A luta pela educação pública e pelos direitos democráticos em nossas universidades

Por: Blanca León
O ensino superior nos Estados Unidos está enfrentando ataques sem precedentes. A ofensiva do governo Trump contra a liberdade acadêmica e a liberdade de expressão nos campus está combinada com enormes medidas de austeridade implementadas tanto pelo governo federal quanto pelas administrações estaduais, incluindo aqueles liderados pelo Partido Democrata.
O governo Trump implementou cortes drásticos no Departamento de Educação: mais de 1.300 trabalhadores foram demitidos até o momento e mais de 600 aceitaram pacotes de indenização. Além disso, a maioria dos subsídios federais para pesquisa e educação está em risco.
O Departamento de Educação dos EUA enviou cartas[1] a 60 universidades que declarou unilateralmente estarem sob investigação por suposto assédio antissemita a estudantes judeus nos campus que protestavam contra o genocídio dos palestinos patrocinado pelos EUA. Exige medidas reacionárias extremas, como demissão de estudantes, permitir o livre acesso dos militares ao campus ou fechamento de departamentos para preservar o financiamento federal.
A Columbia se tornou a primeira universidade diretamente afetada por essa chantagem retaliatória devido à cobertura da mídia dos protestos da Palestina Livre. Todos os seus subsídios federais, totalizando US$ 400 milhões, foram suspensos, apesar do compromisso da universidade com novas regras que eliminariam qualquer resquício de governança compartilhada, liberdade acadêmica ou autonomia universitária. Além disso, a Johns Hopkins teve que demitir 2.000 funcionários como resultados dos cortes de US$ 800 milhões nos programas da USAID. Certamente haverá mais demissões.
Esse ataque não é totalmente novo. No auge da agitação estudantil contra a Guerra do Vietnã, o governo Nixon discutiu a possibilidade de cortar o financiamento das universidades[2] em retaliação aos protestos no campus. Embora a ameaça nunca tenha sido concretizada, mais de 100 funcionários sem estabilidade foram demitidos por suas atividades políticas, e os estados intensificaram os esforços para criminalizar os protestos no campus. Os ataques atuais são mais ferozes e diretos, e expressam o medo do governo dos EUA de uma possível agitação estudantil maciça que arrastaria o movimento operário para as ruas.
A combinação de antissionismo e antissemitismo está sendo usada desta vez para criminalizar o movimento de libertação da Palestina e encorajar uma ofensiva contra as universidades, a liberdade acadêmica e as liberdades civis. O sequestro do ativista estudantil da Columbia, Mahmood Khalil, foi apenas a ponta do iceberg. A organização pró-Israel Betar US está compilando informações[3] sobre ativistas pró-palestinos em uma suposta “lista de deportação” que inclui indivíduos, tanto portadores de visto quanto cidadãos norte-americanos, que foi enviada ao FBI. Em resposta, mais de 1.000 professores judeus emitiram uma carta pública denunciando o uso de “alegações cínicas de antissemitismo para assediar, expulsar, prender ou deportar membros de nossas comunidades universitárias” e acusando o governo Trump de usar os judeus como escudo para justificar um ataque descarado à dissidência política e à independência universitária.
A questão da discriminação contra os judeus também tem sido usada como arma para atacar os programas do DEI, em especial o Currículo de Estudos Étnicos Liberados[4] em escolas e universidades, por meio de organizações sionistas de extrema direita disfarçadas de Mães Contra o Antissemitismo no Campus (MACA)[5].
Na Califórnia e Ohio também estão desmantelando seus sistemas universitários estaduais, e os cortes federais também estão afetando outros sistemas públicos, como os do Kansas e do Tennessee. Na Califórnia, o governador Newsom propôs um corte de 7,95% no financiamento da educação quando o Estado estava prevendo um déficit orçamentário, uma medida que foi contestado desde então. Esses cortes, somados as demissões em andamento e os cortes de programas em vários campus, podem significar que o sistema da Universidade Estadual da Califórnia (CSU) receberá o golpe final no desmantelamento estatal de um dos maiores sistemas de universidades públicos do país, com 450.000 alunos.
