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quarta-feira, setembro 18, 2024

Em solidariedade com os estudantes de Bangladesh

As cenas atuais em Daca são uma reminiscência de cenas do passado, quando milhares de jovens bengalis marcharam contra a imposição do urdu como língua nacional. Em 1954, estudantes e jovens de Bangladesh iniciaram uma cadeia de eventos que culminou na libertação de Bangladesh 17 anos depois.

Por: Adhiraj (New Wave – Índia)

Hoje, milhares de estudantes estão marchando pelas ruas novamente e o fogo está sendo aberto contra eles. Desta vez, não são as legiões do estado policial e do exército paquistanês, mas os paramilitares, policiais e bandidos da República de Bangladesh liderados pela Liga Awami.

Enquanto escrevo isso, 105 pessoas foram mortas, a maioria pelas mãos do Estado. Em resposta aos protestos pacíficos dos estudantes, o governo libertou os paramilitares e bandidos armados da Liga Awami. As reivindicações dos estudantes foram rejeitadas por um governo arrogante e antipático, que agora responde com força esmagadora.

A primeira-ministra Sheikh Hasina tem o apoio incondicional da Índia e da China, bem como o êxito de uma eleição fraudada e encenada, na qual os partidos da oposição desapareceram completamente.

Forças históricas e materiais em jogo

O Paquistão implodiu sob o peso de suas contradições internas. Encurralado pela luta por estados principescos que se seguiu à divisão da Índia, encontrou-se mais pobre e em pior situação do que seu vizinho muito maior, a Índia. A burguesia teve que se militarizar, não apenas para igualar a força das forças armadas da Índia, mas também para garantir que as outras repúblicas do Paquistão permanecessem sob o domínio da elite burguesa proprietária de terras em Punjab. Essa militarização não seria suficiente para manter amarrado o povo bengali, que foi o primeiro a se rebelar com êxito contra o Estado paquistanês.

O estado paquistanês reprimiu brutalmente a luta pela independência usando coerção e força militar para restaurar o domínio paquistanês, mas isso falhou devido à resistência do povo bengali e à intervenção do exército indiano. A intervenção da Índia, ao mesmo tempo em que garantiu a independência de Bangladesh, garantiu que a Liga Awami burguesa chegasse ao poder. O que veio em seguida foi outro desastre, desta vez causado pela má gestão da economia e corrupção da Liga Awami. Assim que o estado nascente de Bangladesh emergiu, se afundou na autocracia com a Liga Awami no comando.

Essa autocracia, apoiada pela Índia, caiu pouco depois em um golpe militar, colocado em prática por ambiciosos oficiais do recém-formado Exército de Bangladesh, um exército criado com a ajuda da Índia, forjado na luta pela independência. Ao longo de sua breve autocracia, a Liga Awami, sob o comando do xeque Mujibar Rehman, presenteou o povo de Bangladesh com fome devastadora e terror do regime de BAKSAL. O regime militar que emergiu pouco depois reverteu alguns dos ganhos progressivos obtidos pela guerra de libertação; o regime do general Zia fez do islamismo a religião do Estado e iniciou um processo de normalização com o Paquistão e os Estados Unidos.

A ordem foi restaurada, mas não a democracia. Bangladesh permaneceu tão empobrecido quanto antes. Finalmente, o general Zia morreu, supostamente assassinado, e foi substituído pelo general Ershad, com um governo muito mais pró-Índia, embora com uma ditadura de direita, que formalizou a transição de Bangladesh para uma república islâmica.

A democracia e o secularismo, os pilares ideológicos gêmeos da guerra de libertação, estavam mortos e enterrados. No entanto, as massas não ficaram inativas por muito tempo. Os movimentos para restaurar a democracia conseguiram derrubar a ditadura de Ershad. A democracia voltou, mas sob a liderança de dois partidos burgueses cruelmente corruptos e exploradores. A Liga Awami, liderada por Sheikh Hasina Wajed (que é o atual partido no poder e governa ininterruptamente desde 2009) e o Partido Nacionalista de Bangladesh, formado pelo general Zia e liderado por sua filha Khaleda Zia. Grande parte das últimas décadas do século XX e a primeira década deste século foram marcadas pela rivalidade dos dois “begums”. Sua rivalidade política encharcou o país de sangue, e um reinado de terror começou contra a minoria hindu de Bangladesh, que antes havia sido privada de direitos e sofria discriminação institucionalizada. Pogroms ocorreram novamente em Bangladesh, em resposta a tumultos em massa contra muçulmanos na Índia.

Enquanto os begums lutavam, o país continuava pobre e seu povo entre os mais pobres do mundo. Bangladesh foi descartado como um “caso perdido”. Isso continuou, até que a sorte do país mudou a partir de 2006, quando o “caso perdido” se tornaria a fábrica de suor para a indústria têxtil global.

