Funcionários de Trump desafiam os tribunais e enviam imigrantes a uma prisão salvadorenha brutal

Por: Ben Martínez
Em 15 de março, o presidente Donald Trump assinou uma ordem executiva invocando a Lei de Inimigos Estrangeiros de 1798, uma lei de guerra que permitia ao governo deter e deportar cidadãos de uma “nação inimiga”. Naquela mesma noite, três aviões pousaram em El Salvador com 261 homens a bordo. O governo Trump tinha deportado os homens dos Estados Unidos, desafiando uma ordem judicial federal que determinava a devolução dos aviões. No entanto, apenas alguns eram salvadorenhos; a maioria dos deportados eram venezuelanos. Nenhum deles recebeu o devido processo. Ian ser transferidos para a superprisão de El Salvador, conhecida como Centro de Confinamento do Terrorismo (CECOT).
Os prisioneiros detidos foram forçados a se agachar e caminhar até seus transportes, sem nem poder olhar pelas janelas dos ônibus. De acordo com um agente do ICE -Imigração e Alfândega dos EUA- a bordo do avião, os deportados tentaram assumir o controle do avião e, em resposta, o diretor da prisão disse a seus homens: “Mostre [aos deportados] que eles não têm o controle”. Assim o fizeram; uma vez que chegaram ao seu destino em El Salvador, a prisão de segurança máxima CECOT, os guardas demonstraram seu controle sobre os prisioneiros. Continuaram a segurá-los, esbofeteando-os. Um jovem que havia sido empurrado para o chão queixou-se aos guardas: “Não sou membro de gangue. Sou gay. Sou um barbeiro.”
Essas palavras caíram em ouvidos surdos. Finalmente, ele e os outros foram levados para a sala de admissão, onde rasparam suas cabeças e foram despidos. Esse mesmo homem, o barbeiro, chorou em oração e pediu para ligar para sua mãe. A resposta do guarda foi apenas esbofeteá-lo novamente. De acordo com sua família e Lindsay Toczylowski, fundadora do Immigrant Defenders Law Center, o nome do barbeiro é Andry Jose Hernandez Romero. Tem 31 anos e é maquiador. Havia pedido asilo há um ano por ser gay e se opor ao presidente venezuelano Nicolás Maduro. Não tinha antecedentes criminais nos Estados Unidos ou na Venezuela, mas suas tatuagens – duas pequenas coroas com as palavras “papai” e “mamãe” – foram suficientes para que os funcionários da imigração o prendessem, sem o devido processo. A sra. Toczylowski, que representa Hernández, disse que perdeu contato com ele em 15 de março, no mesmo dia em que foi enviado a El Salvador.
Sentenças judiciais sobre Kilmar Abrego García
O governo Trump também deportou Kilmar Armando Abrego García, um refugiado salvadorenho com status de proteção nos Estados Unidos. É pai e sindicalista, e mora no país há 14 anos, mas foi preso pelo ICE e acusado de ser membro de gangue sem provas. Os advogados de Abrego García afirmam que ele foi vítima de um “erro kafkiano” e que corre o risco de ser torturado e assassinado.
O governo reconheceu seu erro ao deter e deportar Ábrego García, mas afirma que é tarde demais para recuperá-lo, pois não tem mais jurisdição. As autoridades dos EUA foram ainda mais longe ao se recusarem a assumir a responsabilidade, alegando que “Ábrego García teve uma oportunidade plena e justa de litigar o assunto. Teve a oportunidade de apresentar evidências mostrando que não pertencia à MS-13 [uma gangue salvadorenha], as quais não ofereceu.” Mas como Abrego García poderia apresentar provas se foi preso sem o devido processo?
Em 15 de abril, a juíza distrital dos EUA Paula Xinis ordenou que funcionários do governo Trump apresentassem documentos escritos e explicações sobre as medidas que está tomando para facilitar o regresso de Abrego García de El Salvador. Nos últimos dias, os advogados do Departamento de Justiça tentaram repetidamente bloquear as ordens da juíza, argumentando que ela não tem autoridade para decidir sobre o caso, enquanto a Casa Branca se recusa firmemente a acatá-las. “Nenhum tribunal nos Estados Unidos tem o direito de dirigir a política externa dos Estados Unidos”, declarou o secretário de Estado Marco Rubio em 14 de abril.