Na Conferência Unidos pela Defesa da Educação Pública[6], em 22 de fevereiro, ativistas da Universidade Estadual de São Francisco argumentaram que os cortes do governador são uma opção, não algo inevitável, dadas as reservas de US$ 27,5 bilhões[7] do Estado. No caso da má administração da CSU, como na maioria dos sistemas estaduais de ensino superior, há um conluio entre os políticos estaduais que cortam verbas da educação para financiar prisões e centros de detenção, e os conselhos diretores que acumulam fundos públicos para investi-los no mercado de ações. A CSU, por exemplo, tem US$ 7 bilhões de dinheiro dos contribuintes e das mensalidades dos estudantes investidos no mercado de ações e US$ 2 bilhões em reservas de caixa. Somente em 2024, US$ 94 milhões em lucros foram obtidos com esses investimentos, e esse dinheiro por si só seria suficiente para reverter à maioria das demissões em curso no campus e os déficits artificiais inventados para justificar a austeridade.
Os estudantes e os sindicatos estão exigindo cada vez mais uma auditoria externa e independente das finanças dos sistemas da CSU e da Universidade da Califórnia (UC) para garantir total transparência. Igualmente importante é exigir que a contabilidade de todas as finanças da universidade seja aberta aos estudantes e funcionários antes que qualquer corte seja feito, para que propostas alternativas possam ser apresentadas. Por exemplo, poderia ser demitido o número crescente de administradores com altos salários, começando pela remuneração total do reitor da CSU e do presidente da UC, que ganham US$ 930.000 e US$ 1,3 milhão, respectivamente; e as ações existentes e os retornos dos fundos patrimoniais poderiam ser vendidos ou reinvestidos na missão principal das universidades: ensino e pesquisa.
Em todo o país, os professores estão começando a se organizar contra esses ataques, apesar da crescente repressão. A Jornada Nacional de Ação em 17 de abril, organizado pela Coalizão para a Ação na Educação Superior, foi apoiado pela HELU (Higher Education Labor United), pela AAUP (Associação Americana de Professores Universitários) e pela FJPN (Faculty for Justice in Palestine Network).
O chamado[8] é pela defesa da autonomia trabalhista, pela liberdade de ensinar e aprender, pela educação como um direito civil, bem como pelo aumento da sindicalização no ensino superior e pelo uso do poder de greve para defender os direitos dos trabalhadores e a educação.
A Conferência da SFSU Unida para Defender a Educação, realizada em fevereiro, também endossou um Dia Nacional de Ação pela Educação Superior, a ser realizado em 17 de abril, para combinar a luta contra os cortes devastadores com a defesa dos direitos dos imigrantes e das liberdades civis. A conferência foi patrocinada pela CFA (Associação dos Professores da Califórnia), que representa 29.000 professores, bibliotecários e conselheiros do sistema CSU, e pela UAW 4311, que representa os trabalhadores estudantes. Contou com o apoio de grupos de estudantes e seções da FJP.
Além disso, a conferência de fevereiro levantou a necessidade de lutar pelo controle democrático total de nossas universidades e faculdades por professores, alunos e funcionários, em parceria com as comunidades da classe trabalhadora que as cercam. Isso significa avançar em direção a um modelo de governança democrática de baixo para cima, em que os representantes eleitos do corpo docente, dos funcionários e dos alunos elejam reitores e decanos e supervisionem o orçamento e as decisões financeiras de sua instituição, além de serem responsáveis pelo plano de estudos.
Precisamos de ação independente e massiva de estudantes e trabalhadores.
