Argentina: A pátria não se vende?
Nas greves e manifestações, milhares de honestos ativistas operários, jovens e populares que afirmam ser peronistas e/ou kirchneristas, fizeram desta consigna o seu grito de guerra. Compartilhamos a aspiração à liberdade e à soberania que representa, bem como a compreensão de que a maior parte dos problemas sofridos pelo povo argentino são consequência da entrega dos recursos naturais do nosso país e do fato de governo após governo terem deixado de lado as necessidades das maiorias em função do pagamento da dívida externa ilegítima.
Por: Ricardo García – PSTU (Argentina)
Partilhamos a visão de que a maior parte do trabalho e da riqueza que produzimos vai para as mãos de grandes multinacionais e de organizações de crédito de países poderosos. E a vontade de acabar com isso de uma vez por todas.
Por isso estamos dispostos a lutar com todas as nossas forças para evitar que o nosso país seja vendido. Comprometemos a maior unidade de ação com todos os que se dispuserem, lealmente, a dar a sua vida para recuperar a nossa segunda e definitiva independência nacional, quebrando as cadeias (políticas, econômicas, militantes, jurídicas e institucionais) que nos sujeitam.
Em nome desse compromisso, queremos debater com franqueza, para tirar conclusões que nos ajudem neste enorme desafio.
A pátria já está bastante “vendida”
O atual governo, através da sua submissão explícita aos Estados Unidos e de todo o seu projeto, promoveu a Lei de Bases e o Pacto de Maio, assinados pela maioria dos governadores (incluindo muitos que fazem parte do que se chama “Peronismo”).
O RIGI e outros artigos representam um leilão a baixo preço de todas as riquezas do subsolo, do solo, do mar e dos rios da Argentina. Garante enormes lucros futuros às multinacionais que vêm “investir” (ou seja, colocar algum capital para imediatamente tirar muito mais, saqueando tudo). Disponibiliza energia, alimentos, minerais e água que deveriam pertencer ao povo.
Temos que derrotar esse projeto. Para estarmos em posição de fazê-lo, temos que ver onde estamos.
A entrega não começou hoje. Foi Menem, outro presidente peronista, quem deu continuidade à tarefa da Ditadura Militar, dando um forte impulso à colonização do país. O ano de 2001 e a nossa luta colocaram um freio momentâneo, que se expressou na luta contra a ALCA e o calote da dívida, o que possibilitou uma série de concessões ao povo.
Em 2005, Néstor Kirchner retomou o pagamento da dívida ao FMI, regressando ao círculo infernal da pilhagem e agindo ao contrário de Perón. Ao mesmo tempo, manteve em mãos privadas multinacionais as empresas privatizadas, bem como a Constituição de 1994, sancionada por Menem em acordo com Alfonsín, o que significou um avanço muito grande na entrega dos nossos recursos. O que já havia sido entregue não foi recuperado (com raríssimas exceções, como parte das Ferrovias, ou metade da YPF). Ou seja, a maior parte do que foi entregue permaneceu igual.
Durante os governos de Néstor e Cristina, não só a dívida continuou a ser paga, submetendo a nossa soberania aos tribunais internacionais, como foram aprovadas leis ordenadas pelos EUA (como a Lei Antiterrorista, que Milei hoje tenta aplicar contra aqueles que enfrentam seu plano).
Em 2010, com as festividades do Bicentenário, o governo de Cristina disse-nos que “havíamos conseguido a Segunda Independência” e que tínhamos libertado do jugo colonial. Infelizmente não foi assim. A Argentina não é um país independente. Essa é uma tarefa que está pendente.
Esta realidade permitiu a Macri (sem necessidade de grandes mudanças) aceitar novamente o acompanhamento do FMI e aumentar a dívida.
Foi novamente um governo peronista (o de Alberto e Cristina) que renegociou e regularizou a relação com o FMI, mantendo a submissão. E acabou colocando Sergio Massa – agente da embaixada ianque – no comando da economia.
