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Alemanha

Eleições federais na Alemanha: Um resultado esperado que expressou descontentamento e polarização social.

fevereiro 28, 2025

Por: Laura R.

As eleições federais realizadas na Alemanha em 23 de fevereiro, que registraram uma altíssima participação de quase 84% do eleitorado, essencialmente confirmaram o que as pesquisas eleitorais previam: Friedrich Merz, do bloco conservador CDU/CSU, venceu as eleições com quase 30% dos votos, seguido pela AFD, que é a grande vencedora, dobrando sua força em relação às últimas eleições de 2021 e que se tornou o primeiro grupo de oposição, passando de 10,4% para 20,8% dos votos expressos, o que lhe dá 152 cadeiras no Bundestag.

O SPD, por sua vez, caiu para o terceiro lugar, com o pior resultado de sua história. Lembremos que essas foram eleições antecipadas, num momento de forte ascensão eleitoral da extrema direita que havia vencido as eleições meses antes na Turíngia e na Saxônia, depois que Scholz se submeteu a um voto de confiança após o colapso de seu governo semáforo.

Durante a campanha eleitoral, todos falaram sobre como melhorar a economia em dificuldades do país, em uma situação em que a indústria cortou 100.000 empregos em um ano. Também sobre aumentar ou não os gastos militares. Mas o tema principal destas eleições foi o debate sobre a questão da imigração, alimentado por dois ataques terroristas.

Nesse sentido, não podemos interpretar o resultado como um mero voto de punição ao governo anterior, mas sim, que assim como ocorreu nos Estados Unidos, reflete a principal preocupação dos alemães, como indicam muitas pesquisas. Apesar de a Alemanha enfrentar uma crise demográfica que a obriga a recrutar centenas de milhares de trabalhadores estrangeiros para manter seu modelo produtivo, a extrema direita soube aproveitar a agitação social causada pela situação econômica, relacionando a imigração com os cortes sociais, a criminalidade e a insegurança.

Embora durante suas campanhas todos tenham insistido em um cordão sanitário em torno da AFD, na questão da migração, praticamente todos as formações defendem o endurecimento das leis alemãs, adotando assim os postulados da extrema direita. Foi justamente para ratificar seus planos de migração que o conservador Merz propôs uma moção não vinculativa no parlamento que foi aprovada graças ao apoio da AfD.

O que foi uma surpresa, no entanto, e uma expressão da polarização social que o país vive, foi o resultado do Die Linke, que subiu para 8,8% dos votos e conquistou 25 cadeiras. Este é um resultado espetacular depois de uma campanha nas ruas e nas redes sociais, focada em elementos que preocupam os jovens, como medidas para reduzir o custo das compras ou a demanda por aluguel acessível, com a qual conseguiram se tornar a primeira escolha entre os jovens de 18 a 24 anos e a força mais votada em Berlim. No entanto, é importante destacar que a AFD foi a segunda opção nessa faixa etária, com alta de 14 pontos, para 21%.

O Die Linke, que defende algumas medidas reformistas por dentro do sistema, tem claramente uma estratégia eleitoral e, em um país traumatizado pelo Holocausto nazista dos judeus, continua se recusando a apoiar a luta do povo palestino, pese a forte repressão enfrentada na Alemanha por qualquer demonstração de solidariedade à Palestina. Mas sua ascensão entre os jovens e a classe trabalhadora mostra que há uma parte da classe trabalhadora que está buscando uma saída para a situação pela esquerda.

Essa polarização social no país se expressou durante a campanha eleitoral, quando milhares de pessoas em cerca de 60 cidades da Alemanha se manifestaram contra a extrema direita, que em sua campanha com o apoio direto de Trump, expresso particularmente por Elon Musk, busca fortalecer a extrema direita na Europa e a divisão, enfraquecimento e subjugação da UE.

 As manifestações em Berlim levaram 160.000 pessoas, a maioria jovens, às ruas. A  denúncia do Die Linke pelo pacto de Metz com a AfD de moção anti-imigração que buscava restringir severamente os pedidos de asilo os beneficiou muito.

Outra expressão dessa polarização social é a diferença de resultados entre o Oeste e o Leste do país, onde o mapa foi tingido de azul nos Länder (Estado Federado) da antiga RDA, com exceção de Berlim. Esses resultados deixam claro que a fronteira que separou a RFA e a RDA entre 1949 e 1990 ainda está muito viva após uma reunificação que foi um fiasco, já que hoje essa região continua sendo a mais castigada na Alemanha, com salários mais baixos, serviços piores e menos empregos. Vale destacar o fracasso eleitoral do BWD de Sarah Wagenknecht e sua aliança  “rojiparda” (castanho-avermelhada, ndt.) e chauvinista.

Os resultados das eleições permitirão que Mertz — que já deixou nítido que não há tempo a perder — forme uma coalizão governamental com os sociais-democratas como sócios menores, sem precisar adicionar os Verdes para alcançar a maioria das cadeiras. O próximo chanceler da Alemanha disse que está defendendo a independência da Europa frente aos EUA, o que aponta para uma mudança em seu posicionamento histórico e pode significar uma virada para o país e para a própria UE.

Não há dúvidas de que tempos difíceis se aproximam para a classe trabalhadora diante do declínio da Alemanha, dos ataques forçados do novo governo e da ascensão da extrema direita, o que torna urgente a criação de uma esquerda revolucionária que continua sendo o principal déficit da situação alemã.

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