Muitos estudantes, funcionários e professores estão se perguntando como responder a essa guerra multifacetada contra as universidades e, acima de tudo, como continuar a se organizar diante da crescente repressão. Alguns ainda têm esperança de que os mesmos políticos do Partido Democrata que facilitam o desfinanciamento das universidades e dos serviços públicos lhes ofereçam uma saída, enquanto outros contam com ações espetaculares de vanguarda para atrair a atenção da mídia. No entanto, está claro que “ações radicais” isoladas sem apoio massivo só levarão a mais prisões, expulsões, demissões e deportações. Nenhuma atenção da mídia, por maior que seja, mudará a opinião daqueles que estão no poder, a menos que organizemos um grande número de pessoas para uma ação coletiva.
O movimento precisa adotar táticas acessíveis que facilitem sua própria defesa, onde grandes grupos possam se sentir seguros e confiantes em demonstrar seu apoio visível à causa, mas também desmoralizados ou amedrontados. Somente as ações maciças que unam diferentes setores com objetivos e mensagens nítidas reconstruirão gradualmente a confiança para revidar. Para envolver mais pessoas a ação, é importante começar do ponto de vista das pessoas, com conversas individuais, pequenas reuniões e eventos sociais para forjar relacionamentos fora do trabalho e da escola e superar a sensação de atomização e impotência vivenciada por alguns setores.
Também é verdade que qualquer esforço de lobby para aprovar uma legislação favorável é inútil, a menos que os trabalhadores se organizem por meio de ações coletivas para obter o que precisam. Em 2001, por exemplo, a CFA investiu recursos significativos na aprovação de uma promissora lei, a ACR 73, que aprovou um plano para financiar o aumento da densidade de professores titulares para 75% por meio da contratação de mais postos com possibilidade de titularidade e conversão do corpo docente em professores titulares. Isso teria melhorado drasticamente a qualidade da educação na CSU, com turmas menores, menos professores sobrecarregados e mais assessoramento e apoio aos estudantes.
O resultado? A densidade de postos[9] no sistema estadual passou de 47% em 2001 para 44% em 2008 e 40% em 2018. Isso se deve ao fato de a legislatura nunca financiou totalmente a CSU e porque os fundos existentes eram constantemente desviados pelos administradores da CSU, que, em vez disso, contrataram mais administradores. Todo o dinheiro e os recursos gastos em lobby não serviram para impedir as políticas neoliberais gananciosas e a demanda constante para reduzir o custo da educação.
Apesar dessa traição, o sindicato não interrompeu sua contribuição ao Partido Democrata nem redirecionou seus recursos para uma organização genuína. A primeira greve estadual do CFA ocorreu em 2023 e foi, em grande parte, o resultado de uma insurgência contínua de base e da luta de classes liderada por organizadores sindicais na SFSU, CSULA e outros campus. No entanto, a CFA não é a única a promover a estratégia fracassada de confiar no poder para fazer mudanças, em vez de capacitar estudantes e trabalhadores a lutar por suas necessidades. Em 2024, um dos maiores sindicatos de educação do país, o NEA, gastou mais de US$ 39 milhões em atividades políticas e lobby e outros US$ 127 milhões em contribuições, doações e subsídios a autoridades eleitas (ou 38% de seu orçamento total), mas apenas 9% em atividades de representação de membros.
Se os sindicatos aplicassem todo o dinheiro gasto em lobby na organização das bases para greves e movimentos maciços em defesa da educação e das liberdades civis, as chances de vitória dos trabalhadores contra novos ataques triplicariam ou quadruplicariam. É urgente que todos os sindicatos comecem a criar fundos de greve para fornecer os recursos materiais necessários para sustentar greves prolongadas e conquistar suas reivindicações.
Esta não é a primeira vez que os trabalhadores tiveram que se organizar para conquistar e preservar seus direitos educacionais. Devemos aprender com nossos sucessos anteriores. Em 2009, um poderoso movimento pela educação pública surgiu na Califórnia em resposta às medidas de austeridade impostas pela legislatura estadual e pelas administrações da UC e da CSU, que incluíam grandes aumentos nas mensalidades, cortes salariais, cortes de programas e licenças. Naquela época, os estudantes e trabalhadores da UC organizaram grandes assembleias gerais, com manifestações cada vez maiores e amplas reuniões de organização que culminaram em greves. No início, porém, os ativistas tiveram de dar pequenos passos: primeiro, reunir um grupo de ativistas para transformá-los em organizadores, o que conseguiram por meio de anúncios em salas de aula, mesas de debates e conversas individuais para envolver outras pessoas.