Em 10 de abril, a Suprema Corte dos EUA ratificou parcialmente as decisões anteriores de Xinis, afirmando que o governo Trump deveria “facilitar” a libertação de Abrego García. No entanto, o Tribunal não concordou com a juíza Xinis de que a administração era obrigada a “efetuar” (ou seja, executar) seu regresso. Essa fraca decisão da Suprema Corte reforçou a afirmação dos funcionários de Trump de que não eram obrigados a acatar nenhuma decisão judicial de libertar Abrego Garcia ou qualquer outro deportado.
Durante sua visita à Casa Branca em 14 de abril, o presidente salvadorenho Bukele indicou, em resposta a perguntas da imprensa, que se recusaria a libertar Ábrego García. “Como posso devolvê-lo aos Estados Unidos?” perguntou Bukele. “Eu o contrabandeio para os Estados Unidos? Claro que não vou fazer isso. A pergunta é absurda.”
Durante a reunião, Trump elogiou Bukele como “um presidente excepcional”, reiterando sua recusa em tomar medidas para libertar Ábrego García. Também disse à imprensa que estava disposto a deportar cidadãos americanos para uma prisão em El Salvador: “Se for um criminoso local, não tenho problema”.
Muitas outras vítimas do governo Trump
Jerce Reyes Barrios foi outra vítima inocente do cruel programa de deportação do governo Trump. Ele é venezuelano, jogador de futebol profissional e treinador de jovens, sem antecedentes criminais. Desapareceu uma noite, e sua família só soube do que aconteceu quando o viram em vídeos virais de deportados em El Salvador, publicados pelo governo Trump. “Ficamos surpresos ao vê-lo nos vídeos postados nas redes sociais dos deportados para El Salvador”, escreveu seu tio, Jair Barrios, no Facebook. “Entramos em contato imediatamente com o advogado porque não aparecia nenhuma informação sobre ele no localizador do ICE.”
Reyes Barrios também estava buscando asilo e sua audiência estava marcada para 17 de abril. Acredita-se que ele teria obtido asilo devido aos seus antecedentes, depois de ter sido vítima do regime de Maduro. Barrios marchou contra o governo de Maduro, apenas para ser sequestrado e torturado por esse mesmo governo. Deixou a Venezuela para os Estados Unidos há cinco meses, onde recebeu o apoio de familiares e amigos. Mas Barrios tinha tatuagens, tatuagens de futebol e, como Hernandez, suas tatuagens foram usadas contra ele como prova de sua afiliação a uma gangue venezuelana conhecida como “Tren de Aragua” (doravante TdA).
Essa história é semelhante às que ouvimos sobre praticamente todas as pessoas enviadas para a megaprisão de El Salvador; um dia eles estavam com a família e amigos, e no outro desapareceram. Pudemos ver como essas pessoas puderam ter sido desaparecidas quando, em 25 de março, a estudante de doutorado da Tufts, Rumeysa Ozturk, foi cercada, detida e arrastada por agentes do ICE. A coisa toda foi gravada pela câmera, mostrando os agentes do ICE mascarados e em roupas civis, sem veículos policiais identificados, e nem mesmo anunciando que eram agentes do ICE até depois de tirar seu telefone e detê-la.
Outras pessoas inocentes foram pegas neste desastre. Outro barbeiro, Franco Jose Caraballo Tiapa, 26, foi detido pelo ICE em fevereiro e acusado pelo Departamento de Segurança Interna (DHS) de ser membro do TdA. Tiapa não tem antecedentes criminais nos Estados Unidos ou na Venezuela e, embora tenha tatuagens, o DHS não especificou se acreditavam que representavam a Tda.

