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Equador | Noboa apaga a luz para privatizá-la

outubro 17, 2024

Publicamos este artigo da Revista Crisis de 13 de setembro último. Crisis é uma revista digital que nasceu com o objetivo de apresentar uma nova referência de esquerda no Equador. Com esta publicação concretizamos uma colaboração entre os dois meios de comunicação, através do intercâmbio de artigos.

O Equador está atravessando  uma crise energética autoinduzida sem precedentes. Um ano de República Bananeira demonstrou o aprofundamento violento nas mãos do clã Noboa da lógica de exploração, espoliação e desvio de fundos públicos. O presidente pretende gerir o país como uma única fazenda privada de sua propriedade exclusiva, tal como o Congo, outrora sob o jugo brutal do rei belga Leopoldo II. Não há dúvida de que o Equador, em termos históricos, se encontra num momento de absoluta inflexão, além de que as consequências em termos sociais, políticos e económicos são imprevisíveis. Parece que antes de terminar o seu pusilânime mandato, o oligarca bananeiro pretende entregar o setor energético numa bandeja de prata para a privatização.

Tenta-se ocultar a intenção explícita da classe empresarial equatoriana de gerar uma crise tão brutal num setor estratégico tão básico como o energético, para criar as condições propícias à sua privatização. Esta ação corresponde a um manual clássico de medidas neoliberais, em que se gera primeiro uma crise – normalmente em relação a um direito ou serviço básico, bem como a intenções bélicas – para controlar e direcionar a opinião pública para a aceitação da medida proposta pelo poder. Desta forma, estabelece-se a doutrina do choque, prevista tanto para cenários como a aprovação pública da entrada em guerra de um país que em outras condições não teria concordado com ela – geralmente os Estados Unidos – ou a privatização da água, da eletricidade , gerenciamento de lixo, etc. A lista pode ser estendida ao infinito.

Assim, é fundamental lembrar o eterno sonho da burguesia no Equador e no mundo: privatizar e faturar direitos, que são deformados pela privatização, tornando-se privilégios. Na década de 90, o governo de Sixto Durán Ballén estabeleceu condições semelhantes – a hora Sixto – para tentar impor a privatização energética. Em termos ideológicos, é inegável estabelecer paralelos com a famosa afirmação: “os ricos mijam na gente e a mídia diz que chove”.

No meio do caos autoinduzido, a baixeza jornalística tão característica dos meios de comunicação corporativos empreende uma campanha para “adoçar” a privatização aos olhos da opinião pública. Assim, há poucas semanas ressoou um comunicado da Câmara de Comércio de Quito, no qual o Governo Nacional era instado a “permitir” a iniciativa privada no setor energético, já que o Estado é “ineficiente e incompetente” para resolver a crise. Adicionalmente, a CCQ anunciou a suposta dificuldade de sustentar o emprego em condições de crise energética, tentando obter duplo benefício do argumento em questão. Este relato reflete perfeitamente a implementação da doutrina do choque. Desfinanciamento, seguido de falta de manutenção, além de uma campanha sangrenta de difamação e descrédito, falência e obsolescência do serviço público, culminando na proposta de uma “solução”, com a qual já se contava desde o início.

Atualmente, as corporações de comunicação se esforçam para retratar como exemplos o panorama do Peru e da Colômbia, quando em ambos os países a eletricidade é privada, como quase todos os serviços que inicialmente eram públicos. A nível regional, o Equador e o Paraguai têm os preços de eletricidade mais baixos de toda a América Latina, com uma média de 48 USD por megawatt-hora em 2020, quando a média continental era de 151,64 USD/Mwh. Em comparação, o custo de um megawatt-hora na Colômbia em 2020 foi de US$ 150. Além de não fornecer manutenção, a República Bananeira chegou ao ponto de desfinanciar a empresa pública que administra o fornecimento de energia – CELEC – retirando um total de US$ 400 milhões de suas contas – em 2023, o valor total sacado pelo Estado foi de 57,5 ​​milhões.

