Sindicatos, Direitos dos Imigrantes e Liberdades Civis: Por uma Esquerda Classista

Por: Ernie Gotta (Voz dos Trabalhadores – Estados Unidos)
Os sindicatos estão na vanguarda da oposição às batidas do Serviço de Imigração e Fiscalização Aduaneira (ICE) e ao crescente autoritarismo do presidente Trump. As mobilizações contra o ICE incluíram milhares de sindicalistas em todos os Estados Unidos, exigindo o fim do terror do ICE em suas comunidades. A oposição massiva ao ICE demonstra uma resposta inicial dinâmica à ameaça imediata de ataques às famílias trabalhadoras.
No entanto, uma luta ainda maior está por vir. O envio da Guarda Nacional e dos Fuzileiros Navais por Trump após a intensificação dos protestos em Los Angeles ameaçou as liberdades fundamentais de expressão e nosso direito de reunião e organização. Os trabalhadores não podem agir com base na premissa de que essa luta acontecerá apenas em Los Angeles. O que aconteceria se a Guarda Nacional fosse enviada para outras cidades da Califórnia ou para qualquer outro lugar do país? O que aconteceria se Trump invocasse a lei marcial nas chamadas cidades santuário[1]?
O que fará o movimento operário a seguir? O que deveria fazero movimento operário a seguir? Por que a luta para construir uma esquerda classista no movimento operário é uma tarefa tão urgente para todos os trabalhadores com consciência de classe?
Este artigo tentará contextualizar, com exemplos de ataques contra trabalhadores documentados e sem documentos. Tentará mostrar como a defesa destes trabalhadores pode se converter em uma luta massiva por liberdades civis, bem como uma luta para construir uma esquerda classista no movimento operário organizado, que possa sustentar e ajudar a politizar nossos sindicatos e vencer a luta contra o autoritarismo.
ICE detém sindicalistas
Setores do movimento operário com base de imigrantes desempenham um papel essencial na construção de um amplo movimento de defesa. Um exemplo é o sindicato SMART (metalúrgicos), que mobilizou seus membros e aliados para repatriar o aprendiz Kilmar Ábrego García, injustamente deportado e enviado para a brutal prisão CECOT em El Salvador sob falsas acusações.
Outro caso é de Lewelyn Dixon, carinhosamente conhecida como “Tia Lynn” na comunidade. Ela é membro do Sindicato Internacional de Empregados de Serviços (SEIU), Seçao 925, e técnica de laboratório no Centro Médico da Universidade de Washington. Ela está detida desde o final de fevereiro no Centro de Processamento do ICE Noroeste, em Tacoma, Washington. Ela foi às Filipinas, como fazia há muitos anos, para visitar sua família. Foi detida ao retornar dessa viagem. Lewelyn chegou aos Estados Unidos aos 14 anos e é residente permanente legal.
Há também o caso do presidente do SEIU da Califórnia, David Huerta. As autoridades federais provavelmente cometeram um de seus maiores erros ao prender e maltratar brutalmente Huerta enquanto ele protestava e observava uma operação do ICE em um armazém têxtil em Los Angeles. Sua prisão gerou indignação nacional, muito além do movimento dos trabalhadores, e contribuiu para visibilizar a brutalidade das operações em Los Angeles. Embora em liberdade, o presidente Huerta ainda enfrenta acusações por obstrução de um agente federal e, se condenado, pode pegar até seis anos de prisão.
Trump e Stephen Miller planejam ajuda para trabalhadores sem documentos
Huerta, Dixon e García eram cidadãos ou possuíam algum tipo de documentação para residir legalmente nos Estados Unidos. O que suas reportagens não abordam são os casos de milhares de trabalhadores sem documentos em restaurantes, hotéis, agricultura e frigoríficos que são detidos e deportados diariamente pelo governo Trump. De acordo com a AP News, Stephen Miller, vice-chefe de gabinete de Trump na Casa Branca, declarou: “Espera-se que os agentes do Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE) realizem pelo menos 3.000 prisões por dia, em comparação com as 650 por dia que fizeram durante os primeiros cinco meses do segundo mandato de Trump.”
