search
Estados Unidos

Trump projeta uma mudança surpreendente na política externa dos EUA

março 6, 2025

Por: Ernie Gotta

O governo Trump surpreendeu o mundo com uma mudança radical em sua política externa. Uma das expressões mais gritantes da nova política ocorreu em 28 de fevereiro, quando, em uma reunião explosiva na Casa Branca, o presidente Trump e o vice-presidente Vance uniram forças para humilhar o líder ucraniano Vladimir Zelensky por ser “desrespeitoso” com os EUA. Suas objeções incluíam a acusação de que Zelensky não havia expressado gratidão suficiente pelos envios de ajuda anteriores. A sessão foi convocada tendo como pano de fundo um “acordo” iminente no qual os EUA teriam o direito de extrair recursos minerais essenciais da Ucrânia. No entanto, no final da reunião, Trump disse abruptamente a Zelensky: “Ou você faz um acordo ou nós saímos!” Depois pediu que Zelensky deixasse a Casa Branca.

A reunião ocorreu após outras declarações chocantes de autoridades estadunidenses nas primeiras semanas do governo Trump. Em conjunto, muitos comentaristas interpretaram-nas como uma expressão da destruição da ordem global pós-Segunda Guerra Mundial em favor de uma nova configuração que se pensava ser mais benéfica para o imperialismo norte-americano. Quais são os elementos dessa mudança? O que elas significam para as principais nações capitalistas em crise? O que isso significará para os trabalhadores nos Estados Unidos e em outros lugares?

Elementos da mudança da política dos EUA

Em 24 de fevereiro, os Estados Unidos se recusaram a votar a favor de uma resolução da ONU condenando a Rússia no terceiro aniversário da invasão da Ucrânia por esse. A votação ocorreu após três discursos impactantes do governo Trump:

O secretário de Defesa, Pete Hegseth, em uma reunião em 12 de fevereiro em Bruxelas com o Grupo de Contato de Defesa da Ucrânia, uma aliança de cerca de 57 países, deixou evidente que os Estados Unidos estavam priorizando conter a China, não a Rússia. Ele disse: “Só terminaremos esta guerra devastadora e estabeleceremos uma paz duradoura se combinarmos a força dos aliados com uma avaliação realista do campo de batalha. Queremos, como vocês, uma Ucrânia soberana e próspera, mas devemos começar reconhecendo que retornar às fronteiras da Ucrânia, anteriores a 2014, é uma meta pouco realista.”

Hegseth descreveu as prioridades do país, afirmando: “Os Estados Unidos enfrentam ameaças significativas à nossa pátria. Devemos nos concentrar, e estamos nos concentrando, na segurança de nossas próprias fronteiras. Também enfrentamos um concorrente similar, a China comunista, com a capacidade e a intenção de ameaçar nossa pátria e os principais interesses nacionais no Indo-Pacífico. Os Estados Unidos estão priorizando a dissuasão da guerra com a China no Pacífico, reconhecendo a realidade da escassez e fazendo concessões de recursos para garantir que a dissuasão não fracasse.”

Dois dias depois, na Conferência de Segurança de Munique, J. D. Vance elaborou sobre a atitude do governo Trump em relação a grande parte da Europa. Diante de políticos capitalistas e oficiais militares europeus, ele zombou das “democracias” liberais europeias dizendo que a maior ameaça não era externa, mas interna. Vance comparou os “firewalls” (medidas restritivas, ndt.) europeus contra a colaboração eleitoral com partidos de origem fascista com a censura da liberdade de expressão. Ele comparou a prisão no Reino Unido de um manifestante antiaborto que havia violado a zona de segurança de uma clínica à repressão stalinista de dissidentes e pintou um quadro de repressão liberal contra cristãos e pessoas que têm crenças políticas de extrema direita e pertencem a organizações políticas de extrema direita.

Vance se aproximou dos direitistas europeus celebrando “os valores e a civilização compartilhados da Europa e dos Estados Unidos”, uma mensagem que se dirigia aos supremacistas brancos, os anticomunistas e os tradicionalistas reacionários. Também fez esforços para se encontrar com Alice Weidel, líder do partido alemão de extrema direita AfD, que obteve ganhos significativos nas eleições alemãs. Vance e Weidel discutiram a guerra na Ucrânia, a política interna alemã e a liberdade de expressão.

