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Jordânia

Jordânia: entre a pressão do movimento de massas e a de Trump

(Reuters / Muhammad Hamed)
abril 10, 2025

Por: Alicia Sagra |

A Jordânia é uma monarquia constitucional, com um parlamento bicameral. O rei, Abdulhah II, possui amplos poderes. Entre eles, tem o poder de nomear o primeiro-ministro e o resto do governo e dissolver o parlamento.  Diferentes partidos[1] competem nas eleições parlamentares, mas enfrentam grandes limitações do ponto de vista das liberdades democráticas, devido à forte influência da monarquia. A demanda por mais liberdades democráticas está sempre presente e foi um dos componentes importantes, junto com as demandas sobre o preço dos alimentos e dos combustíveis, das grandes mobilizações durante a “Primavera Árabe” (2011-2012). Entre outras coisas, essas mobilizações exigiam do rei a demissão do primeiro-ministro e eleições para eleger o sucessor. Não alcançaram essas demandas democráticas, mas obrigaram o rei a dissolver o governo e nomear outro.

No último ano, houveram fortes mobilizações, devido às condições socioeconômicas, contra a corrupção, com demandas democráticas, que incorporaram com grande força a solidariedade com a Palestina e a exigência de que o governo tomasse medidas concretas contra Israel. Essas mobilizações, que vêm aumentando à medida que a violência genocida de Israel contra Gaza cresceu, adquiriram peso de massa. São frequentemente organizadas e promovidas pela Irmandade Muçulmana, outras organizações islâmicas, partidos de esquerda, organizações de direitos humanos, organizações juvenis e ativistas independentes.

Relações com Israel

A Jordânia tem um histórico de confrontos com o Estado sionista. Durante a “Guerra Árabe-Israelense” de 1948, capturou o território que leva o nome de Cisjordânia, por estar localizado no lado oeste do rio Jordão. Posteriormente, em 1950, a Jordânia anexou esse território e o manteve até 1967, quando foi ocupado por Israel na “Guerra dos Seis Dias”.

Depois de 1948, um grande número de palestinos expulsos pela Nakba foi para a Jordânia[2]. Hoje, mais da metade de seus 11 milhões de habitantes são de origem palestina. Isso faz com que o sentimento anti-Israel seja extremamente sentido na sociedade jordaniana como um todo.

Mas seu governo, devido à sua forte dependência dos EUA, tenta manter um equilíbrio bastante instável em suas relações internacionais. Até agora, o resultado tem sido um discurso anti-Israel e de direitos palestinos, mas nenhuma ação concreta, que é o que as mobilizações populares exigem.

A relação de dependência com os Estados Unidos

Embora o governo jordaniano tenha aumentado as relações econômicas com a Rússia e a China, continua fortemente dependente dos EUA. Com o qual tem uma aliança estratégica. Todos os anos, a Jordânia recebe cerca de US$ 750 milhões em ajuda econômica de Washington e mais de US$ 350 milhões em ajuda militar.[3] Em troca, os Estados Unidos deram ao rei Abdullah II o papel de “pacificador” do Oriente Médio e mediador entre Israel e Palestina.

Agora Trump está ameaçando acabar com essa ajuda[4] se sua demanda de receber, junto com o Egito, toda a população de Gaza não for aceita, para que ele possa transformar aquele território em um grande resort turístico internacional.

Nem o Governo jordano nem o egípcio podem aceitar tal proposta se não quiserem ser pisoteados até à morte pela ira dos seus povos, razão pela qual o Governo jordano declarou que não aceita e apoia a proposta de reconstrução de Gaza elaborada pelo Egito.

Mas…, a pressão imperialista é muito forte. Após seu encontro com Trump, o rei Abdullah II declarou que aceitava a proposta “humanitária” do presidente dos EUA, de receber 2.000 crianças doentes de Gaza.

E a pressão continua… Middle East Eye [5] de 25-3-25 disse: “a Rádio Husna da Jordânia informou na segunda-feira que Ayman Safadi[6] negou a história e disse que a Jordânia ‘permanecia firme em sua posição sobre a questão palestina’ e rejeitava qualquer expulsão de palestinos de Gaza ou da Cisjordânia.[7]

Mas, quando o MEE os contatou para discutir os comentários de Safadi na Rádio Husna, nem o Ministério das Relações Exteriores da Jordânia nem um porta-voz oficial do governo ofereceram uma resposta.

O MEE também buscou comentários do governo jordaniano antes de publicar seu artigo inicial, mas não recebeu resposta. O MEE informou no domingo que a Jordânia propôs deportar de Gaza membros militares e civis do Hamas, depois de ser informada por fontes americanas e palestinas familiarizadas com os detalhes do plano.

A proposta também pede o desarmamento do Hamas e de outros grupos armados palestinos no enclave, de acordo com fontes do MEE.

Esse desarmamento seria realizado de acordo com um cronograma, culminando no fim do governo do Hamas em Gaza e permitiria que a Autoridade Palestina assumisse o controle.”

Agora, o ministro das Relações Exteriores nega essas declarações, mas evidentemente houve algo que reflete que as pressões ianques estão ecoando no governo jordaniano, ou em setores do mesmo.

Todo apoio às demandas das mobilizações jordanianas.

O povo jordano exige, com razão, que as palavras sejam transformadas em atos.  A localização geográfica da Jordânia (tem fronteiras comuns com Israel e Palestina) lhe daria um papel privilegiado no apoio logístico à Palestina, para o envio de armas e apoio militar. É isso que as mobilizações populares estão exigindo. Isso não será alcançado até que essas mobilizações tenham como objetivo derrubar o governo reacionário do rei Abdullah II, que insiste em que apoia os direitos palestinos, mas que seu objetivo é trabalhar pela paz no Oriente Médio. A paz é impossível enquanto existir o estado nazi fascista de Israel.

A libertação da Palestina e de todos os povos da região envolve acabar com o Estado sionista, substituindo-o por um Estado Palestino Único Laico, Democrático e Não-racista, onde os expulsos pela Nakba possam retornar e onde todas as religiões e aqueles que não têm religião possam coexistir.

Para avançar nesse objetivo, é necessária uma nova “Primavera Árabe” na Jordânia e em todos os países da região, onde as massas estão se mobilizando em apoio à Palestina e onde seus regimes apenas fazem declarações contra Israel, sem tomar nenhuma ação concreta.


[1] Há um grande número de pequenos partidos, islâmicos, nacionalistas, alguns de origem síria, como o Baath Progressista ou o Baath Socialista. Entre os mais antigos estão: o Partido Nacionalista, que defende uma política econômica liberal e a modernização do país, e o Partido da Ação Islâmica: o  braço político da Irmandade Muçulmana, islâmico, com demandas socioeconômicas.

[2] Em 1970, houve um confronto entre o exército jordaniano e a OLP, conhecido como “Setembro Negro”, do qual trataremos em outro artigo.

[3] UOL, 25-2-2025

[4] O Egito está sob igual pressão

[5] Middle East Eye (MEE) é um site e canal de mídia com sede no Reino Unido que se concentra principalmente em notícias relacionadas ao Oriente Médio e Norte da África.

[6] Ministro dos Negócios Estrangeiros da Jordânia.

[7]  se refere a um artigo no MEE, cujo título era: Jordânia propõe exilar 3.000 membros do Hamas de Gaza para acabar com a guerra de Israel

Tradução: Lílian Enck

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