Parece que o governo Trump deteve muitas pessoas por razões políticas. A administração afirma ter revogado os vistos de centenas de estudantes universitários. Em 9 de março, o ativista palestino e estudante de Columbia Mahmoud Khalil, portador de green card e casado com uma cidadã americana, foi detido pelo ICE. Em um processo judicial sobre o caso, o DHS apresentou um memorando do secretário de Estado Marco Rubio afirmando que a lei lhe dá o poder de decidir que uma pessoa deve ser deportada, mesmo que suas ações sejam “lícitas em outros aspectos”. Rubio escreveu que Khalil deveria ser deportado por causa de seu suposto papel em “protestos antissemitas e atividades perturbadoras” na universidade e porque suas ações minaram “a política dos EUA para combater o antissemitismo em todo o mundo”. Um juiz de imigração decidiu em 12 de abril que, com base nesses fundamentos, Khalil pode ser deportado, mesmo que não tenham sido apresentadas provas concretas para verificar as acusações.
Em 26 de março, o trabalhador rural e sindicalista Alfredo Juárez Zeferino foi detido pelo ICE. Em 19 de março, a ativista dos direitos dos imigrantes Jeanette Vizguerra também foi detida. Em 14 de abril, outro ativista estudantil palestino nascido em Columbia e residente permanente dos Estados Unidos, Mohsen Modawi, foi preso depois de participar de sua entrevista de naturalização em Vermont. Inclusive enquanto menciono essas pessoas, as incursões e sequestros do ICE continuam e não se sabe se essas pessoas serão deportadas para seu país de origem, para o Centro de Confinamento do Terrorismo (CECOT) em El Salvador, ou se apodrecerão nas prisões privadas que foram usadas para deter migrantes no passado.
Essas pessoas foram sequestradas pelo ICE, e muitas delas estão agora em El Salvador com poucas chances de voltar para casa. De acordo com o czar da fronteira, Tom Homan, essas vítimas não merecem o devido processo: “Devido processo?” ele bufou. “Onde estava o devido processo de Laken Riley? Onde estavam todas essas jovens assassinadas e estupradas por membros do TdA? Onde estava seu devido processo?”
Laken Riley era uma jovem inocente assassinada por José Ibarra, um venezuelano que tinha tido problemas com a lei, mas que foi libertado da prisão antes de assassiná-la. Infelizmente, a direita, como sempre, explorou sua morte para fins de propaganda, e agora há funcionários do governo que consideram que o devido processo não é necessário devido à sua morte. Mas não é o devido processo que separa aqueles que cumprem a lei daqueles que não a cumprem? Não é o devido processo legal que mostra ao mundo que avançamos desde a época em que uma criança poderia ter a mão cortada por roubar um pedaço de pão?
Agenda de Trump
Donald Trump deixou nítidas suas intenções em relação aos imigrantes, mas poucos previram a ferocidade com que se comprometeria com seus objetivos. Quantos poderiam imaginar que o governo Trump nem sequer deportaria esses imigrantes para seus países de origem, mas, em vez disso, os enviaria para confinamento na superprisão de El Salvador, CECOT? O fato de alguns juízes terem tentado impedir o processo de deportação do governo Trump só fez com que o ICE e a agência de imigração agissem com mais rapidez e sigilo. Algumas das prisões ordenadas pelo tribunal ocorreram quando os aviões já estavam no ar.
Como Trump se safa disso? Bem, além de ser um presidente capitalista em um país capitalista, Trump invocou a Lei de Inimigos Estrangeiros de 1798 para atingir seus objetivos.
A Lei de Inimigos Estrangeiros de 1798 foi aprovada como parte das Leis de Estrangeiros e Sedição, uma série de leis aprovadas (apesar da oposição feroz) pelo Congresso dos Estados Unidos, de maioria federalista, devido aos crescentes temores de guerra com a França e ao suposto perigo de ações subversivas pró-jacobinas dentro dos Estados Unidos. Entre suas medidas, as leis de emergência estabeleciam que falar ou escrever publicamente contra o governo poderia ser considerado um ato de difamação, ou mesmo traição, com penas de prisão ou multas pesadas.
