O Brasil está ardendo em chamas. Queimadas se espalharam por quase todo o território nacional, sobretudo na região da Amazônia. Geralmente, a temporada de incêndios na região ocorre entre junho e outubro, mas fazendeiros, garimpeiros e grileiros derrubam a floresta e se preparam para queimá-la durante todo o ano.
Por: Jeferson Choma
De acordo com os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a Amazônia registrou 65.667 focos de fogo entre janeiro e 1º setembro. O número representa um aumento de 104% quando comparado com o mesmo período do ano passado, quando 32.145 focos foram contados pelo Instituto. Aliás, mais de 38 focos de incêndio foram registrados apenas em agosto, segundo o Inpe.
As queimadas na Amazônia ocorreram em regiões de fronteiras agrícolas, como, por exemplo, nas margens das rodovias, como a BR-230 (a Transamazônica), particularmente no município de Apuí (AM) e na BR-163, entre Itaituba (PA) e Novo Progresso (PA).
Colunas de fumaça saindo da Amazônia viajaram milhares de quilômetros em direção ao Centro-Sul do Brasil. Elas foram levadas pelos mesmos ventos que formam os chamados “rios voadores”. Mas, ao invés de umidade, eles arrastavam a fuligem produzida pelo avanço da fronteira agropecuária. Particularmente nos últimos dias, os rios de fumaça chegaram a cobrir cidades como Porto Alegre (RS), São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Brasília (DF) e Belo Horizonte (MG).
Chamas no Pantanal e no Cerrado
Este ano, o Pantanal e o Cerrado também registraram recordes de queimadas. Desde o ano passado, o Cerrado já vinha registrando altas taxas de desmatamento; mas, desde o começo do ano, já foram contabilizados 40.496 focos no total. Um aumento de 70%, quando comparado com o mesmo período de 2023.
O relevo plano do Cerrado favorece a agricultura mecanizada. Por isso, mais da metade do bioma já foi destruído para dar lugar à produção de soja, milho, algodão ou ao plantio de eucaliptos.
Já o Pantanal sofre as consequências do arrendamento das terras para pecuaristas ampliarem a criação de gado. Quem arrenda a terra busca tirar o maior proveito possível, para obter maior taxa de lucros, mesmo que isso signifique a exploração sem limites dos recursos naturais, substituindo a vegetação por lavoura ou pastagem.
Mais de 95% das terras do bioma são privadas e apenas 4,4% do Pantanal encontra-se protegido por terras públicas. Além disso, o Pantanal também sofre com a expansão territorial dos grandes cultivos de soja no seu entorno.
Um cenário apocalíptico em São Paulo
Na última semana de agosto, o interior de São Paulo foi envolvido em grandes incêndios, que ameaçaram cidades, condomínios, estradas e propriedades rurais. Um cenário apocalíptico de fumaça e fogo que carrega indícios de uma ação coordenada, bem ao estilo do “dia do fogo”, quando, em 10 e 11 de agosto de 2020, fazendeiros e grileiros tocaram fogo na Amazônia, inflamados pelos discursos de Bolsonaro.
Imagens mostram que as queimadas já começaram em grandes proporções territoriais; foram iniciadas praticamente ao mesmo tempo, em grande quantidade; e saíram totalmente do controle. Esse padrão de queimada é muito comum na queima da palha da cana-de açúcar, uma prática arcaica e parcialmente proibida no estado, mas que é insistentemente usada por usineiros.
As imagens de satélite também mostram que os grandes incêndios tiveram como origem áreas onde o monocultivo da cana-de-açúcar predomina na ocupação do solo. A legislação de São Paulo sobre a queima da cana é totalmente frouxa. E isso tem um objetivo: permitir que os grandes usineiros continuem a colocar fogo nos canaviais. A queima reduz o custo da produção. É mais lucrativa para os usineiros.
Aquecimento global
O ‘novo normal’ das mudanças climáticas
Do Norte ao Sul, o Brasil já vive sob os efeitos dos fenômenos climáticos extremos (como chuvas torrenciais, secas e ondas de calor mais intensas) que são resultados do aquecimento global. Os efeitos são tão notáveis que 91% da população já percebeu as mudanças, segundo uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Em maio, a catástrofe das enchentes atingiu o Rio Grande do Sul, causando o maior desastre climático do estado. Essa foi uma tragédia mais do que anunciada. Meteorologistas e ambientalistas alertaram sobre os riscos de chuvas extremas no estado, mas foram ignorados, enquanto os governos municipais e estadual desmontaram leis de proteção do meio ambiente, para favorecer o agronegócio, as grandes capitalistas e a especulação imobiliária.