A nova realidade da reconfiguração de alianças foi avassaladora para alguns políticos europeus. No encerramento da Conferência de Segurança de Munique, o presidente, o diplomata alemão Christopher Heusgen, chorou ao dizer: “Está nítido que nossa ordem internacional baseada em regras está sob pressão… Acredito firmemente… que este mundo multipolar deve ser baseado em um único conjunto de regras e princípios, na Carta da ONU e na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esta ordem é fácil de perturbar, é fácil de destruir, mas é muito mais difícil reconstruir, então vamos manter esses valores. Não vamos reinventá-los, mas sim concentrar-nos em fortalecer a sua aplicação coerente.”

Dias depois, em 18 de fevereiro, o Secretário de Estado Marco Rubio se encontrou com seu colega russo Sergei Lavrov em Riad, Arábia Saudita, para discutir o restabelecimento das relações diplomáticas a fim de elaborar um acordo de paz na guerra com a Ucrânia. A Ucrânia ficou de fora da reunião, e o presidente Trump chegou a chamar o presidente ucraniano Zelensky de “ditador sem eleições”.

Lavrov disse a Rubio que a Rússia abriria oportunidades para investimentos dos EUA e acesso a minerais. Eles concordaram em estabelecer formas de consulta para tratar de reclamações e reabrir missões diplomáticas. Com base em um suposto acordo para permitir que a Rússia continuasse ocupando o rico território da Ucrânia, eles falaram sobre cooperação futura em questões de interesse nacional e oportunidades “históricas” de investimento.

As nações capitalistas em crise

É uma mudança drástica em relação ao ano passado, quando os Estados Unidos, sob o governo Biden, forneceram à Ucrânia apoio militar suficiente para manter sua defesa viva, em linha com uma aliança estratégica com uma Europa temerosa da intrusão russa em outras áreas de fronteira. Agora, Washington vê que seu futuro está melhor servido pela cooperação com a Rússia.

A expectativa dos EUA com essas mudanças é que a Europa comece a expandir seus orçamentos de guerra e gastos com defesa. Como os países da UE que dependem da ajuda dos EUA há décadas para defender a Europa pagarão? Uma maneira é relaxar as leis que limitam os gastos. Outra maneira seria cortar programas sociais para financiar gastos com defesa. Programas europeus como assistência médica universal e benefícios familiares, que eram motivo de inveja dos trabalhadores americanos, serão eliminados.

Os países da UE também reduzirão drasticamente a ajuda ao mundo em desenvolvimento, como os EUA fizeram ao dissolver a USAID. O medo entre os capitalistas europeus é que cortar o bem-estar social em favor de armas desencadeie protestos e greves de trabalhadores e jovens em todo o continente, como vimos na Grã-Bretanha e na França em 2023.

Outro aspecto dessa mudança política é que a classe capitalista dos EUA reconhece a ascensão da Rússia e da China como novas potências imperialistas. Isso significa que os recursos e mercados ao redor do mundo devem ser redistribuídos. Quem levará a melhor? Nitidamente a China continua sendo o principal concorrente econômico e militar dos Estados Unidos. A questão é como o imperialismo americano pode conter a China e manter a lucratividade.

Essa mudança histórica está ligada a uma nova estratégia dos EUA para competir com a China em um período de declínio econômico, o que levou Biden a retirar tropas do Afeganistão para reforçar a presença militar no Pacífico.

Hoje, uma parte dos capitalistas americanos está adotando uma abordagem diferente, que lembra o manual do Projeto 2025 produzido pela Heritage Foundation. Quando se trata da política externa americana, o Projeto 2025 tenta analisar os custos e benefícios para os Estados Unidos. O objetivo é eliminar “gastos desnecessários” que enfraqueceriam organizações internacionais e nacionais como a OTAN, a Organização Mundial da Saúde e a USAID. É evidente que a OTAN e a USAID eram extensões do imperialismo dos EUA que usavam o poder duro e brando para projetar e proteger os interesses americanos.