Miller está nitidamente tentando posicionar Trump como o próximo “Deportador-em-Chefe”, título atualmente ocupado por Barack Obama, cujo governo detém os recordes de deportações tanto em quatro anos (2 milhões) quanto em um único ano (438.421 em 2013). Felizmente, Miller ainda não atingiu sua meta e se manteve na impressionante marca de 2.000 prisões por dia.
A narrativa de que o ICE deporta “criminosos” sempre foi uma tentativa velada de manter trabalhadores sem documentos nas sombras, como cidadãos de segunda classe. Essas batidas do ICE são usadas para frustrar os esforços de organização dos trabalhadores sem documentos. Um exemplo ocorreu em 2 de maio, quando 14 membros do sindicato United Farm Workers (UFW), nascidos no México e na Guatemala, foram retirados do ônibus de trabalho na fazenda de hortaliças Lynn-Ette em Albion, Nova York, pelo ICE. Esses trabalhadores se organizavam com o UFW desde 2022, e a Lynn-Ette se recusou a reconhecer o sindicato. A luta pela libertação e retorno dos 14 trabalhadores teve sucesso apenas parcial até o momento. O UFW escreveu em um comunicado à imprensa que “Dois trabalhadores rurais adicionais, dentre os 14 trabalhadores da Lynn-Ette detidos pelo ICE em Albion, Nova York, em 2 de maio de 2025, foram libertados sob fiança. Isso eleva o total para três trabalhadores libertados desde então. Infelizmente, pelo menos cinco trabalhadores também foram deportados para o México ou Guatemala. Seis permanecem sob custódia do ICE.”
Este é apenas um dos muitos exemplos do que acontece com trabalhadores em todo o país, que são vitais para a subsistência de todos nos Estados Unidos. Por um breve momento, houve indícios de que empresas que empregam trabalhadores sem documentos poderiam estar preocupadas com a possibilidade de as batidas policiais afetarem o acesso à mão de obra barata. Estaria Trump sentindo a pressão quando, no Truth Social[2], disse: “Nossos grandes agricultores e o setor hoteleiro e de lazer afirmaram que nossa política agressiva de imigração está eliminando trabalhadores veteranos muito bons, e esses empregos são quase impossíveis de substituir.” E Trump concluiu: “Isso não é bom. Precisamos proteger nossos agricultores, mas precisamos remover os CRIMINOSOS dos Estados Unidos. A mudança está chegando!”
Mas, independentemente do que estivesse pensando, poucos dias após conceder o perdão aos trabalhadores rurais e hoteleiros, Trump mudou de ideia, revelando a natureza errática de sua administração.
Outro Tipo de Ataque do Governo Federal
As incursões e repressão a manifestações são a marca registrada da atividade do ICE, da polícia e do exército. Agora, o governo federal está tentando uma nova abordagem para silenciar a oposição. O senador republicano do Missouri, Josh Hawley, está liderando uma investigação sobre organizações políticas e comunitárias que ameaçam perturbar e oprimir alguns dos grupos que têm sido muito ativos no movimento. Dezenas de grupos foram informados da investigação pendente. A Coalizão pelos Direitos Humanos dos Imigrantes (CHIRLA), o Partido pelo Socialismo e Libertação (PSL) e a Unión del Barrio são três alvos proeminentes de Hawley. Hawley disse à CHIRLA: “Relatórios confiáveis sugerem que sua organização forneceu apoio logístico e recursos financeiros a indivíduos que participaram dessas ações disruptivas.” Ele continuou: “Sejamos nítidos: financiar distúrbios civis não é uma expressão protegida. É cumplicidade em conduta criminosa.”