De acordo com a Lei de Inimigos Estrangeiros, o presidente pode autorizar a prisão, realocação ou deportação de qualquer homem com mais de 14 anos de um país estrangeiro inimigo. Embora as outras leis das Leis de Estrangeiros e Sedição tenham caducado, a Lei de Inimigos Estrangeiros permaneceu em vigor. Esta lei só foi invocada em três ocasiões: a primeira contra cidadãos britânicos durante a Guerra de 1812 e a segunda durante a Primeira Guerra Mundial contra cidadãos das Potências Centrais. A terceira, e mais infame, foi durante a Segunda Guerra Mundial contra cidadãos das Potências do Eixo. Embora tenha sido usada para deter estrangeiros alemães e italianos, tanto os estrangeiros japoneses quanto os estadunidenses de origem japonesa, nativos ou naturalizados, também foram detidos por anos em campos de concentração.
Como mostra a história, a lei foi criada simplesmente como uma resposta ao medo: medo de perder o controle e medo do “outro”. Não é por acaso que essa lei não expirou. Não é surpresa que alguém como Trump, que baseou sua candidatura e presidência no medo do outro, tenha invocado a Lei de Inimigos Estrangeiros de 1798, dando a ele e ao governo predominantemente republicano jurisdição sobre quem constitui uma ameaça.
Mas mesmo a lei tem detalhes específicos; só pode ser usada em tempos de guerra. Não estamos em guerra com a Venezuela ou El Salvador. Mas Trump encontrou uma solução ao designar a gangue venezuelana El TdA como uma organização terrorista estrangeira em 20 de fevereiro de 2025. Como vimos durante a era Bush, é mais fácil para o estado capitalista alcançar o poder de massa quando rotula alguém como terrorista.
O que é “Tren De Aragua”?
Parece que só em 2024 o nome da gangue começou a soar. O “Tren de Aragua” é uma organização criminosa fundada em 2014 e se espalhou para além do estado onde foi fundada: Aragua, Venezuela. Está presente no Peru, Chile e Colômbia, onde entraram em confronto com guerrilheiros de esquerda FARC-Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia e ELN-Exército de Libertação Nacional. A primeira vez que TdA apareceu no noticiário americano foi em Chicago e seus arredores. O chefe de Willow Springs, Garry McCarthy, estimou que eles estavam presentes entre os migrantes da cidade, mas o The Chicago Sun-Times não encontrou evidências. O Departamento de Polícia de Nova York (NYPD) afirmou que o TdA estava ligado a crimes violentos em Nova York em 2022, afirmando que seus membros viviam em albergues e bairros para migrantes da cidade.
Em 2024, imagens de vigilância de homens armados entrando em apartamentos em Aurora, Colorado, se tornaram virais, causando pânico em massa entre liberais e conservadores. O prefeito de Aurora, Mike Coffman, afirmou que a cidade “tinha perdido o controle” da infiltração de gangues “e estamos trabalhando energicamente para recuperá-lo”. Mais tarde, tentou se retratar de sua declaração afirmando que a cidade não estava sitiada, apenas vários apartamentos, mas já era tarde demais, pois a mídia de direita já havia partido para o ataque. Mas a verdade é que os moradores do prédio nem mesmo consideravam os membros de gangues armadas, se é que eram membros de gangues armadas, seu maior problema; em vez disso, era o proprietário. “Tenho percevejos no meu apartamento, baratas, ratos. Meus filhos estão todos cobertos de picadas”, disse Juan Carlos Alvarado Jimenez, um imigrante venezuelano que mora nos apartamentos The Edge at Lowry. “Não vejo nenhum delinquente aqui. Acho que todos nós sabemos quem são os verdadeiros delinquentes aqui.”
O Sr. Alvarado não seria o único inquilino irritado; muitos inquilinos compartilharam suas queixas, que se juntaram a defensores dos direitos dos inquilinos e organizadores comunitários. Em 13 de agosto de 2024, centenas de moradores, muitos deles imigrantes venezuelanos, foram despejados do Fitzsimons Place, um complexo de apartamentos de propriedade da CBZ Management. Isso ocorreu depois que a Câmara Municipal de Aurora (HD) declarou a propriedade inabitável. O complexo de apartamentos, de propriedade da CBZ Management, tinha problemas desde 2021, quando os moradores relataram pragas, acúmulo de lixo, grades danificadas, eletrodomésticos quebrados e telhados desmoronados. A CBZ Management voltaria a ser notícia em 2023, com os inquilinos queixando-se com Denver7 sobre mofo, goteiras, inundações e falta de calefação durante a maior parte do inverno.