Organizar e desenvolver um grupo de quadros experientes no movimento, com políticas cada vez mais consolidadas, e mobilizar um grande número de pessoas por meio de manifestações e marchas são dois aspectos diferentes da construção do movimento. Ambos guardam uma relação dialética. Para expandir o movimento, os ativistas da UC organizaram uma conferência estadual no outono de 2009 que convocou um Dia de Ação na Califórnia pela Educação Pública em 4 de março de 2010. Dezenas de sindicatos locais de educação endossaram a iniciativa, e dezenas de milhares de pessoas se manifestaram em todas as cidades exigindo financiamento. Como resultado, e para apaziguar a crescente agitação nos campus, o governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, teve de devolver US$ 300 milhões ao orçamento da UC em outubro de 2010. Outras ações maciças naquele outono levaram à revogação do anunciado aumento de 81% nas mensalidades em 2011.
Da mesma forma, em 2018, os professores do Arizona, Virgínia Ocidental, Oklahoma e Kentucky protagonizaram a Revolta dos Estados Vermelhos, com greves maciças não autorizadas. Eles organizaram estudantes e professores, com participação ativa da comunidade, contra cortes salariais e cortes em seus direitos de assistência médica e aposentadoria. Também obtiveram vitórias significativas, como a dos professores da Virgínia Ocidental que, após uma greve de nove dias, conquistaram um aumento salarial de 5% para os professores e todos os funcionários estaduais.
Nesses casos, a ação de massa funcionou porque foi capaz de se basear nas estruturas de organização existentes – ou seja, redes de organizadores sindicais experientes e de classe – que realizaram o trabalho paciente e constante de organização democrática a partir de baixo. Para sustentar essas lutas, os trabalhadores precisam criar estruturas de longo prazo que possam ajudar a moldar, ampliar e liderar os movimentos de massa. Se os trabalhadores e estudantes estiverem organizados, poderão evitar ser pegos de surpresa e despreparados para lutar contra a austeridade, defender os direitos do povo palestino e outras questões sociais.
O Partido Democrata sempre trabalhou para desmobilizar os movimentos de massa e canalizar sua energia para a ação eleitoral. Um dos exemplos mais claros disso é a forma como os democratas aproveitaram a indignação popular em relação à revogação do caso Roe versus Wade e tentaram redirecioná-la para as urnas, promovendo o slogan “hoje marchamos, amanhã votamos”. Nenhum tipo de pressão política restaurará o financiamento público de que precisamos para fornecer educação pública de qualidade e serviços sociais gratuitos para a classe trabalhadora. Somente uma ação de massa sustentada e organizada alcançará esse objetivo.
O que é necessário hoje é impor uma reversão total das prioridades orçamentárias que os democratas e os republicanos apoiam há décadas. As corporações e os bilionários recebem incentivos fiscais, enquanto os salários dos trabalhadores estagnam, e nossos impostos se destinam para financiar guerras, ocupações, mais centros de detenção e prisões privadas e a militarização das fronteiras, enquanto a educação, os serviços sociais e o escasso sistema de saúde público subsidiado com financiamento público que nos resta, como o Medicare, são desmantelados.
Para derrotar o contínuo subfinanciamento da educação e dos serviços públicos, precisamos reverter essas prioridades orçamentárias voltadas para o lucro e guerra. Para atingir essa meta, será preciso mais do que lobby e manifestações esporádicas. Precisamos de um poderoso movimento de massa para defender a educação pública e os direitos democráticos, um movimento que se enraíze profundamente entre os estudantes, sindicatos e comunidades e promova uma greve confiável. Quando os políticos das grandes empresas veem protestos cujos manifestantes e líderes trabalham diariamente para manter as luzes acesas, as prateleiras das lojas abastecidas, os caminhões e trens em movimento e o exército marchando, ficam preocupados com sua capacidade de manter seu domínio de classe.
