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sexta-feira, outubro 18, 2024

Derrubar parte ou todo o “legado” de Fujimori?

A morte do ditador Fujimori – livre e impune – trouxe consigo um coro de elogios e agradecimentos, da patronal, dos seus partidos e representantes, com o governo assassino de Boluarte na vanguarda, pelos serviços prestados aos seus interesses.

Por: Victor Montes

Nada disso é surpreendente. Contudo, é digno de atenção o fato de a esquerda se ter dedicado a denunciar os crimes da ditadura, deixando praticamente intacto o modelo econômico neoliberal imposto sob as suas botas, e consagrado na Constituição.

A denúncia democrática ficou em palavras

Corretamente, os setores “de esquerda” e os chamados “democráticos”, incluindo diversas ONGs, denunciaram a impunidade com que morreu o ditador Fujimori, ao contrário da morte do também genocida e ditador Rafael Videla, falecido no presídio Marcos Paz , Província de Buenos Aires, em 2013.

Libertado pelo Tribunal Constitucional sob a proteção do governo assassino de Boluarte, sem pagar um só Sol (moeda peruana, ndt.) da reparação civil imposta pela justiça burguesa, sem ser responsabilizado por tantos outros crimes cometidos durante a ditadura… a sua morte em liberdade é uma ofensa às famílias afetadas pelos assassinatos perpetrados sob suas ordens pelo Destacamento Colina[1]. Assim como para as mulheres esterilizadas sem consentimento, entre muitas outras vítimas da ditadura.

Dina Boluarte no velório do ditador Fujimori.

Em tudo isto, bem como na denúncia da concentração de poder nas mãos de Fujimori e das Forças Armadas, que permitiu a perseguição aos seus adversários políticos, bem como às organizações sindicais, com campanhas dirigidas a partir dos gabinetes da Inteligência Nacional Serviço (SIN) de Montesinos, a denúncia é correta. Por esta razão, a vanguarda consciente da classe operária sabe que essas bandeiras são também as suas bandeiras e que estão inscritas na sua própria luta pela justiça, mesmo agora que o ditador Fujimori está morto.

O problema é que a esquerda e as organizações “democráticas” limitaram-se a declarar-se nos meios de comunicação social e nas redes sociais, apenas para renunciarem à encabeçar mobilização, seja para celebrar ou para protestar a sua impunidade, tomasse às ruas, tal como aconteceu no Chile após a morte do ditador e genocida Pinochet, enquanto o governo, escandalosamente, declarava “luto nacional”.

Ao modelo, com pétala de rosa

Mas o que chama muito mais atenção é aquilo sobre o que a “esquerda” se cala – ou sobre o que fala baixinho: o modelo neoliberal.

A partir do “Fujishock”, a ditadura impôs uma feroz contrarrevolução econômica, que começou com a violenta desvalorização da moeda, empurrando milhões para a pobreza. Depois vieram as privatizações e a “liberalização dos mercados”, que provocaram a falência da indústria nacional e, portanto, a desnacionalização da economia, que além de aprofundar o seu carácter primário exportador, tornou-se completamente viciada no capital estrangeiro.

Por sua vez, o campesinato e as nações indígenas testemunharam a entrega dos recursos naturais encontrados nos seus territórios ancestrais à voracidade das transnacionais mineiras e petrolíferas, enquanto o tráfico de drogas, que na verdade era a única fonte sustentada de dólares para o país, mercado durante os primeiros anos da ditadura, foi usado como desculpa para aprofundar a repressão.

Mas nada disto está no cerne das declarações dessa “esquerda”. Questionados sobre o legado do modelo econômico imposto pela ditadura, Pedro Francke, ex-ministro da economia, e José de Echave, ex-vice-ministro de gestão ambiental no MINAM do governo Pedro Castillo, declararam ao jornal La República (13/09/24) que o problema deste modelo é que “…as empresas transnacionais não pagam impostos justos e obtêm lucros excessivos…”. Ou que os benefícios fiscais criados pelos “contratos de estabilidade jurídica” estipulados na Constituição da ditadura, “no início dos anos 90 poderiam ter fundamento”, mas não é correto que continuem a ser utilizados para além desses primeiros anos.

É aceitável, então, para estes supostos esquerdistas, que este investimento estrangeiro, principalmente espanhol, inglês e estadunidense, assumisse primeiro o controle das antigas empresas estatais, e depois assumisse o grande negócio dos recursos minerais e petrolíferos.

Não deveria surpreender, então, que esses mesmos representantes da “esquerda” tenham jogado pela janela – junto com o seu presidente – a consigna de “nacionalização das empresas mineiras” que Castillo levantou durante a sua campanha.

A responsabilidade dessa esquerda reformista

Na realidade, o que a esquerda reformista não diz – e não pode dizer – tem uma explicação fundamental: que foi ela mesma quem pactuou com os partidos patronais o “retorno à democracia” sem derrubar a Constituição de 1993, capitulando ao modelo econômico neoliberal, que mal quiseram disfarçar, com políticas públicas que o tornem “mais democrático” e “humano”.

Foram estas mesmas organizações e figuras de “esquerda” que nos trouxeram ao momento atual, abandonando repetidas vezes até as suas limitadas promessas de campanha, para acabarem ajoelhando-se perante a democracia pactuada com a ditadura, sob a égide da sua Constituição.

Derrubar todo o “legado” do ditador Fujimori

Para nós, por outro lado, falar do legado de Fujimori é precisamente falar de miséria, da entrega da economia do país, dos nossos recursos, e da submissão da classe operária ao despotismo dos patrões, na base de um imenso desemprego oculto sob a máscara do empreendedorismo, com uma taxa de informalidade laboral que beira os 80% da classe trabalhadora, objetivamente impossibilitada de impor quaisquer condições de negociação aos empregadores.

Destruir essa montagem construída pelo modelo econômico neoliberal da ditadura, mantido por todos os governos “democráticos” que lhe sucederam, desde 2001 até ao presente, implica levar a cabo uma luta revolucionária implacável, saindo às ruas, paralisando a produção e enfrentando o repressão com a nossa autodefesa, acabar com as demissões, recuperar os nossos recursos através da nacionalização das minas, dos poços de gás e petróleo, e garantir, tanto no campo como na cidade, educação e saúde gratuitas e de qualidade, trabalho estável para todos e salários que permitem viver com tranquilidade.

E será essa mesma luta que conseguirá justiça para as vítimas da repressão da ditadura e dos governos de Belaúnde e García, bem como para aqueles que caíram nas balas de Toledo, novamente García, Humala, PPK, Vizcarra , Sagasti, Castillo e Boluarte. Tudo isto, claro, não será obra de uma eleição, mas sim uma conquista da luta direta dos trabalhadores. E é isso que a esquerda não está disposta a admitir.


[1] Grupo de extermínio composto por membros do exército Peruano nos anos 1991/92, ndt.

Tradução: Rosangela Botelho

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