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sexta-feira, outubro 18, 2024

Brasil | Centrão e extrema direita ganharam as eleições municipais no 1º turno

Em 6 de outubro, os grandes vencedores das eleições foram o Centrão e a extrema direita bolsonarista. O Partido Liberal (PL) bolsonarista recebeu 15,7 milhões de votos, um crescimento de 236% em relação a 2020, o que permitiu que saltasse de 344 para 512 prefeituras. Já o Partido Social Democrático, o PSD, um dos “núcleos do Centrão”, saiu do 1º turno com 14,5 milhões (36,7% a mais que em 2020) e o título de partido que elegeu o maior número de prefeitos (882). A maioria das demais siglas do Centrão também cresceram.

Por: Júlio Anselmo

A eleição foi uma demonstração da força e do crescimento da direita. Não apenas do ponto de vista do resultado eleitoral, mas também sobre como foi o debate político.

O Centrão, que sempre foi conservador e reacionário, hoje está muito mais à direita. A direita bolsonarista tenta, conjunturalmente, se reinstitucionalizar, ao mesmo tempo em que surge uma variante mais exaltada, no “estilo” Pablo Marçal.

Enquanto isso, PT e PSOL fizeram uma campanha com uma “Frente” na qual a presença de setores burgueses foi ainda mais ampla e Lula instalou em seus ministérios representantes do MDB, de Ricardo Nunes; do Republicanos, de Tarcísio de Freitas; e do PSD, dirigido por Kassab, além do União Brasil e do PP.

Já Guilherme Boulos (PSOL/SP) tem feito uma campanha na qual abre mão de tudo que poderia ser chamado de um programa minimamente de esquerda, reivindicando, por exemplo, as Organizações Sociais (OSs) e as Parcerias Público-Privadas (PPPs), além de aprofundar a aliança com os bilionários capitalistas.

PT: derrota de sua própria política

A eleição expressa um momento de relativo equilíbrio no marco da instabilidade mais estrutural e geral da crise mundial capitalista, das disputas entre os setores da burguesia e da polarização política que atravessa o país. O que ajuda a explicar também o grande número de candidatos reeleitos. Embora aqui entre na conta os bilhões da máquina parlamentar do Centrão que foram despejados justamente nestas cidades.

O Centrão consegue, ao mesmo tempo, estar dentro do governo Lula e servir como base fundamental de apoio ao bolsonarismo nas eleições.

Enquanto isso, o PT saiu derrotado das eleições, apesar de ter conseguido mais prefeituras, subindo de 182 para 248, e de ter aumentado ligeiramente o número de votos. Apesar de que, caso seja vitoriosa, a candidatura Boulos à prefeitura de São Paulo, possa, em parte, mudar este balanço.
Mas, para um partido que está à frente do governo federal, o PT foi mal, o que também demonstra o desastre da política capitalista e liberal aplicada pelo governo.

O que se viu é que, depois de dois anos de governo Lula, os trabalhadores e o povo estão mais propensos a buscar saídas individuais e apoiar discurso liberal em defesa do capitalismo.

Pablo Marçal

As novas variantes do bolsonarismo

Há analistas que estão flertando com a ideia de que, nestas eleições, se encerrou a polarização política que atravessa o país, afirmando que o bolsonarismo foi enquadrado pela democracia burguesa.

Tarcísio e Nunes são os grandes fiadores deste projeto de construção de um bolsonarismo aparentemente mais moderado. Ambos jogam com a possibilidade de “normalização” e “institucionalização” do bolsonarismo, que lhes permita ocupar cada vez mais espaço do poder. E também, respondem à sinalização de setores da burguesia, em relação às eleições de 2026, que olham com simpatia e expectativa para este bolsonarismo “mais domesticado”. Ainda que Pablo Marçal também encante a Faria Lima (a avenida símbolo da burguesia, em São Paulo).