Vamos construir nossas infraestruturas de luta agora!
As mobilizações de massa do passado se mostraram populares e ajudaram a resistir a novos cortes no ensino superior e a defender nossos direitos, mas a batalha contra a implementação do Projeto 2025 está apenas começando. A lição central da organização, extraída de todos esses episódios de luta e vitórias, é que, como explicamos, não há substituto para as ações de amplos setores da sociedade. Essas ações nunca foram o resultado de mera ação espontânea; todas elas tiveram organizadores experientes em seu núcleo. Sem uma organização consciente, os movimentos tendem a carecer de agilidade tática e estratégica e, talvez o mais importante, de uma liderança responsável que possa garantir vitórias duradouras.
Portanto, à medida que lutamos para promover a ação em massa, também precisamos construir nossas infraestruturas de luta, como começamos a fazer com as convenções populares e democráticas para a Palestina na Califórnia e em Connecticut no outono de 2024, a primeira Conferência de Defesa da Educação Pública em fevereiro, as assembleias gerais regulares do Sindicato dos Estudantes da SFSU ou as reuniões de organização nacional em andamento da CAHE. Seu objetivo é começar a criar estruturas para coordenar o ativismo estudantil em defesa de nossos direitos democráticos e da educação.
Em nossos campus e escolas, precisamos organizar uma unidade muito mais forte de nossas comunidades universitárias contra esse ataque multifacetado. Isso significa trabalhar para unir o corpo docente, todos os setores da equipe escolar e as muitas comunidades que compõem nosso corpo discente, incluindo as comunidades mais afetadas: estudantes imigrantes e sem documentos, ativistas pró-Palestina, estudantes com deficiência e a comunidade LGBTQ. Devemos ir além dos abstratos “espaços seguros” e, em vez disso, construir uma cultura política inclusiva que combine respeito, educação ativa contra comportamentos opressivos e apoio material para garantir a participação igualitária quando necessário (tradução, creche etc.).
A perspectiva atual é continuar construindo bases de luta nas seções dos sindicatos e nos campus em todo o Estado, multiplicando nossas conversas e organizando reuniões. Precisamos de flexibilidade tática para mobilizar as bases sindicais e estudantis. Nos sindicatos, isso pode ser feito por meio de grupos de base, comitês departamentais e órgãos de organização patrocinados pela direção. No caso dos estudantes, isso pode ser feito por meio da criação de sindicatos estudantis, grupos universitários de justiça social ou grupos socialistas. Devemos estar preparados para perceber que, às vezes, esse trabalho de organização paciente parece avançar em ritmo de tartaruga e, ao mesmo tempo, nos comprometer a realizá-lo por meio de um processo insistente e democrático de unificação das lutas em nossos campus e em todo o Estado.
Igualmente importante é aumentar a sindicalização de todos os funcionários acadêmicos, desde estudantes trabalhadores e assistentes de ensino de pós-graduação até professores titulares, professores com contrato permanente e pesquisadores. A NLRB ainda proíbe a sindicalização de professores titulares em universidades privadas. Na última década, uma onda de sindicalização de assistentes de ensino e professores titulares melhorou a densidade sindical no setor de ensino superior, bem como a nova combatividade de alguns sindicatos, impulsionada pelas suas bases. O último relatório 2024 da AAUP[10] sobre o estado da negociação coletiva indica que 27% do corpo docente dos EUA é sindicalizado, um aumento de 4,5% nos últimos dois anos.
Este é o trabalho de longo prazo que fará a diferença: a auto-organização democrática de trabalhadores e estudantes, a obrigação de solidariedade e unidade na luta e o processo contínuo de mobilização que pode aumentar tanto o número de trabalhadores em ação quanto seu poder organizado para enfrentar o ataque.
