A crise em Israel

Por: Alicia Sagra
A ruptura unilateral do cessar-fogo e os bombardeios criminosos que mais uma vez atingiram Gaza provocaram ampla condenação internacional. O isolacionismo de Israel está aumentando, com o retorno de manifestações de solidariedade em diferentes países ao redor do mundo, em alguns lugares como a Turquia, combinadas com ações massivas contra seu governo reacionário. Essas ações de solidariedade à Palestina e repúdio a Israel fazem parte daquelas realizadas por diversas organizações judaicas antissionistas. No final deste artigo reproduzimos o depoimento de um delas.
A novidade é que esses atentados criminosos provocaram uma enorme reação contra Netanyahu em Israel, devido ao medo pelas vidas dos reféns. A questão dos reféns continua sendo altamente sensível, e isso se combina a uma série de eventos que levaram ao ressurgimento de demandas democráticas: a demissão de Ronen Bar, chefe do Shin Bet, que foi usado como bode expiatório pelo fracasso de 7 de outubro e pela recuperação dos reféns; o pedido de destituição do Procurador-Geral da República; a declarações de Netanyahu de que não cumprirá a decisão do tribunal no caso Ronen Bar; a crise econômica, a proteção contra a evasão fiscal, incluindo a das yeshivas[1]. Tudo isso gerou uma grande crise política amplamente divulgada na imprensa israelense, com líderes de partidos da oposição pedindo desobediência civil.
A luta volta às ruas
Este é o título de um artigo de Nahum Barnea, publicado no site israelense YNet, em 23 de março de 2025. O autor descreve os fatos da seguinte forma:
“Ontem à noite, a Praça Habima e as ruas ao redor estavam cheias de pessoas. Não havia alegria na manifestação, apesar dos tambores e cânticos; havia raiva, foi reprimida. Mas houve uma estabilização massiva do núcleo duro, a abertura de uma série de ações de protesto diárias, mais radicais e menos radicais.
A retomada de grandes manifestações é uma boa notícia para qualquer um que tema pela existência de Israel como um país livre. A comparação entre Israel e os Estados Unidos deveria nos encher de orgulho. Entretanto, nos Estados Unidos, há um presidente que mina a Constituição e o governo democrático. Metade dos Estados Unidos está reagindo com ansiedade, mas enquanto isso, ninguém está indo às ruas. Em Israel, as ruas estão ficando cheias.
Lapid e Golan, os dois principais oradores da manifestação de Habima, cada um à sua maneira, apelaram à desobediência. Eles não nos explicaram como fazer isso, o que exatamente diríamos ao taxador de impostos, ao policial, ao comandante do exército. Atualmente, há uma rejeição silenciosa dentro do exército de reserva, geralmente por razões pessoais e pressões econômicas e familiares, mas também devido à evasão dos ultraortodoxos e à guerra interminavel.”
Durante a manifestação, houve declarações de participantes e parentes de reféns (publicado no YNet) e Uri Weltman, um morador de Tel Aviv, disse que caminhou até a Praça Habima com suas duas filhas: “Vim para mostrar que o governo quebrou o cessar-fogo e enviou os reféns para um destino de tortura em cativeiro. Há uma maioria que quer parar a guerra e devolver os reféns. O governo quer pisotear as normas democráticas, e há uma maioria que se opõe a essas coisas.
Yifat Calderón, primo do sobrevivente do cativeiro Ofer Calderón, dirigiu-se a Trump: “Netanyahu está usando truques para enganar e influenciar a administração dos EUA também. Sr. Presidente, você conseguiu convencê-lo de que o objetivo de destruir o regime do Hamas tem prioridade sobre resgatar os reféns. Mas isso é mentira. Os interesses de segurança israelenses são, acima de tudo, os dos reféns. Primeiro, trazer Israel de volta à vida para reabilitação, e aos caídos para um enterro adequado.
“Esta não é apenas a vontade da maioria do povo, é o nítido interesse do Estado de Israel. A maneira de reconstruir e reparar o país do desastre de 7 de outubro requer o retorno de todos os reféns de uma só vez e o fim da guerra. A vasta maioria do povo de Israel entende isso e deseja isso. Mas Netanyahu decidiu lutar novamente para seu benefício pessoal, não para o bem de Israel. Sr. Presidente, não caia na armadilha de Netanyahu. Pare a guerra em Gaza antes que seja tarde demais. E dizemos ao público novamente: chegamos ao momento da verdade!”
Yehuda Cohen, pai do refém Nimrod Cohen, disse: “Este é o 533º dia em que 59 reféns estão mantidos no inferno em Gaza. Depois de explodir o acordo, Netanyahu está explodindo os reféns em Gaza. Daqui, do acampamento da família em Begin Gate, passamos para todo o povo de Israel: Netanyahu está matando os reféns e destruindo o país! Saiam para as ruas! Isto é uma emergência! “Venha para as ruas com a gente!”
Os opositores falam
O presidente do Yisrael Beitenu[2], Avigdor Lieberman, disse que se o governo não respeitar a decisão do Supremo Tribunal sobre a demissão do chefe do Shin Bet, Ronen Bar, ele recorrerá ao presidente Isaac Herzog e pedirá que ele remova o primeiro-ministro do cargo. E acrescentou:
“Como conheço Netanyahu há décadas, olho para ele de fora, para a sua expressão facial e para o seu discurso, e digo que não tenho a certeza da sua estabilidade mental.”[3]
Por sua vez, o presidente do Partido Democrata, Yair Golan, observou que “o governo não vai parar e, portanto, devemos passar do protesto à resistência”. Segundo ele, isso deve ser feito “fazendo pleno uso dos instrumentos legais nos canais políticos, jurídicos e populares”[4].