Em suma, não somos independentes. A Pátria está bastante vendida. Não se trata apenas de impedir que Milei continue a entregá-la, mas de recuperar a nossa soberania, para a qual é necessário deixar de pagar a dívida externa, expropriar e recuperar todos os recursos naturais, expulsar as empresas multinacionais e colocar toda a riqueza ao serviço do povo. Além, é claro, de não abandonar a luta pela recuperação das nossas Malvinas e de outras ilhas do Atlântico Sul.
Macri teve o apoio do peronismo
Dizem-nos que foi Macri quem nos colocou novamente em dívida com o Fundo. A dívida com o FMI foi anulada, mas não a totalidade da dívida. Mas é verdade que Macri contraiu o último empréstimo de 44 mil milhões de dólares em 2018.
Macri ficou até o final do mandato graças à CGT e ao peronismo.
Em dezembro de 2017, os dias de luta em frente ao Congresso contra a Lei Previdenciária colocaram Macri à beira da queda. Ele próprio reconheceu que o seu governo tinha sido “quebrado”.
Em vez de continuar a luta até que ele fosse derrubado, a CGT e o peronismo pisaram no freio, sob a consigna “Há 2019”, e que os “tempos eleitorais” tinham que ser respeitados. Ou seja, esta nova dívida não existiria se a CGT e o peronismo tivessem agido de forma diferente.
Não se enfrenta Milei seriamente
Realizamos enormes mobilizações e duas greves gerais, apesar da desconfiança nos dirigentes da CGT. A classe operária mostrou a sua disposição de confrontar Milei e o seu plano. Infelizmente, grande parte do peronismo colaborou com a votação da Lei de Bases, e muitos governadores assinaram o Pacto de Maio, um pacto antitrabalhador e de rendição.
No dia 12 de junho, quando acontecia a votação no Senado (ou seja, no último turno), a CGT e outras centrais não entraram em greve. A maioria dos sindicatos não se mobilizou e outros que se mobilizaram não chegaram à Praça do Congresso (como os Caminhoneiros) ou retiraram-se antes da votação, abrindo espaço para a repressão. Os prefeitos e outras figuras peronistas não se mobilizaram.
É fato que as lideranças sindicais negociaram e após a sanção da Lei de Bases voltaram a se reunir com o governo.
Por ação ou omissão, todo o Peronismo colaborou com o projeto de Milei.
Suas principais figuras atuais (como Guillermo Moreno ou Grabois, além de Cristina) repetem que devemos respeitar os tempos de democracia, e deixar Milei governar até o final do seu mandato. Que tem que preparar a substituição para mais tarde. E enquanto isso? Deixamo-lo vender o que resta do nosso país? É isso o que tem que fazer? A fome, as demissões, as suspensões, a inflação não podem esperar.
Para recuperar a Pátria temos que lutar seriamente
Não vamos parar a entrega com meias medidas ou esperando as eleições. A independência foi alcançada há dois séculos através de um confronto continental armado contra o opressor espanhol. Não haverá Segunda e Definitiva Independência sem uma luta igual ou maior.
Temos que enfrentar o império e seus agentes e cafetões locais, como fizeram San Martín, Belgrano, Moreno e outros heróis.
Essa é a batalha que travamos e só pode ser alcançada através de uma nova Revolução, que enfrente os opressores até às últimas consequências.
Para isso, precisamos nos preparar e nos organizar com novos líderes políticos e sindicais. Empenhamos os nossos maiores esforços e a atitude mais unitária com aqueles que estão seriamente dispostos a romper com a dependência e alcançar a liberdade.
Em princípio, apelamos aos simpatizantes peronistas honestos para que se organizem juntos, exijamos que a CGT e o peronismo quebrem a trégua com Milei e vamos sair e lutar para derrotar o seu projeto. E mais uma coisa: não podemos esperar que eles decidam. A partir de agora temos que preparar a luta desde baixo para alcançá-lo.