Esses são os verdadeiros problemas que precisam ser abordados, mas, em vez disso, a direita conseguiu desviar a atenção dos problemas reais para algo que nem mesmo os inquilinos levam a sério. A direita conseguiu desviar a atenção das pessoas para que se concentrem no incidente de 20 de agosto, enquanto ignora três anos de sofrimento que os inquilinos tiveram que enfrentar. “A cidade está optando por se reunir com o proprietário e não está optando por ouvir diretamente dos inquilinos que têm anos e anos de evidências contra ele, e também merecem uma reunião para conversar com eles sobre as condições e a realidade da situação”, disse V. Reeves, organizador da Housekeys Action Network Denver, um grupo de defesa dos sem-teto. “Essas famílias merecem a oportunidade de ter recursos e tempo para se mudar para um local seguro.”
Foi esse incidente que colocou o TdA na mente de todos e, mesmo depois que a verdade foi revelada, já era tarde demais. Do MS-13 aos cartéis mexicanos e agora ao Tren de Aragua, a direita encontrou outro espectro para assustar as pessoas e impedi-las de reconhecer seu verdadeiro inimigo: a classe capitalista. O governo Trump sabe disso, e é por isso que os grupos mencionados foram declarados terroristas, dando ao governo dos EUA jurisdição para perseguir qualquer um que se encaixe em uma certa “distinção”. Assim, qualquer venezuelano com tatuagem está sendo detido, sem o devido processo, sem contato nem correspondência familiar e sem dignidade.
Trump e El Salvador
O governo Trump, para demonstrar sua seriedade, está enviando essas pessoas para o CECOT. O CECOT foi fundado em 2023 a pedido do presidente de El Salvador, Nayib Bukele. Nayib Bukele nasceu em uma família rica, chegando a afirmar que nasceu em um berço de ouro e que pôde frequentar a Escola Pan-Americana, exclusivamente para filhos de famílias ricas. No entanto, apesar de sua ascendência rica, ele se juntou ao partido de esquerda salvadorenho, a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), e inclusive ganhou eleições sob sua bandeira.
Em 2017, Bukele percebeu a situação: a maioria do povo salvadorenho parecia estar farta tanto do partido de direita ARENA quanto da reformista FMLN. Por isso, deixou o partido e criou o seu próprio, “Novas Ideias”. Inspirado por Trump, quis capitalizar a raiva tornando-se um populista e promovendo uma retórica antiestablishment, embora não tivesse uma ideologia definida. Mesmo assim, Bukele ganhou o voto popular com 53%.
Depois de ganhar a presidência, sua verdadeira identidade guiou seu curso político. Fortaleceu os laços com os Estados Unidos e dissolveu a Secretaria de Ação Social, uma organização focada em problemas sociais como pobreza, direitos humanos e injustiça. Reduziu os orçamentos de programas de apoio a mulheres e jovens, bem como outras medidas ligadas à assistência social. Ele também demitiu 3000 funcionários via Twitter e promoveu seu meio-irmão e tio a cargos públicos.
Tudo isso aconteceu em 2019, mas foi em 9 de fevereiro de 2020 que Bukele se tornou o homem que é hoje ao interromper, junto com sua comitiva militar, uma sessão da Assembleia Legislativa. A Assembleia rejeitou um empréstimo de US$ 109 milhões para a polícia, o que foi suficiente para Bukele liderar uma “insurreição popular”. O que deveria tê-lo destituído apenas aumentou sua popularidade e, em fevereiro de 2021, a maioria da Assembleia Legislativa era composta por membros do Novas Ideias e outros partidos de direita que o apoiavam.
Mas o que parece ser a força motriz de Bukele é sua guerra contra as gangues. Como muitos outros líderes populistas, Bukele anunciou que lutaria contra gangues em El Salvador com mão pesada. Promoveu um maior financiamento para a polícia, armando-a até os dentes, mas sua verdadeira obra-mestra foi a construção do Centro de Confinamento do Terrorismo (CECOT).