Por que Trump considera esse gasto um desperdício? Sabemos que os Estados Unidos estão muito atrasados ​​em termos de capacidade de produzir equipamento militar suficiente para a guerra. Parte da ascensão de Trump ao poder está diretamente relacionada à sua capacidade de colocar os Estados Unidos em pé de guerra para conter a China. A necessidade de um novo reforço militar e grandes mudanças no Departamento de Defesa também são descritas no Projeto 2025. Isso inclui estratégias sobre guerra irregular, os tipos necessários de aquisição de armas, com quem os Estados Unidos devem se aliar e muito mais.

Em maio de 2024, o senador do Mississippi Roger Wicker disse: “É hora de reconstruir as forças armadas dos Estados Unidos. Podemos evitar a guerra se nos prepararmos para ela. Quando os altos líderes militares dos EUA testemunharam diante de meus colegas e de mim no Comitê de Serviços Armados do Senado dos EUA, a portas fechadas, eles disseram que enfrentamos alguns dos ambientes de ameaças globais mais perigosos desde a Segunda Guerra Mundial. Eles então obscurecem esse quadro já perturbador ao explicar que nossas forças armadas correm o risco de estar subequipadas e mal armadas. Temos dificuldades para construir e manter navios, nossa frota de aeronaves de caça é perigosamente pequena e nossa infraestrutura militar é obsoleta. Enquanto isso, os adversários da América estão se tornando maiores e mais agressivos.”

Os que mais se beneficiarão dessas mudanças são os bilionários da tecnologia de extrema direita, como Peter Thiel e Elon Musk, que receberão bilhões de dólares em contratos governamentais. Esses bilionários se consideram a “contra-elite” e querem destruir o que consideram a ordem “globalista”. Musk está intervindo abertamente no governo. Por um lado, ele está cortando programas e departamentos e, por outro, está aceitando bilhões de dólares em subsídios governamentais para a SpaceX. Fortune.com escreve: “A CEO da SpaceX, Gwynne Shotwell, disse que a empresa tem US$ 22 bilhões em contratos governamentais, informou a Reuters. A empresa de veículos elétricos Tesla, cujas ações compõem a maior parte do patrimônio líquido de quase US$ 400 bilhões de Musk, se beneficiou de US$ 2,8 bilhões em subsídios fiscais ou subvenções, de acordo com o rastreador de subsídios Good Jobs First.

O que isso significa para a classe trabalhadora?

As declarações de Trump sobre “América em Primeiro Lugar” sinalizam um esforço concentrado dos Estados Unidos para se reafirmarem como a superpotência mais importante do mundo, acima de quaisquer rivais como a China. À medida que são tomadas medidas para aumentar o financiamento para um exército americano modernizado e de alta tecnologia, o presidente deixou claro que Washington pretende ameaçar e intimidar outros governos para conseguir o que quer. O governo demonstrou estar disposto a se passar por um “pacificador” quando essa tática parece útil, mas usará seu poderio militar se necessário.

Os trabalhadores não têm nenhum papel a desempenhar nos atuais conflitos econômicos ou na iminente guerra de destruição militar. Se os Estados Unidos entrassem em uma situação de guerra total, também poderíamos ver mudanças drásticas no país: o restabelecimento do serviço militar obrigatório, a repressão à dissidência, tentativas de regulamentar o trabalho e proibir greves, e o contínuo esvaziamento de programas e regulamentações sociais que afetam a produção corporativa.

Alguns setores das empresas americanas acreditam que as políticas de Trump os ajudarão a melhorar seus lucros no cenário mundial, mas, em última análise, os capitalistas têm poucos meios de aumentar seus lucros além de intensificar a exploração da classe trabalhadora. Para contra atacar, os trabalhadores e seus aliados só podem confiar em si mesmos. Políticos do Partido Democrata afirmam oferecer liderança, mas não têm respostas reais. Precisamos nos organizar em nossos locais de trabalho e sindicatos, escolas e comunidades para mobilizar milhões de pessoas nas ruas em uma resposta poderosa e unida à agenda de Trump.

Dinheiro para moradia, saúde e mitigação das mudanças climáticas, não para o Pentágono! Autodeterminação para a Palestina e a Ucrânia!

Foto: Trump repreende Zelensky em uma reunião na Casa Branca em 28 de fevereiro.

Leia também