O perigo para essas organizações é muito real. Os sindicatos devem não apenas defender seus membros, mas também apoiar todas as organizações de direitos dos imigrantes que enfrentam investigações do governo federal. A estes ataques há que incorporar medidas mais amplas de defesa, senão prejudicará os sindicatos, à medida que o governo Trump intensifica sua repressão à liberdade de expressão e à organização. Com apenas alguns exemplos, fica evidente que os ataques a imigrantes, sindicatos e ao movimento de solidariedade são um problema sério para os sindicatos. O que vem a seguir para a construção do movimento?
Por uma frente única de massas em defesa das liberdades civis
Os setores do trabalho organizado já mobilizados em torno da luta pelos direitos dos imigrantes devem se organizar, juntamente com organizações de justiça social e comunitárias, para construir uma frente unida contra os ataques a imigrantes, trabalhadores e suas organizações.
Em Los Angeles, a Seção 721 do SEIU lançou o “Verão da Resistência”, uma campanha de um mês pelos direitos dos imigrantes que, segundo eles, inclui a UTLA, a UFCW 324, a UFCW 770, a Seção 396 dos Teamsters, o Centro de Recursos da América Central (CARECEN), a CHIRLA, a Frente Unida de Los Angeles, os Trabalhadores pela Justiça da KIWA e diversos clérigos da CLUE (Clero e Leigos Unidos pela Justiça Econômica). A iniciativa se concentrará em resposta rápida, treinamento e workshops sobre direitos, narração de histórias e campanhas digitais, ajuda e apoio mútuos, a arte da resistência, vigílias de oração e jejuns públicos diários.
Há também a iniciativa Trabalho pela Democracia (L4D), que inclui os co-fundadores da seção 3000 da UFCW em Seattle, a Federação de Professores de Chicago e a Seção 1199 do SEIU UHWE. Muitos dos principais sindicatos, bem como sindicatos locais, apoiam o L4D com o objetivo de coordenar esforços para “impedir as ameaças de Trump e do MAGA aos nossos direitos e liberdades”. Cabe destacar que os sindicatos que apoiam o L4D não hesitam em apelar à solidariedade com os ativistas estudantes-trabalhadores em solidariedade com a Palestina, como Mahmoud Khalil e Rumeysa Ozturk, que foram os primeiros a serem detidos por agentes do ICE.
Há também um chamado do UAW (sindicato dos trabalhadores da Indústria automobilística) para que os sindicatos alinhem seus contratos para expirarem simultaneamente em 1º de maio de 2028. O UAW declara: “Após a vitória histórica da Greve Stand Up em 2023, o presidente do UAW, Shawn Fain, convocou o restante do movimento trabalhista a se juntar ao nosso sindicato na preparação para a greve do Primeiro de Maio em 2028. O Primeiro de Maio é o Dia Internacional dos Trabalhadores e é a nossa oportunidade de criar uma crise para arrancar da classe bilionária mais para todos nós. Sabemos que, quando os trabalhadores alinham suas lutas no mesmo cronograma, temos mais influência do que se estivéssemos sozinhos. O que aconteceria se fizéssemos isso não apenas em uma rede corporativa ou sindicato, mas em todo o país e no movimento trabalhista? Agora é a hora de nos prepararmos para criar essa crise para os patrões.”
Embora esses esforços representem claramente um passo positivo em direção a atividades comuns em torno dos direitos dos imigrantes, direitos democráticos e liberdades civis, o movimento ainda precisa de uma liderança genuína de classe que inclua as bases na tomada de decisões em todos os níveis. Precisamos de um movimento trabalhista que possa mobilizar milhões de trabalhadores nas ruas e fechar setores importantes da economia.
Trabalhadores sindicalizados e não sindicalizados devem se perguntar: Onde está a direção da AFL-CIO? Por que a principal federação sindical do país não convoca uma greve geral ou mesmo uma marcha massiva em Washington, D.C., que possa interromper imediatamente os ataques de Trump? Por que a AFL-CIO não convocou uma Conferência trabalhista de emergência onde os sindicatos e seus membros possam debater e votar democraticamente um plano para impedir as batidas, defender nossos sindicatos e proteger nossos direitos?