Governos de todas as esferas são agentes ou cúmplices da catástrofe
A situação foi extremamente agravada pelas políticas privatistas e de austeridade fiscal aplicadas pelos governos de todas as esferas. Todo o sistema de prevenção de enchentes da capital Porto Alegre estava sucateado. Diques se romperam e as bombas d’água não funcionaram.
O governo Lula também tem sua responsabilidade. Além de investir uma mixaria em prevenção a desastres naturais, também aplica medidas em favor do grande agronegócio, como veremos a seguir.
Agora, segundo o Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), o país é castigado pelo que pode ser a maior seca da história recente (veja gráfico ao lado). A seca é ainda pior na região Norte. No Amazonas, mais de 300 mil pessoas sofrem com a estiagem. Os rios secaram, impossibilitando a navegação e isolando cidades inteiras.
Aquecimento é provocado pelo capitalismo
Essa situação mostra que as mudanças climáticas vieram pra ficar. O ano passado foi o mais quente já registrado em 125 mil anos. A temperatura dos oceanos também não para de subir e já ultrapassa todos os registros anteriores. Além disso, os níveis de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, o principal gás do efeito estufa (GEE), são os maiores já registrados em 800 mil anos.
O aquecimento global é causado pela queima dos combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão), que lançam toneladas de gases de efeito estufa na atmosfera. Tudo isso é provocado pela indústria capitalista e seu voraz consumo de petróleo. Mais de 75% das emissões globais dos GEEs vêm da indústria, do transporte e das edificações.
Vai piorar ainda mais
O aquecimento da Terra intensifica os fenômenos climáticos extremos, tal como o El Niño de 2023-2024, o mais intenso desde 1940. Isso disparou uma série de outros fenômenos extremos, como as chuvas do Rio Grande do Sul, em maio, e a seca atual. E o pior é que a situação tende a piorar. O futuro será marcado por novas catástrofes produzidas por fenômenos extremos, cada vez mais intensos e cada vez mais frequentes.
A população mais pobre é a maior vítima dos eventos climáticos extremos. Com um detalhe: essas populações são as que menos causaram esse problema.
O agro é fogo, morte e destruição
Imagem mostra que focos das queimadas na Amazônia tinham como origem propriedades rurais que ficam nas margens das estradas como a Transamazônica e a BR 319
No Brasil, o maior responsável pelas emissões dos GEEs são a agricultura e a pecuária capitalistas e o desmatamento que, juntos, são responsáveis por 75% das emissões do país. O Pará e o Mato Grosso são os estados que lideram o ranking das emissões. São aqueles que justamente registram maior desmatamento e aumento da pecuária e da plantação de monocultivos, como a soja.
Nas imagens de satélites, é fácil identificar as áreas que ardem em chamas com a expansão da fronteira agrícola do agronegócio. Nessas regiões predominam as terras devolutas; ou seja, terras públicas sem destinação pelo Poder Público e que são alvo da apropriação privada ilegal, por parte de fazendeiros e especuladores de terras.
O fogo como arma, a “lei” e os governos como escudos
O fogo é um instrumento para o roubo dessas terras. Primeiro vem o desmatamento e a extração de madeira, seguidos pelos incêndios. Depois, vêm o capim, o boi ou algum monocultivo, como a soja. Na sequência, vem o perdão aos fazendeiros, concedido pelos governos de plantão, por meio da regularização fundiária da área roubada.
Isso foi realizado pelos governos FHC, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro. E só fez aumentar o apetite dos ladrões de terras, sempre premiados por seus crimes. Além disso, propositalmente, os governos de plantão mantêm uma regulação frouxa do mercado de terras, deixando de fora do controle público as “terras devolutas”, mas também se recusando a fiscalizar se as propriedades rurais possuem ou não a “função social”, tal como prevê a Constituição. Assim, as terras roubadas acabam sendo autodeclaradas como produtivas.
Parques Nacionais, Reservas Ecológicas ou Extrativistas, assim como Terras Indígenas (todas terras públicas) também são invadidas pelo avanço da fronteira do agronegócio, dos madeireiros e dos garimpeiros. O trabalho foi facilitado pela falta de agentes de fiscalização ambiental e sucateamento de órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Política econômica da ruína
Destruição ambiental é provocado pela agricultura capitalista
A destruição ambiental no Brasil e as emissões de GEE têm relação direta com o atual modelo econômico, baseado na exportação de produtos primários, agrícolas ou minerais.