Mas esse raciocínio ignora duas coisas. Um que se aprofundou todo um processo de reorganização na extrema direita, com fenômenos por fora da figura de Bolsonaro. A maior expressão disto é o próprio Marçal que, por muito pouco, não foi ao segundo turno em São Paulo, onde ele conseguiu pautar o debate e ter bastante votos. Esse fenômeno não se restringiu à capital paulista. Em Curitiba (PR), o segundo turno foi dominado por bolsonaristas. Em Fortaleza (CE) e Belo Horizonte (MG) chegaram no segundo turno surpreendetemente.

A Segunda coisa é que apesar de mais fragmentada, a ultradireita não está, necessariamente, mais fraca. Pelo contrário, se fortaleceu de conjunto. Não é que o bolsonarismo e suas variantes estejam caminhando para o centro; mas, sim, é o Centrão que avança mais para a direita, ainda que fisiologicamente, através de uma espécie de “semiparlamentarismo reacionário” instalado no país.

Um perfil distinto, mas igualmente perigoso

O cenário que emerge não é menos perigoso; mesmo com um setor bolsonarista mais extremista de um lado e uma certa adaptação temporária de outro setor, principalmente em função da derrota nas eleições de 2022 e da tentativa de golpe em 8 de janeiro. Ainda mais quando o papel do PT, do PSOL e das burocracias que dirigem inúmeras organizações da classe é ser uma esquerda capitalista e liberal, defensora do sistema atual.

O fenômeno Marçal levanta novas preocupações quando comparado aos apoiadores do ex-presidente (mais ligado aos militares e saudoso de 1964), levando o bolsonarismo para uma parcela da juventude, com um perfil ultraliberal, mais semelhante ao de Nayib Bukele (presidente de El Salvador), representante da “suposta prosperidade”, mas com um cunho religioso também diferente.

A suposta domesticação de parte do bolsonarismo é a prova de um profundo pacto reacionário entre setores burgueses e um regime democrático burguês cada vez mais autoritário. Trata-se muito mais da busca por ganhar espaços e forças para seu projeto autoritário. Ignorar isso é ignorar as profundas bases sociais, econômicas e políticas que dão sustentação para a ultradireita, no Brasil e no mundo.

E isto é assim porque a crise do capitalismo impõe um patamar ainda maior de exploração e sofrimento aos trabalhadores e ao povo, fazendo com que uma ala da burguesia se utilize destes setores políticos e ideológicos para justificar seu projeto reacionário contra a maioria da população.

O caminho da derrota

Frente Ampla e governo Lula fortalecem a direita

Lula e o prefeito reeleito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Em 2022, a campanha de Lula e do PT foi toda feita em defesa da “Frente Ampla” com vários setores burgueses para “derrotar o bolsonarismo”.

Na época, alertamos que fazer as alianças com a burguesia; colocar o Centrão no governo; aprofundar a decadência do país, garantindo os interesses dos bilionários capitalistas, não serviria para impor derrota alguma sobre a ultradireita, quanto mais para mudar as condições sociais que a alimentam.

Pelo contrário, há muito afirmamos que isto só serviria para desorganizar e desmoralizar a classe trabalhadora e, no final das contas, fortalecer a própria ultradireita, que é produto do capitalismo subalterno vigente no país e moldado nos últimos 30 anos pelos governos do PSDB e do PT.

Por isso mesmo, a ultradireita bolsonarista segue existindo com força, como as eleições expressaram. Nem mesmo o PT se beneficia da aliança que faz com a direita e muito menos os trabalhadores. A grande beneficiária está sendo a própria direita. Enquanto isso, o Bolsonarismo se multiplica e avança.

Mãos dadas com a direita e de costas para o povo

O PT esteve coligado com o PL de Bolsonaro em 85 cidades. Em São Luís (MA), PT e PL também estão juntos no apoio ao candidato do PSB. No Rio de Janeiro, o PT apoiou Eduardo Paes (PSD), que também teve o apoio de bolsonaristas, como o pastor fundamentalista Ottoni de Paula (MDB).

No segundo turno, o PT segue a mesma lógica, chamando voto em qualquer candidato contra o bolsonarismo. E, assim, vão apoiar e votar em vários candidatos da direita tradicional, que vão retroalimentar o próprio bolsonarismo.