O CECOT é a maior prisão das Américas, com capacidade para 40.000 detentos, e se tornou um símbolo da repressão nacional contra a delinquência. Foi construído para ser o mais brutal possível. Cada cela tem capacidade para 80 detentos, onde os homens passam 23,5 horas por dia; a única mobília são beliches de metal sem lençóis, travesseiros ou colchões. Contam com um banheiro aberto, uma pia de cimento, um balde de plástico para lavar e uma grande jarra de água para hidratação.
Parece que a crueldade é o ponto chave; os presos não têm permissão para visitas familiares, telefonemas ou mesmo cartas. Nem mesmo têm permissão para entrar em contato com um advogado ou participar de qualquer atividade, exceto a leitura da Bíblia. As luzes ficam acesas 24 horas por dia, o que os impede de dormir bem, e ainda têm que tomar seus alimentos pelos vãos entre as grades, de acordo com o princípio de “primeiro a chegar, primeiro a ser servido”. Não têm permissão para trabalhar, ler ou mesmo jogar cartas, e devem enfrentar a possibilidade de nunca serem libertados. Não há reabilitação; alguns prisioneiros devem suportar tortura. De acordo com depoimentos obtidos por organizações de direitos humanos e meios de comunicação salvadorenhos, 375 detentos morreram no CECOT durante seu breve período de funcionamento.
O que mais se destaca no CECOT é que muitos dos presos foram enviados para lá sem o devido processo. Em 2022, Bukele declarou estado de emergência, com o apoio da assembleia legislativa liderada por “Nuevas Ideas”. Isso lhe permitiu que suspendesse direitos constitucionais, como o devido processo legal e o direito a um advogado. A medida deveria durar apenas 30 dias, mas foi prorrogada por três anos. A repressão foi brutal, com milhares de homens inocentes presos. Bukele afirma que prisioneiros inocentes foram libertados, mas o governo recusou a entrada de observadores internacionais na prisão, então só temos sua palavra, e a palavra de um ditador capitalista não vale nada.
Considerando o tamanho da prisão, a falta de serviços essenciais, a crueldade organizada do próprio sistema, juntamente com a adulação de Bukele a Trump e seu desejo de fortalecer os laços com os Estados Unidos, faz todo o sentido que o governo Trump trabalhe em estreita colaboração com o governo Bukele. Além disso, a falta do devido processo legal no país o favorece, pois torna extremamente difícil resgatar qualquer pessoa enviada ao CECOT. Muitos advogados e familiares ainda não receberam resposta dos homens enviados ao CECOT, e a administração Trump insiste em suas alegações sobre a culpabilidade das pessoas que enviou. Se fosse investigá-los, a administração Trump perderia parte do retorno dos US$ 6 milhões que está enviando a Bukele para albergar venezuelanos. Não investigar prisioneiros deportados seria ideal para ambos os governos; a administração Trump quer se livrar deles da maneira mais cruel possível, e Bukele quer o máximo de dinheiro possível para continuar a crueldade. É uma parceria feita no inferno.
Mas pode haver mais neste negócio do que se poderia esperar, e tem a ver com um homem chamado Cesar Humberto Lopez-Lairos, também conhecido como Greñas. Greñas nasceu em El Salvador durante a guerra civil da década de 1980, mas mudou-se para os Estados Unidos, como muitos outros. Fundou a MS-13 em Los Angeles e acabaria sendo deportado, o que ajudou a trazer a MS-13 para El Salvador. De acordo com a acusação federal, Greñas esteve envolvido em negociações secretas com o governo de Bukele. Bukele quer mostrar que suas políticas ajudaram a tornar El Salvador um lugar mais seguro e, para isso, estava supostamente fazendo um acordo com Greñas: ele silencia as atividades de gangues e apóia Bukele e, em troca, Bukele não tomará medidas enérgicas contra a MS-13. Mas Bukele negou isso, e Greñas foi enviado a El Salvador no mesmo voo junto com os venezuelanos.