Que opções os ativistas sindicais com consciência de classe têm para politizar e convencer seus sindicatos de uma perspectiva de classe? Uma direção dos trabalhadores verdadeiramente militante e democrática pode ser o catalisador para uma oposição significativa ao autoritarismo e levar à construção de um partido operário de massas.
Vamos construir uma esquerda classista nos sindicatos!
A história do movimento operário está repleta de lutas vitoriosas, impulsionadas por iniciativas de base, e também de traições por parte de burocratas sindicais que tentam sufocar a auto-organização dos trabalhadores. O caminho para a construção de um sindicato combativo é uma luta complexa que exige esforços sustentados e consistentes para construir experiências com companheiros de base. Estas experiências mostrarão exatamente até onde a direção sindical está disposta a chegar à luta contra a patronal ou o governo. O primeiro passo é tão simples quanto iniciar conversas com companheiros de trabalho no chão de fábrica.
Os sindicalistas que buscam transformar seus sindicatos em organizações de luta democrática podem liderar campanhas como a L4D ou se organizar em defesa de David Huerta, Lewelyn Dixon, Kilmar Abrego García e os 14 trabalhadores rurais detidos pelo ICE. Cada um desses casos oferece aos sindicalistas a oportunidade de construir apoio popular por meio de debates diários e, em seguida, apresentar resoluções com planos de ação em suas reuniões sindicais. Cada debate e esforço, bem-sucedido ou não, alimenta a politização da vida na base e dentro do sindicato. Os ativistas sindicais devem trabalhar dentro e fora de seus sindicatos, em conjunto com organizações de justiça social. Desta forma, eles podem começar a integrar o trabalho organizado às lutas sociais, ao mesmo tempo em que integram essas lutas à vida do sindicato.
Muitos dirigentes sindicais acreditam que a única maneira de engajar os membros é por meio de questões econômicas básicas, como salários e benefícios. Mas isso não é necessariamente verdade. Muitas vezes, os membros se tornam mais ativos quando participam de ações fora da empresa que abordam questões políticas que também impactam profundamente suas vidas.
Por questões políticas, não nos referimos a fazer campanha para candidatos do Partido Democrata. Na verdade, a maneira mais eficaz para as organizações da classe trabalhadora construírem o movimento é manter seus esforços independentes do Partido Democrata.
O Partido Democrata quer apenas três coisas dos trabalhadores sindicalizados: dinheiro, votos e desmobilizar iniciativas independentes que podem, em última análise, levar a greves e ações mais militantes que afetam os lucros dos empregadores. Os partidos Democrata e Republicano representam a classe capitalista. Os trabalhadores não têm nada a ganhar colaborando com os gerentes no local de trabalho, então por que deveriam se contentar em colaborar com os dois partidos que governam o capitalismo americano? Para que os trabalhadores realmente enfrentem os dois principais partidos capitalistas, eles precisam encontrar uma maneira de formar seu próprio partido, um partido operário.
A construção de um partido operário ou mesmo convocar uma greve geral pode não estar na agenda imediata da classe trabalhadora. Mas estamos ansiosos para agir. Os ativistas sindicais devem estar presentes em todos os comícios “No Kings”[3], manifestações pelos direitos dos imigrantes, marchas do Orgulho, eventos do Labor for Democracy, ações contra a brutalidade policial ou qualquer outro lugar onde a classe trabalhadora esteja em movimento e onde seja possível encontrar outros ativistas sindicais com ideias semelhantes para continuar construindo uma esquerda classista dentro do movimento operário.
[1] Cidades com grande presença de imigrantes sem documentos que tem políticas locais mais favoráveis à imigração do que outras partes do país. Exemplos: Los Angeles, Nova York, Houston, Chigaco ou Atlanta, ndt;
[2] Truth Social é uma plataforma de mídia social lançada pelo Trump Media & Technology Group (TMTG), fundada pelo ex-presidente dos EUA, Donald Trump, ndt;
[3] Protestos contra os ataques a imigrantes e a militarização na repressão utilizada contra os atos civis, ndt;.
Tradução: Rosangela Botelho