A crise energética, agravada por uma seca massiva que atinge a bacia amazônica em geral – sem precedentes, como todo fenômeno intensificado pelas mudanças climáticas induzidas pelo capitalismo -, corresponde ao momento histórico de aprofundamento das contradições entre capital, ser humano e natureza. Daniel Noboa assinou pelo menos 5 concessões mineiras desde o início do seu desastroso mandato: Cascabel -Solgold-, El Guayabo -Torata Mining e Bactech-, La Plata -Atico Mining-, Cóndor -Luminex-Adventus- e Cangrejos -Lumina Gold- . Dos projetos extrativos em operação, apenas uma mina a céu aberto como a Mirador consome diariamente água equivalente ao consumo de um milhão e oitocentas mil pessoas ou cerca de 10% da população total do Equador. Mas é precisamente este problema que o centro do poder político evita mencionar, ignorando também o fato de Daniel Noboa, pessoalmente, tem interesses e participações em pelo menos dois projetos mineiros concessionados em 2024. A classe empresarial vence eleições para nutrir os seus negócios do Estado, usando-o como base econômica e financeira para enriquecer. Marx e Engels já diziam que o Estado nada mais é do que a junta de assuntos internos da burguesia.

Por sua vez, a ineficiência autoprogramada do governo bananeiro, ao colocar tecnocratas empresariais que trabalharam apenas um dia na vida, chegou à brilhante “solução” paliativa de contratar uma barcaça para a geração de eletricidade a partir da queima massiva de combustível. Esta barcaça que nem sequer pôde ser estabilizada no rio Guayas – já que nunca foi realizado um estudo prévio de viabilidade – ancorou junto às fábricas de, surpreendentemente, Daniel Noboa y Cía., causando potenciais prejuízos ao Estado no valor de 114 milhões de dólares de aluguel anual da barcaça, contratado antes dos apagões. Em termos francos, o Grupo Nobis estaria se apropriando descaradamente de recursos públicos. Entretanto, e face ao fiasco da barcaça “Emre Bey”, o Governo Nacional pretende contratar duas barcaças adicionais, o que representará contratos suculentos para alguma empresa de fachada anônima propriedade da oligarquia equatoriana. Uma das condições centrais do contrato imposto pela empresa Karpowership foi a inclusão de uma cláusula de arbitragem internacional, através da qual esta empresa poderia processar o Estado equatoriano, bem como o retorno do Equador à arbitragem internacional em 2021, a crédito do banqueiro do feriado e então presidente, Guillermo Lasso.

Por esta razão – e por muitas mais – a burguesia no sistema capitalista representa nada mais e nada menos do que a classe parasitária. O que é a burguesia? Uma classe que não trabalha para viver, mas que acumula fortuna através da exploração da classe trabalhadora, através do roubo, da fraude, da usura e da apropriação de recursos públicos, como a energia. Em termos gerais, a privatização de um sector, serviço ou empresa pública representa um ato de redistribuição “de baixo para cima”, uma vez que ocorre uma apropriação de fundos, recursos e até de uma vasta rede de infraestruturas públicas em mãos privadas. Entretanto, o governo anuncia o aumento dos cortes de energia em todo o país até 12 horas para esta terceira semana de outubro, declarando que os apagões continuarão durante meses, pelo menos até ao início de 2025.

Tal é o atrevimento e a degeneração política e moral da República Bananeira, que enquanto o povo não tinha eletricidade, o presidente homenageou publicamente seu pai Álvaro Noboa, no dia 9 de outubro em Guayaquil, premiando-o como “filantropo” com a Ordem da Grande Cruz.

A classe empresarial, juntamente com a sua máquina mediática, pretende criar a tempestade perfeita para a privatização da energia no Equador. Resumindo, Daniel Noboa apaga a luz para enriquecer sua classe. A privatização da energia será um fato. É urgente a organização popular, em cada bairro, em cada centro de estudo e trabalho, em cada espaço.

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