No entanto, há mais líderes envolvidos nessas negociações com Bukele, como Elmer Caneles Rivera, conhecido como El Crook. El Crook estava na prisão em 2021, mas quando os Estados Unidos exigiram sua extradição, o governo de Bukele o libertou discretamente no mesmo ano. De acordo com o site El Faro, foi Carlos Marroquín, o negociador estatal com a MS-13, que o expulsou do país. Quando os Estados Unidos exigiram a captura e entrega de Caneles Rivera, El Salvador tentou chegar a um acordo com os cartéis mexicanos para sua prisão. O governo mexicano se adiantou, prendendo e extraditando Caneles Rivera para os Estados Unidos. Atualmente, ele está em uma prisão federal na Filadélfia. Ele é um membro de alto escalão do MS-13 e possível fundador, que também esteve presente nas negociações com Bukele. Enquanto estiver aqui, Bukele não terá escolha a não ser continuar jogando com os EUA.
O que fazer?
A situação é grave e pode ser totalmente desmoralizante. Tantas pessoas estão sendo levadas com uma rapidez sem precedentes, e é tudo implacável. Apenas testemunhamos a crueldade absoluta deste governo, e é claro que não podemos continuar a permitir que esses crimes contra a humanidade continuem. É imperativo que os trabalhadores se organizem e se eduquem para lidar adequadamente com os perigos que nos são apresentados. Em tempos como estes, a solidariedade é a chave para nossa vitória contra essa instituição imoral e iliberal.
Também devemos deixar nítido que não venceremos isso dando nossa lealdade aos democratas, que sempre se recusaram a lutar. Alguns liberais afirmam que não precisamos nos preocupar, já que Bernie, AOC e o resto do esquadrão estão liderando o caminho. Sim, eles estão nos levando de volta aos democratas, onde mais uma vez tentarão silenciar qualquer oposição de massa independente e convencer as pessoas a votarem “azul”, não importa o que aconteça. Esses políticos só querem voltar à “normalidade”, mas para os trabalhadores deste país, a normalidade é trabalhar em empregos não sindicalizados por pouco ou nada de salário, com poucos ou nenhum dia de licença médica e muitas horas extras sem pagamento.
Não podemos retroceder, porque se o fizermos, estaremos apenas retornando a esse caos. Mesmo que um político “progressista” seja eleito, a máscara da humanidade cairá enquanto o capital continuar a reinar. Estamos vendo isso agora, já vimos isso antes e veremos novamente, a menos que os trabalhadores se organizem e a consciência de classe cresça. Essas pessoas sequestradas e enviadas para o gulag tropical eram todas trabalhadoras e aliadas dos trabalhadores!
As deportações de Trump nada mais são do que uma fachada para nos manter assustados e divididos enquanto os ricos continuam a enfiar a mão em nossos bolsos, como fazem há séculos. Esta é uma doença, mas podemos vencê-la; a consciência de classe é o nosso remédio e precisamos dela há muito tempo. Somente por meio disso e das mobilizações em massa dos trabalhadores e seus aliados a administração Trump sentirá o golpe que tanto merece. Mas não vamos parar por aí; nossa força unida pode fazer muito mais e alcançar a verdadeira justiça.
Foto principal: Jennifer Vázquez Sura, esposa de Kilmar Abrego García, fala na coletiva de imprensa de 4 de abril. (Jose Luis Magaña / AP)
Fontes:
https://time.com/7269604/el-salvador-photos-venezuelan-detainees/
https://time.com/7268733/el-salvador-mega-prison-cecot-trump-deportations
https://www.dropsitenews.com/p/secret-bukele-trump-deal-grenas
https://www.dropsitenews.com/p/venezuelan-professional-goaltender-rendition-deported-dhs
https://www.kuow.org/stories/ice-detains-farmworker-activist-in-northwest-washington-state
https://apnews.com/article/columbia-university-mahmoud-khalil-ice-15014bcbb921f21a9f704d5acdcae7a8
https://www.cnn.com/2025/03/18/us/jeanette-vizguerra-detained-ice-colorado/index.html
https://edition.cnn.com/2025/03/27/us/rumeysa-ozturk-detained-what-we-know/index.html
https://litci.org/el-salvador-quién-es-nayib-bukele
Tradução: Lílian enck