Quem banca o agronegócio são os governos, através dos cofres públicos. Ano passado, o governo Lula destinou R$ 360 bilhões ao agro, por meio do Plano Safra. Este ano, anunciou mais R$ 400 bilhões ao setor, quebrando todos os recordes. Esse financiamento garante a expansão do agro sobre as cinzas da Amazônia, do Cerrado e outros biomas.
O governo financia a expansão desse modelo de agricultura para que o setor produza superavit na balança comercial; ou seja, os dólares que entram no país através das exportações, para que, assim, possa remunerar o sistema financeiro com o pagamento da dívida pública. Essa história começou com o governo de FHC que passou a despejar dinheiro público no agro depois da crise cambial de 1998.
Em outras palavras, a expansão do setor e a destruição dos nossos biomas estão totalmente conectadas com o capital financeiro. Quem ganha são os especuladores, os grandes bancos e alguns representantes do agro.
Na agricultura capitalista, o lucro brota e floresce da destruição
Além disso, a expansão territorial desse modelo de agricultura não pode parar. Isso porque a redução dos preços de produção do setor depende da abertura permanente de novas terras, mesmo as menos férteis, para, assim, obterem uma taxa cada vez maior da renda fundiária.
Por isso, na agricultura brasileira a tendência dos grandes proprietários é controlar, cada vez mais, as melhores terras e adquirir maiores quantidades de rendas. Mas, por outro lado, também buscar, por meio de pressões sobre o Estado, a incorporação de novas áreas na produção, a garantia do rebaixamento do preço de produção geral, que se converte em aumento da renda dos detentores dos melhores solos.
Por tudo isso, esse modelo de agricultura capitalista acelerou, em uma escala inédita, a destruição ambiental no país. Em um curtíssimo período, de 1985 até 2023, o Brasil perdeu mais de 110 milhões de hectares em áreas naturais, segundo dados do MapBiomas. Isso é quase a metade do que o país perdeu entre 1.500 até os dias de hoje.
Programa
Medidas para enfrentar a emergência climática
O Agro é fogo!
Os capitalistas do agronegócio destroem o meio ambiente no país, promovem as queimadas e são os maiores emissores dos Gases de Efeito Estufa. Basta de permissividade como agronegócio. Expropriação, sem indenização, do agronegócio. O confisco das terras do setor deve servir para a recomposição dos sistemas ecológicos e os biomas degradados. É preciso introduzir um novo modelo de agricultura, ecologicamente equilibrada (agroecologia ou agricultura sintrópica; ou seja, que considere a integração com a natureza e sua preservação) que, de fato, produza alimentos para a população e não monocultivos para exportação.
Por uma transição energética controlada pelos trabalhadores!
Pela redução das emissões de gases com efeito de estufa e pelo fim dos combustíveis fósseis!
O clima da Terra está chegando perigosamente ao ponto de não retorno. A única saída é a transição para fontes de energia limpa. Por um plano de transição energética emergencial, elaborado e controlado pelos trabalhadores e trabalhadoras, para desenvolver as energias renováveis. Um plano que parta da nacionalização dos recursos energéticos e das empresas de energia, como a Petrobras e a Eletrobrás, sob controle dos trabalhadores, e que receba investimentos públicos em tecnologias e processos que viabilizem uma transição para fontes de energia limpa. Contra a abertura de novas fronteiras petrolíferas e de novas termoelétricas, que só agravarão o aquecimento global, comprometendo a Terra e a humanidade.
Fortalecimento da defesa Civil e dos Sistemas de Prevenção a Desastres!
Para enfrentar novas catástrofes, é precioso criar uma empresa pública, sob controle dos trabalhadores, para a construção de infraestrutura de prevenção a desastres. Precisamos de um plano para enfrentar os eventos climáticos extremos que seja elaborado e implementado pela população, organizada em Conselhos Populares, em locais de trabalho e moradia, e que tenha o necessário apoio de técnicos e cientistas.
Revogação de todos os pontos de flexibilização da legislação ambiental!
Também é preciso fortalecer os órgãos de fiscalização ambiental do país, realizar novos concursos e intensificar as ações de prevenção a novos incêndios, com brigadistas, em conjunto com as populações indígenas, quilombolas e camponeses tradicionais, que, por séculos, têm utilizado seus saberes ancestrais para impedir o alastramento dos incêndios.