Igualmente importante é construir organizações socialistas revolucionárias, como a Workers’ Voice (A Voz Operária), que estejam a serviço dessas lutas, transmitindo o conhecimento de gerações de organizadores com experiência de luta e vitória contra os ataques da classe capitalista. Mais importante ainda, os socialistas oferecem oportunidades para que trabalhadores e estudantes se eduquem sobre as causas fundamentais desses problemas sistêmicos e as conexões entre lutas aparentemente independentes. Nosso objetivo final é desenvolver, organizar e combinar esses movimentos de massa para direcioná-los contra o próprio sistema capitalista, construindo concretamente o poder operário e colocando a necessidade de um governo dos trabalhadores.
Desfazendo os princípios básicos da educação capitalista
Enquanto lutam contra os ataques à educação, nós, os socialistas concordam com aqueles que apontam que o sistema de educação pública nunca foi excelente. Queremos defender a educação e os direitos democráticos que a classe trabalhadora adquiriu através da luta e, ao mesmo tempo, fortalecer a capacidade de transformar radicalmente o sistema educacional. O capitalismo sempre desenvolveu sistemas educacionais com preconceitos inerentes de classe, raça e gênero. Seus objetivos iniciais eram oferecer educação apenas para os filhos da elite econômica branca, enquanto as massas, em geral, não tinham acesso à educação. A expansão progressiva do acesso à educação para a classe trabalhadora e, especialmente, para as mulheres e as comunidades negras e latinas, foi alcançada sob a pressão de uma intensa luta de classes, incluindo uma Guerra Civil.
O desenvolvimento de universidades e faculdades públicas nos Estados Unidos é um fenômeno relativamente recente. Antes da Segunda Guerra Mundial, o ensino superior era em grande parte privado e restrito a uma pequena elite. Na década de 1960, os Estados implementaram um plano ambicioso para estabelecer sistemas públicos de ensino superior. Entretanto, essa promessa de fornecer “educação para as massas” nos Estados Unidos não foi o resultado de uma generosa mudança de atitude da classe dominante. Ela respondeu à necessidade de formar uma força de trabalho mais qualificada para a economia imperialista em expansão, que aspirava dominar os mercados com produção industrial e tecnológica avançada.
Em geral, o capitalismo considera a educação como parte da tarefa geral de reprodução social para produzir e treinar novas gerações de trabalhadores. Para os patrões, a educação nunca foi um fim em si mesma. Isso significa que os Estados capitalistas só têm proporcionado acesso à educação na medida em que ela cumpra os principais objetivos: concentrar-se no desenvolvimento de habilidades e na formação em lugar do pensamento crítico, estabelecer classificação e avaliação permanentes para socializar as crianças nas normas de competição do mercado de trabalho, absorver versões distorcidas e ideológicas da história que apagam todos os crimes do colonialismo e do imperialismo, bem como todas as lutas de resistência dos trabalhadores e, acima de tudo, ensinar os jovens a obedecer às regras ou serem punidos.
No caso da Califórnia, por exemplo, o Plano Diretor de Educação de 1960, que criou os sistemas de Colégios Comunitários (CC), a Universidade Estatal da Califórnia (CSU) e a Universidade da Califórnia (UC), foi projetado para oferecer educação gratuita. Na década de 1990, essa promessa foi quebrada com a crescente privatização da UC por meio do aumento das mensalidades estudantis e, na última década, um processo semelhante foi iniciado nas CSUs. Hoje, por exemplo, para um residente da Califórnia, o custo anual de frequentar a UC Berkeley é de US$ 16.600 e US$ 7.900 para a SFSU.