Enquanto isso, o país está sendo incendiado pelo avanço do agronegócio, que é financiado pelo governo com mais de R$ 400 bilhões; os indígenas continuam sendo assassinados, à espera da demarcação de suas terras, e o governo trata o Arcabouço Fiscal, que corta verbas da Educação e da Saúde, como uma vitória. Já os bilionários capitalistas comemoram o crescimento do PIB, que proporciona maiores lucros, enquanto o povo não tem qualquer tipo de melhoria nas suas vidas.

Lições do 1º turno

Por uma oposição de esquerda e socialista para lutar contra todos os governos

O PSTU apresentou um programa revolucionário e socialista nas eleições, explicando para os trabalhadores a necessidade de enfrentar os bilionários capitalistas, o sistema e a democracia dos ricos, bem como os governos municipais, estaduais e federal controlados por eles.

Durante toda a campanha, discutimos que só assim os trabalhadores vão garantir seus direitos, enfrentar as máfias dos transportes e a privatização (com PPPs e OSs) e combater a domínio das grandes construtoras, que impedem a resolução do problema habitacional nas cidades.

Estas eleições também confirmaram a necessidade de que os trabalhadores confiem apenas em suas próprias forças, lutando por suas reivindicações e reafirmando a necessidade de uma alternativa política independente dos setores burgueses, com uma proposta de sociedade que enfrente os problemas do país e das cidades sob uma perspectiva socialista, para garantir emprego digno, salário decente e mais verbas para a Saúde e a Educação.

Nossa campanha enfrentou a ultradireita, explicando como eles fazem parte do sistema capitalista e são, na verdade, a sua ala mais radicalizada e degenerada. Sem enfrentar o capitalismo e romper o poder dos bilionários capitalistas, não há luta contra a ultradireita bolsonarisa que possa ser vitoriosa.

Ao contrário do que dizem vários setores da esquerda, que apoiam o governo Lula-Alckmin-Centrão, justificando sua adesão a uma esquerda capitalista, liberal e defensora da ordem, estas eleições, apesar do pouco espaço eleitoral para a oposição de esquerda, de classe e socialista, reafirmaram a necessidade de construí-la.

Afinal, de nada adianta vencer o bolsonarismo eleitoralmente adotando para si o programa do neoliberalismo e do capitalismo e rifando as pautas dos oprimidos, para aliar-se à própria direita e engrossar os votos de setores reacionários, como faz o PT.

Argumentam que esta seria uma vitória tática, eleitoral, para o governo do PT de Frente Ampla, mas continuaria sendo uma derrota estratégica para todos os trabalhadores, caso sigam confiando neste projeto político o que tem sido uma trava para o fortalecimento de uma alternativa dos trabalhadores com independência da burguesia.

Fortalecer as lutas e a organização dos trabalhadores

O governo Lula sai destas eleições mais fraco e mais refém do Centrão e da Faria Lima, que exige ainda mais ataques aos trabalhadores e à soberania do país. Limitar a luta contra a ultradireita às eleições, capitulando cada vez mais a burguesia, é o caminho para a derrota.

Por isso é preciso seguir fortalecendo uma alternativa revolucionária e socialista, apesar do pouco espaço eleitoral, disputando os trabalhadores para um programa que seja capaz de enfrentar os bilionários capitalistas. Este é o único caminho para que eles se preparem para as batalhas atuais e as que virão.

Por esta razão reafirmamos a necessidade de fortalecer a mobilização independente da classe trabalhadora, sua independência de classe, e uma oposição de esquerda, revolucionária e socialista, contra os governos das três esferas, incluindo o governo Lula-Alckmin-Centrão. Para enfrentar o sistema e, inclusive, também enfrentar a ultradireita pra valer.

No segundo turno nossa orientação mais geral é o voto nulo. Em São Paulo e em Porto Alegre (RS) indicaremos o voto crítico nas candidaturas de Boulos e Maria do Rosário. Mas, não temos acordo e não apoiamos suas alianças e programas, que se inserem nos marcos do Arcabouço Fiscal liberal capitalista do governo Lula. Votaremos contra Ricardo Nunes e Melo, mas chamando os trabalhadores a não depositarem confiança alguma nos governos do PSOL e do PT, caso sejam eleitos.

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