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quarta-feira, setembro 18, 2024

Fujimori morreu! Vamos acabar com o Fujimorismo!

O ex-ditador Alberto Fujimori morreu e o Peru oficial presta-lhe homenagem, enquanto a maioria operária e popular só podem sentir alegria ou qualquer coisa, menos tristeza.

Por: Simón Lazara – PST / Peru

Fujimori morre aos 86 anos em consequência de um longo câncer, mas o faz com o cheiro de herói nacional construído por aquele Peru oficial de Boluarte e seu Congresso corrupto.

O ex-ditador foi investigado e condenado a 25 anos de prisão em 2009, por crimes contra a humanidade e corrupção. Mas devido à chantagem dos seus setores afins, seu perdão foi tentado no governo do PPK, perdão que foi recentemente validado pelo Tribunal Constitucional, com membros escolhidos a dedo pela aliança espúria que controla o Congresso e apoia o governo Boluarte. E o fez, sem obrigá-lo a pagar ao Estado os 57 milhões de Soles (moeda peruana, ndt.) que a justiça lhe impôs para reparação civil, e mesmo assim, sem um mínimo sinal de arrependimento para com as vítimas de La Cantuta, Barrios Altos, as 314.605 mulheres esterilizadas e os milhares de vítimas do seu antigo regime genocida.

Para afrontar ainda mais a memória e a dignidade nacionais, até o seu partido anunciou recentemente que Alberto Fujimori seria o seu candidato presidencial nas eleições de 2026.

Nestas circunstâncias, não é por acaso que o governo, o Congresso e os políticos oficiais lamentam a sua morte e reivindicam a sua herança, e que neste sentido se preparam para homenageá-lo como ex-chefe de Estado, o que só provoca maior indignação entre os os setores operários e populares.

Não há dúvida de que aqueles setores que nos governam estão de luto, e que aproveitam a circunstância do seu eventual e precário exercício de poder não só para lavar a cara do ex-ditador, divinizá-lo e até legitimar-se sob a sua figura.

Eles reivindicam, dizem, quem pacificou o país da subversão do Sendero, com a guerra suja e os crimes contra a humanidade que foram condenados aqui e no mundo. Reivindicam o homem que saqueou o país juntamente com um grupo de bandidos e que depois fugiu para o Japão, onde foi reconhecido como cidadão daquele país.

Imagens de alguns dos 9 estudantes presos em 18 de julho de 1992, posteriormente assassinados e enterrados em uma vala comum nos arredores de Lima pelo destacamento especial “Colina”, no âmbito da “Guerra Suja” da ditadura Fujimori.

Mas acima de tudo, justificam quem, depois de aplicar um choque econômico pior do que o que Milei está agora aplicando na Argentina, impôs a transformação neoliberal do país com a qual entregou a economia nacional à voracidade imperialista, privatizando tudo, destruindo a educação e a saúde públicas, bem como a indústria nacional, jogando nas ruas milhões de trabalhadores/as que acabaram nos braços da informalidade e da precariedade no emprego apenas para favorecer um punhado de multinacionais e capitalistas.

O Peru de hoje é o produto desta transformação neoliberal que durante algum tempo nos foi apresentada como o caminho seguro para o progresso e que agora se revela um fiasco. O neoliberalismo, que apenas aprofundou o atraso e a dependência nacionais, depois de uma década de estagnação econômica, transformou-se em recessão, criando mais pobreza, desemprego e atraso nacional.

Um modelo que, quando chegou a feroz pandemia de Covid 19, nos revelou brutalmente que o imenso fosso que criou entre ricos e pobres era uma diferença entre aqueles que podiam viver e aqueles de nós que estávamos condenados a morrer. Um modelo construído também com base na corrupção das elites políticas, como revela a megacorrupção da Lavajato em que estão envolvidos todos os partidos de direita e de esquerda que governaram, mas como parte de uma corrupção mais generalizada em todo o Estado e cuja maior expressão hoje é o atual governo de Boluarte e do Congresso, e as instituições nas quais se baseiam.

Na expectativa de mudar este sistema, nas eleições de 2022 a maioria da classe trabalhadora e popular elegeu Pedro Castillo. Mas o fujimorismo e toda a reação de direita fizeram tudo para violar a vontade popular até inviabilizar o seu governo e produzir o seu impeachment

Diante disso, aconteceu o levante na região sul andina entre o final de 2022 e o início de 2023, com a bandeira de convocar uma Assembleia Constituinte, que enterraria a Constituição Fujimori, para mudar o regime político e econômico. É por isso que não é uma coincidência que todas as classes ricas se tenham unido em torno do governo Boluarte para se afogarem em sangue e derrotar esta rebelião, para impor a atual “ordem” autoritária, corrupta e criminosa; à imagem e semelhança do que Fujimori fez nos anos 90.

Soldados na Praça Bolívar, em frente ao Congresso da República, 5 de abril de 1992.

Este é o Peru oficial, o dos corruptos, ladrões, assassinos e entregadores do país, herdeiros legítimos de Alberto Fujimori, que nos governa e lamenta a morte de seu líder.

Portanto, os pobres e os trabalhadores não têm nada do que lamentar, mas sim lembrar-se do legado desastroso incorporado no atual regime. Recordar que a sua glorificação por parte daqueles que hoje nos governam apenas mostra que o país não está e não será pacificado, e que a sua continuidade no poder apenas anuncia novos e maiores confrontos.

Estão abertas as feridas dos 49 assassinados, das dezenas de feridos graves e dos presos nas lutas de 2022-2023. Está aberto o questionamento a um modelo econômico que só traz mais pobreza com fábricas que fecham e demitem operários e um país que continua a render-se às multinacionais mineiras e aos agroexportadores, enquanto a corrupção governa ao mesmo tempo que abre caminho ao crescimento da economia ilegal e ao crime organizado.

O Peru que herdamos de Fujimori e que não pudemos enterrar em 2000, quando seu governo caiu devido à cumplicidade de todos os partidos burgueses e de “esquerda” que preservaram a continuidade de seu modelo e do regime estabelecido pela Constituição de Fujimori, é um Peru que hoje vive estagnado, regride e se decompõe em todas as áreas.

Se a morte do antigo ditador serve  a algum propósito, é para nos lembrar que a tarefa de acabar com o seu legado político é mais relevante do que nunca.

Manifestante durante os dias de dezembro de 2022 e janeiro-março de 2023, que enfrentou o governo Boluarte.

O caminho para conseguir isso já estava indicado com o levante liderado pelo heroico e digno sul andino. E para levar a cabo esta tarefa até o fim não basta a disposição da luta de massas, mas é preciso estabelecer uma verdadeira liderança revolucionária, porque os atuais que predominam na chamada esquerda são traidores e a sua agenda é apenas eleitoral.

Fujimori morreu, mas falta enterrar a sua Constituição, enterrando o fujimorismo, toda a reação de direita e os seus herdeiros políticos, construindo uma saída da classe operária e popular.

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