O verdadeiro “Estado profundo”
Netanyahu fala da existência de um “Estado profundo” da esquerda, ao qual ele culpa por todas as calamidades. A isto a oposição responde: “O ‘Estado Profundo’ é um mecanismo que atropela a vontade da maioria e a democracia, a serviço de uma elite poderosa. Esta é exatamente a situação em Israel: uma minoria que controla a coalizão oprime a maioria, transfere bilhões em custos de educação e segurança para yeshivas, promove a lei de evasão, ignora a demanda por uma comissão estadual de inquérito e se agarra ao poder apesar da maioria do público querer eleições. Agora há apelos do verdadeiro Estado Profundo para atropelar uma decisão da Suprema Corte se ela decidir que a demissão do chefe do Shin Bet deve ser impedida.”[5]
A “democracia” Israelita
Sempre dissemos que essa “democracia” era apenas para os judeus, enquanto para os habitantes árabes era apenas opressão e repressão. Mas mesmo esta aparência de democracia é desmascarada quando, na presença de Netanyahu, o presidente do Parlamento israelita, interrompe o discurso do deputado Ayman Odeh[6] que denunciava os assassinatos de crianças em Gaza, e o manda expulsar do local por agentes de segurança.
Soma-se a isso a recusa de Netanyahu em acatar decisões judiciais, que a oposição denuncia como uma tentativa de autogolpe.
Ynet e o jornal Yedioth Ahronoth declararam que entraram em contato com cinco advogados renomados, dois dos quais ocupavam altos cargos no serviço público, um dos quais era um ex-juiz de alto escalão e dois do setor privado. E todos eles disseram, de uma forma ou de outra, que os últimos passos de Netanyahu são uma “declaração de rebelião contra o Estado de Israel” e lançam o Estado e o público em um mundo completamente novo, um mundo no qual não há subordinação às leis do Estado ou às decisões de seus tribunais.
A importância desta crise
Nenhum desses opositores, nem nenhuma das famílias dos reféns, têm a menor simpatia pelos palestinos. Todos eles defendem a ocupação colonial que garante seus privilégios. Portanto, não se pode esperar que eles ajam em favor da luta de libertação.
A vitória da Palestina depende da mobilização revolucionária das massas árabes, lideradas pelos palestinos e apoiadas pela solidariedade internacional.
No entanto, essa crise cada vez mais profunda, na qual as demandas das famílias dos reféns desempenham um papel central, é muito importante porque enfraquece o inimigo. Da mesma forma, as reivindicações e mobilizações das famílias dos soldados na Guerra do Vietnã desempenharam um papel importante na derrota do imperialismo ianque, embora nenhum desses parentes simpatizasse com os vietcongues.
Declaração sobre o bombardeio do Hospital Nasser em Gaza
Algumas horas atrás, Israel bombardeou a Unidade Cirúrgica do segundo andar do Hospital Nasser, em Gaza, onde os médicos Mark Perlmutter e Feroze Sidhwa trabalhavam.
Isso aconteceu depois que ambos denunciaram publicamente as atrocidades cometidas pelas Forças de Ocupação Israelenses em Gaza na noite passada na CNN, e apenas um dia depois que a Meta suspendeu a conta do Dr. Perlmutter no Instagram.
Ambos foram alvo de um ataque aéreo direto e deliberado, uma tentativa de assassinato por ousarem dizer a VERDADE. Milagrosamente, eles sobreviveram.
O Dr. Mark Perlmutter, um judeu estadunidense, é um defensor incansável da Palestina e uma poderosa ameaça à propaganda israelense. Quando viajou pela primeira vez para Gaza, ele acreditou na narrativa que tinha ouvido. Mas — como ele declarou em todas as entrevistas desde então — ele nunca viu o Hamas usar hospitais para fins militares, nem testemunhou o uso de escudos humanos, e sempre negou essas mentiras.
Era previsível que Israel o atacasse, embora isso não signifique que todas as vidas naquele hospital não sejam valiosas. Todos os palestinos merecem segurança e dignidade, como o Dr. Perlmutter corajosamente declarou ao mundo.
O que isto mostra é que Israel NÃO está levando esta mal chamada “guerra” pela segurança dos judeus. Está perpetrando um genocídio e limpeza étnica para anexar Gaza e toda a Palestina histórica, bem como outros territórios, como parte de seu projeto colonial expansionista.
NUNCA FOI O HAMAS.
NUNCA FORAM OS REFÉNS.
NUNCA FORAM OS JUDEUS.
NÃO HÁ ANTISSEMITA MAIOR DO QUE ISRAEL E SUA IDEOLOGIA SIONISTA, enquanto sua propaganda continua distorcendo conceitos e manipulando informações, perseguindo e até mesmo aprisionando aqueles que acusa de antissemitismo, incluindo judeus (ao redor do mundo), e tentando igualar antissionismo com antissemitismo.
Não, senhores! Antissionismo NÃO é antijudaísmo! Somos milhares de judeus antissionistas ao redor do mundo, e continuaremos levantando nossas vozes até que Israel seja completamente desmantelado!
JUDEUS ANTISIONISTAS CONTRA A OCUPAÇÃO E O APARTHEID
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[1] Grupo religioso dedicado ao estudo do Talmud. Eles não trabalham nem são recrutados para o exército e vivem de benefícios do Estado.
[2] Partido de centro-direita. Seus membros são principalmente imigrantes da antiga URSS.
[3] YNet, 24-03-25
[4] Idem
[5] Artigo de opinião de Ben-Dror Yemini, publicado em Ynet, 23-03-25
[6] Presidente da Coligação Conjunta (que tem 15 deputados no parlamento) e do partido judeu-árabe Hadash.