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Peru | É possível “salvar” esta “democracia”?

fevereiro 19, 2025

Por: Victor Montes

Raramente é possível ver tão nitidamente que o Congresso é um covil de criminosos. Já não basta “cortar salários” ou “comer galinhas1”, etc. Agora sabemos que eles até montaram redes de prostituição dentro do parlamento para garantir votos em troca de favores sexuais. E para que ninguém descubra, eles matam as pessoas envolvidas, assim como as gangues de extorsão que fervilham pelo país.

Não é de surpreender, então, que 88% da população, de acordo com um estudo recente da Ipsos, expresse sua rejeição.

Qual é a razão desta situação? Como isso afeta a nós, os trabalhadores, trabalhadoras, os pobres? Existe alguma saída possível?

Uma “democracia colonial”

Ao contrário do que dizem os meios de comunição patronal, e também muitos dos meios de comunicação “alternativos” que se orgulham de ser “democráticos” e “progressistas”, o depósito de lixo em que o Congresso se tornou não tem nada a ver, fundamentalmente, com as qualidades ou o nível de educação das pessoas que estão concorrendo ao Congresso. Mas essencialmente, com o caráter praticamente colonial da economia do país controlada pelo capital estrangeiro, sob a continuidade do modelo econômico neoliberal.

Um modelo e uma “democracia” que atuam contra os grandes interesses populares e inclusive, os interesses verdadeiramente nacionais, entendendo a nação como a grande maioria do povo pobre e trabalhador.

Por isso, essa “democracia”, eleição após eleição, só conseguiu enganar as expectativas de mudança das classes populares e perpetuou a entrega das riquezas do país. Reforçou a impunidade da patronal para explorar a classe trabalhadora. Reprimiu e matou aqueles que protestam. E, evidente, protegeu os assassinos do povo, tanto policiais, militares e políticos.

Tudo se compra e se vende

Mas os serviços prestados por esta “democracia” não são gratuitos. O Estado é uma enorme pilhagem, com recursos e acesso a dinheiro para quem o administra. Para se ter uma ideia, somando todos os rendimentos que lhes são atribuídos por lei, o salário parlamentar subiu, em 2024, para 26 mil 17 soles por mês… 23 vezes o atual (e miserável) salário mínimo! Não é de se espantar que o maior desejo dos parlamentares seja a reeleição.

E junto com o salário oficial, tem a corrupção, que nada mais é do que a venda de energia para grandes empresas, como a Odebrecht ou mineradoras. Mas também aos grandes negócios informais e ilegais (mineração, extração madeira ou pesca ilegal, ou narcotráfico), bem como aos comerciantes do ensino superior, como os Acuñas, os Lunas, etc.

Do Peru Libre à Renovação Popular. Da Aliança para o Progresso ao “Bloco dos Professores”. Da Ação Popular ao Podemos Peru e Avanza País… com Fuerza Popular, óbvio, à frente. No total, o atual Congresso está dividido em 13 bancadas, cada uma buscando proteger seus próprios interesses e cada uma mais subserviente que a outra aos vários setores empresariais que sugam a riqueza do país e pagam por seus serviços.

Portanto, a degeneração e decomposição do parlamento, que tem sua contrapartida na podridão do governo e do seu Conselho de Ministros, e no avanço do autoritarismo, é o produto legítimo e natural da dominação capitalista do país.

É possível salvar a “democracia”?

Entendida dessa forma, a partir de uma perspectiva operária, a democracia colonial e patronal, que reforça sua face autoritária para assassinar impunemente aqueles que lutam, não merece nem pode ser salva.

E, no entanto, a isso se reduz toda a preocupação das chamadas organizações de “esquerda” do país. Do Novo Peru, ao Partido Comunista e à Pátria Roja, passando pelos mais diversos grupos estudantis e ONGs, assim como suas representantes mais conhecidas, Sigrid Bazán, Indira Huilca, etc. Todos eles propõem “recuperar a democracia”… o que para esses grupos significa vencer as eleições.

O que esses mesmos partidos, organizações e personalidades não reconhecem é que foram responsáveis ​​pela desilusão das massas com essa “democracia”.

Por que dizemos isso? Primeiro, porque essas organizações e partidos se recusaram a tornar realidade a queda completa da Constituição de 1993, em 2001. Eles aceitaram sua continuidade e, com ela, o modelo econômico neoliberal que nos transformou em um país miserável, como a pandemia deixou evidente, e quase colonialmente dominado pelo capital estrangeiro.

Em segundo lugar, porque repetidamente criaram falsas expectativas em vários candidatos que, ao vencerem, acabaram abandonando suas promessas de campanha para passar a defender o modelo econômico neoliberal e a extensão das redes de corrupção dentro do Estado.

E terceiro, porque eles próprios agiram da mesma forma que os partidos patronais tradicionais: roubaram e se corromperam. Dar armas aos partidos mais reacionários do regime para atingir os setores que votaram neles.

A saída está na luta pelo poder operário e popular

Se há uma coisa em que essas organizações que se dizem “de esquerda” estão certas é que por trás do descontentamento com a democracia vem o perigo do advento de um regime autoritário, assim como aconteceu nos anos 90 com Fujimori2.

E sim, o fracasso da democracia e de seus patrocinadores “de esquerda” desmoraliza as massas, a começar pelas “classes médias”, profissionais liberais e pequenos empresários que, frustrados, passam a exigir “mão firme”. Ainda mais se o país estiver imerso em uma espiral de violência criminosa.

Por isso é urgente levantar uma alternativa operária e popular. Não há possibilidade de “salvar” ou “recuperar” esta democracia colonial, assassina, corrupta e patronal!

Pelo contrário, é necessário derrubá-la, como propuseram os companheiros do sul durante seu levante, entre dezembro de 2022 e março de 2023, para construir um novo Estado e uma democracia operária, camponesa e popular que represente verdadeiramente os interesses do povo peruano. Essa aspiração, que foi expressa no lema de uma Assembleia Constituinte, é completamente justa e necessária, e continua a representar hoje esse desejo de mudança profunda e radical. No entanto, esta luta, que foi afogada em sangue e traída pelas direções nacionais de “esquerda”, exige que o poder seja transferido para as mãos das organizações de luta dos trabalhadores e do povo, para que suas reivindicações mais sentidas, incluindo a Assembleia Constituinte, se tornem realidade, delineando um Estado sob o controle do povo, onde todo representante seja eleito e destituído diretamente, e onde ninguém receba um salário maior que o de um/a professor/a, entre outras medidas que garantam o verdadeiro controle dos trabalhadores, das trabalhadoras e do povo pobre sobre o Estado e o país.

1. Apelativos que os congressistas costumam usar para impor aos trabalhadores de seus gabinetes, uma porcentagem de seus salários, para mantê-los em seus cargos (rachadinha, ndt.), ou para inventar comprovantes de pagamento falsos, por exemplo, em restaurantes que preparam “frango assado”, para justificar seus honorários de representação e ficar com o dinheiro para si. ↩︎

2. Segundo o relatório, o Peru, junto com a Bolívia, é o país da região que atinge apenas 10% de satisfação com sua democracia. https://peru21.pe/opinion/el-latinobarometro-la-democracia-resiliente-y-los-democratas-insatisfechos-yesenia-alvarez/ ↩︎

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