Entretanto, o Plano Diretor não foi projetado para oferecer a mesma educação a todos. Desde o início, foi um sistema de seleção de classes estratificado e escalonado, no qual o acesso universal era concedido apenas às faculdades comunitárias, que não concedem diplomas e se concentram em treinamento técnico, enquanto apenas uma minoria podia acessar as faculdades da Universidade da Califórnia (UC). Embora seja necessário reverter as medidas de privatização e opor-se veementemente a qualquer aumento futuro das mensalidades, a luta não pode ser simplesmente para “restaurar” o plano inicial, mas para repensar o que deve ser uma verdadeira universidade popular.
O sistema de educação pública capitalista foi projetado para reproduzir um conjunto de relações e socializar a todos nós de uma determinada maneira, para que funcionemos melhor em uma sociedade capitalista, racista e sexista. Todos os alunos são naturalmente socializados em cenários de escassez estrutural (de boas notas, atenção, alimentação, livros e outros recursos), a fim de fomentar o individualismo e ensiná-los a sobreviver por meio da competição e da rivalidade, e a tirar proveito, desde cedo, das relações institucionalizadas de dominação, como as de gênero e raça.
Em contraste com esse modelo, os socialistas defendem um modelo educacional que não seja apenas totalmente financiado e acessível a todos, mas que também tenha um conteúdo e um método de ensino radicalmente diferentes, onde o conhecimento e a pedagogia devam ser desenvolvidos para promover em todos os jovens as capacidades intelectuais e criativas e as habilidades sociais necessárias para viver em comunidade. Esse seria um modelo de educação para a libertação.
Isso significa que, ao mesmo tempo em que lutamos contra os cortes, também devemos levantar a necessidade de preservar e expandir os programas e conteúdos educacionais que ensinam aos alunos a história real da luta de classes e que transcendem todas as disciplinas. Devemos também explicar como o conhecimento tem sido usado para fins lucrativos e para perpetuar a exploração e a opressão. Nosso objetivo é usar a educação para o propósito oposto: emancipação social e política. É por isso que defendemos veementemente a liberdade acadêmica.
Os professores socialistas também se esforçam para transformar as relações sociais entre seus companheiros e alunos na sala de aula e nos espaços organizacionais. Nossas relações organizacionais e pedagógicas também são relações sociais e políticas, e devemos moldar uma alternativa combatendo ativamente a opressão, abraçando a igualdade radical entre nós, o direito e o respeito à discordância, a necessidade de cooperação e solidariedade, bem como a necessidade de respeitar as decisões coletivas para o sucesso de nossos esforços coletivos.
Para além das questões básicas: combinar as lutas
A guerra contra as universidades não é apenas um ataque econômico aos trabalhadores da educação – por meio de demissões, cortes salariais, cortes de financiamento, licenças e deportações – nem aos estudantes por meio do fechamento de escolas, cortes nos programas acadêmicos e aumentos das mensalidades. Também faz parte do ataque às liberdades civis e aos direitos democráticos, pois ataca o direito à liberdade de expressão e de reunião nos campus, bem como a aspiração dos jovens de estabelecer escolas e universidades santuário, onde estudantes e professores possam proteger seus colegas e companheiros de trabalho, sob ataque de Trump e da extrema direita.
Portanto, foi importante que a convocatória de 17 de abril apresentasse uma plataforma que combinasse essas lutas. A conferência da SFSU adotou uma plataforma[11] que apoiava ao chamado das universidades santuário, exigindo “nenhum ICE no campus” e “nenhuma colaboração com o ICE”, exigindo “proteção do direito dos estudantes de aprender sem intimidação ou vigilância pela polícia do campus e das forças policiais estaduais ou federais”, “o desenvolvimento de alternativas ao policiamento” e “proteção e segurança para pessoas LGBTQ+/trans”.
O documento também exige uma firme defesa dos direitos trabalhistas, das liberdades civis e da liberdade acadêmica, bem como da justiça social antirracista, e se opõe abertamente às tentativas contínuas de sufocar e retirar o financiamento dos programas de DEI, mulheres e gênero, indígenas, afro-americanos, latinos e outros estudos étnicos. Por fim, desafia a falácia da “neutralidade institucional”, especialmente em um momento em que a liberdade acadêmica e a pesquisa com financiamento público estão sob ataque, prejudicando diretamente o aprendizado dos alunos e nossos direitos como docentes.
