Perón (1º de julho de 1974) acelerou o conflito social. López Rega, que havia se tornado o homem forte do governo de Isabel Perón, tentou um golpe semifascista, rompendo o acordo burguês vigente.
Essa tentativa foi derrotada pela greve geral e pelas mobilizações massivas de junho-julho de 1975, que confrontaram o brutal pacote econômico conhecido como “Plano Rodrigo”.
Essa luta operária contou com o apoio da burguesia e da burocracia, que viram seus interesses ameaçados pela tentativa de López Rega.
Mas quando López Rega, derrotado, fugiu do país, o principal inimigo da burguesia e dos burocratas tornou-se o movimento operário, e o principal perigo, suas crescentes lutas. É aí que surge o famoso chamado de Ricardo Balbín, a principal figura da oposição burguesa, para enfrentar a “guerrilha fabril”.
Ele afirmou que isso foi reafirmado em um documento emitido pela Embaixada dos Estados Unidos em Buenos Aires em 2 de dezembro de 1975[3].
A Triple A agiu com a aprovação do governo peronista e de toda a burguesia.
Essa definição de “guerrilha industrial”, feita pelo próprio Balbín e pelos EUA, é o que explica por que, quando nossos companheiros foram mortos, La Plata era uma zona liberada.
Cinco minutos após o sequestro dos últimos três companheiros, registramos um boletim de ocorrência. Não recebemos resposta. Juntamente com Enrique Broquen, advogado do nosso partido, esperamos pelo Chefe de Polícia por três horas; no final, fomos informados de que ele não estava na cidade. Os companheiros que foram registrar o boletim de ocorrência na prefeitura descobriram que nem o governador nem o vice-governador estavam na cidade; o boletim de ocorrência foi recebido por um secretário. O líder radical Ricardo Balbín também não estava em La Plata, onde residia.
Essa cumplicidade de toda a burguesia é a causa raiz das mortes e a explicação de por que, nesses 50 anos, não houve progresso na investigação dos fatos nem na punição dos responsáveis. Apesar da luta dos trabalhadores que derrubou a ditadura militar, da constante batalha das famílias, do Argentinazo de 2001 e das denúncias do “Governo dos Direitos Humanos”, os crimes continuam impunes.
Vingaremos nossos companheiros com a luta operária e popular
Em dois dias, perdemos oito companheiros, entre eles dirigentes regionais, como Roberto “Laucha” Locertales, que havia sido um carismático líder estudantil e ativista nos Estaleiros Río Santiago, recentemente demitido; quadros políticos como Adriana Zaldúa, dirigente estudantil; Hugo Frigerio, dirigente sindical do Ministério de Obras Públicas; e Carlos “Diky” Po. Vedan, dirigente sindical do Ministério da Previdência Social; companheiros de base como Oscarcito Lucatti, Ana María Guzner, Patricia Claverie e Lidia Agostini.
Como disse Nahuel Moreno um ano antes, em 29 de maio de 1974, diante dos assassinados no massacre de Pacheco: todos eles, com suas virtudes e seus defeitos, com seus diferentes papéis partidários, eram grandes, porque grande é seu partido, a ideologia que defendem é grande e grande é o objetivo pelo qual deram suas vidas.
Pudemos nos despedir dos companheiros assassinados em Pacheco com um grande ato, onde Moreno afirmou que o fascismo não se discute, se combate, e convocou as organizações presentes, muitas delas guerrilheiras, a organizar uma autodefesa comum, de assembleias operárias, de organizações locais, de militantes. Nenhuma organização respondeu positivamente. Essa autodefesa comum não foi realizada, e os assassinatos de ativistas operários e militantes revolucionários continuaram.
Após o Massacre de La Plata, não pudemos realizar uma grande cerimônia de despedida de nossos mártires, como a que realizamos um ano antes para nossos companheiros em Pacheco; não havia condições de segurança para isso.
O que pudemos realizar foi uma pequena cerimônia em frente à funerária, onde realizamos um velório, com a presença de uma grande delegação de operários da Petroquímica Sudamericana e guardados a 50 metros de distância por um Falcon verde sem licença que fez questão de ser notado[4]. O camarada Ernesto González falou em nome da Direção Nacional para se despedir de nossos companheiros. Eu tive a honrosa e triste tarefa de me despedir de Laucha, meu grande amigo e camarada, cujo corpo seria levado por sua família para sua cidade natal.
Ali, além de homenagear nossos camaradas e dar uma explicação política para os acontecimentos, tivemos que responder aos companheiros que, de luto por suas perdas e sofrendo a pressão da guerrilha, perguntavam: Vamos ficar de braços cruzados? Respondemos dizendo que não acreditávamos em vingança individual, que, como disse Trotsky, a burguesia sempre pode substituir o policial ou ministro assassinado. Iríamos vingar nossos companheiros construindo o partido e com a luta operária e popular, e que a vingança final viria quando, por meio dessa luta, destruíssemos o capitalismo e construíssemos o socialismo na Argentina e no mundo.
Hoje, nos unimos às demandas das famílias por julgamento e punição para os culpados materiais. Mas, em relação aos culpados intelectuais, a burguesia como um todo reafirmamos o compromisso que assumimos há 50 anos e aos nossos mártires do Massacre de La Plata dizemos: Presentes, até o socialismo, sempre!
[1] Em 1966 aconteceu o golpe militar que impôs a ditadura de Onganía, e depois Levingston e Lanusse.
[2] Em um artigo na Revista de América, em março de 1976, dissemos: “A classe operária, por meio de sua luta, impôs a derrota da odiada ditadura militar e conduziu o governo ao movimento que sintetizou para ela todas as conquistas obtidas e a possibilidade de expandi-las. Um objetivo exatamente oposto àquele para o qual a burguesia convocou Perón e que ele aceitou: pôr fim às lutas operárias e salvar o capitalismo argentino (…)”
[3]“ O terrorismo é um fato e um modo de vida na Argentina. As atividades de guerrilha na zona rural de Tucumán e nas áreas urbanas de Córdoba e Buenos Aires têm sido objeto de comentários e análises intermináveis em todo o mundo. No entanto, outra forma de guerrilha, provavelmente ainda mais insidiosa e que recebeu muito pouca atenção até agora, está em plena operação na Argentina. É a guerra que a guerrilha industrial está travando, operando no chão de fábrica, no sindicato (…).
[4] O Falcon verde, sem placa, era o veículo usado pela Tríplice A em suas operações.