Não podemos permitir que pequenos movimentos que defendem nossos direitos democráticos sejam divididos por suas próprias questões; precisamos estabelecer as bases para, no final, unir todos eles. Para construir essa unidade, os sindicatos de educação devem se unir à luta pelos direitos dos imigrantes, pela ação afirmativa e liberdade de expressão na Palestina e direitos trans. A educação não é possível em um clima de medo, onde os campus e escolas estão sob rigorosa vigilância policial, em que estudantes e trabalhadores não sabem se o Serviço de Imigração e Controle das Fronteiras (ICE) virá amanhã para prendê-los ou deportá-los, ou se serão assediados ou agredidos por usar o banheiro “errado”.
Hoje, a defesa do direito à educação só pode ser eficaz por meio da organização coletiva nas bases. É necessária uma solidariedade ativa e organizada para combater o medo generalizado e as suposições de que, em última instância, a polícia e a administração do campus seriam legalmente obrigadas a colaborar com o ICE e o DHS para deter e deportar membros da comunidade. O corpo docente e os alunos já estão realizando workshops conjuntos “Conheça seus direitos” e elaborando planos para defender nossos direitos quando um agente do ICE bater à porta de uma sala de aula ou de um dormitório. Eles também estão exigindo que os programas de “DEI” sejam isentos de cortes e que sejam instituídas ou garantidas às proteções para pessoas trans e LBTQ.
Em última análise, devemos ir além das demandas por reformas e apresentar um programa que construa uma ponte para uma nova consciência revolucionária: um programa de transição para uma economia que atenda às necessidades dos trabalhadores e garanta nossa libertação. É evidente que nós, os socialistas, não nos opomos às reformas, mas não as vemos como um fim em si mesmo. Em vez disso, é necessário combinar as lutas reformistas com a luta pela revolução.
Em última análise, o papel dos socialistas não é apenas ser os melhores organizadores das lutas cotidianas, mas também conectá-las à luta pelo socialismo. Isso significa explicar pacientemente que a única estratégia viável para acabar com a crise na educação pública e também com a crise ambiental é construir nosso próprio poder de classe para obter os recursos de que precisamos por meio de medidas socialistas, medidas que priorizem as pessoas em detrimento dos lucros e devolvam o controle da economia à classe trabalhadora.
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Foto: Estudantes da Universidade Estadual de São Francisco saíram de suas salas de aula e fizeram uma manifestação para protestar contra a incursão israelense em Gaza em outubro de 2023. (Neal Wong / Golden Gate Xpress)
[1] https://www.ed.gov/about/news/press-release/us-department-of-educations-office-civil-rights-sends-letters-60-universities-under-investigation-antisemitic-discrimination-and-harassment
[2] https://www.theatlantic.com/ideas/archive/2019/11/the-gop-appointees-who-defied-the-president/602230/
[3] https://www.theguardian.com/us-news/2025/mar/14/israel-betar-deportation-list-trump
[4] https://www.liberatedethnicstudies.org/
[5] https://karolmarkowicz.substack.com/p/how-i-got-kicked-out-of-a-mothers
[6] https://sites.google.com/view/forpublichighered/home?authuser=0
[7] https://calbudgetcenter.org/resources/understanding-the-governors-2025-26-state-budget-proposal/#h-governor-s-budget-proposal-includes-withdrawal-of-reserve-funds-proposes-changes-to-reserves-policies
[8] https://www.dayofactionforhighered.org/agenda
[9] https://www.calfac.org/wp-content/uploads/2021/10/Tables_CSU-Instructional-Faculty-by-Tenure-Status-Systemwide-1985-2018.pdf
[10] https://academeblog.org/2024/10/18/from-the-editor-the-state-of-faculty-unions/
[11] https://sites.google.com/view/forpublichighered/platform?authuser=0
Tradução: Rosangela Botelho