A fábrica clandestina do mundo

Décadas de empobrecimento criaram uma força de trabalho barata e fácil de explorar. À medida que os centros tradicionais de produção têxtil global começaram a declinar, a produção mudou para áreas de baixos salários no sul e sudeste da Ásia. Bangladesh tornou-se beneficiário dessa mudança. Em 2006, o governo do BNP entrou em colapso, seguido por um governo interino que durou mais do que seu mandato, até 2009. Nas eleições daquele ano, a Liga Awami venceu por uma ampla margem e iniciou a transformação de Bangladesh em uma oficina de exploração autocrática.

A Liga Awami modelou seu regime na forma mais autocrática de governo do Congresso sob Indira Gandhi. Embora parecesse apaziguar as demandas das massas, o partido permaneceu firmemente enraizado nos interesses da burguesia. De fato, a Liga Awami tornou-se um dos principais pilares da burguesia emergente de Bangladesh. Muitas facetas do governo da Liga Awami imitam a antiga autocracia do regime BAKSAL na década de 1970. A Liga Awami procurou legitimar-se ainda mais usando o legado das lutas pela independência. Não importa o fato de que a libertação de Bangladesh foi amplamente alcançada por forças de esquerda e organizações revolucionárias, que a Liga Awami esmagou ativamente uma vez no poder.

Um momento chave na história recente de Bangladesh foram os protestos na Praça Shahbag, onde mais uma vez os jovens foram às ruas exigindo justiça para as vítimas do genocídio perpetrado pelo exército paquistanês e seus colaboradores durante a guerra de libertação. Os protestos centrados na Praça Shahbag tornaram-se um movimento de massa em todo o país, mas a Liga Awami conseguiu sequestrá-lo e deslocou sua atenção para a pena de morte para alguns criminosos de guerra presos. Eles usaram os movimentos populares como uma ferramenta para seus próprios ganhos políticos.

Desde então, a Liga Awami reforçou seu controle, enquanto perseguia seus oponentes políticos, principalmente a oposição burguesa de direita, o BNP e seus aliados. Embora a eliminação ativa das forças reacionárias seja sempre bem-vinda, especialmente quando é realizada por forças progressistas, nas mãos da Liga Awami, o que realmente se alcançou foi uma legitimação dos partidos islâmicos de direita. O povo agora sofre sob a autocracia da Liga Awami, cujos ministros se enriquecem com fábricas clandestinas que produzem roupas para fast fashion. Bilhões são ganhos enquanto os trabalhadores que produzem essa riqueza estão sujeitos a algumas das piores condições de trabalho e aos piores salários.

O desastre no Rana Plaza, ocorrido dois anos antes dos protestos de Shahbag, evidenciou essa realidade. Sob Sheikh Hasina, Bangladesh se tornou a fábrica de suor do mundo, uma “história de crescimento” elogiada pela grande mídia capitalista. Hoje, os jovens estão queimando esse “modelo” até o chão.

A pandemia de Covid e a crise de emprego em Bangladesh

Poucas nações em desenvolvimento foram tão duramente atingidas pela pandemia como Bangladesh. A pandemia de Covid e as consequentes medidas de confinamento impostas em todo o mundo paralisaram repentinamente as economias. Bangladesh, que depende fortemente de remessas de mão de obra migrante e exportações de roupas baratas, viu centenas de milhares de trabalhadores migrantes serem demitidos ou enviados de volta e contratos de roupas cancelados.

O cancelamento dos contratos derivou em uma redução na renda e, como sempre, o fardo da crise foi repassado para a classe trabalhadora. Enquanto os ricos patrões da indústria têxtil conseguiram evitar a crise com seus milhões, o trabalhador têxtil médio, que muitas vezes é o único que gera renda para a família, teve que sofrer com o desemprego e os cortes salariais. Os trabalhadores do setor têxtil entraram em pé de guerra, entraram em greve e protestaram por salários justos, contra demissões e por aumentos salariais. Com o pilar central da economia desmoronando, o resto da vacilante economia de Bangladesh começou a rachar. Por sua vez, isso criou uma crise de empregos para os jovens.

A pandemia de Covid foi seguida por outra crise, desencadeada pela invasão da Ucrânia pela Rússia e subsequentes sanções às exportações de petróleo russo. A economia já enfraquecida de Bangladesh se viu na pior situação possível, com os altos preços do petróleo aumentando ainda mais a pressão inflacionária.

Chegamos assim ao presente, em que os jovens não têm perspectivas de emprego e têm que sobreviver em meio a uma subida cada vez maior dos preços. O resultado que vemos hoje é que centenas de milhares de jovens estudantes em todo o país estão protestando, desafiando a polícia e a força bruta da Liga Awami, para que suas reivindicações sejam atendidas.

O sistema de cotas em Bangladesh

O sistema de cotas de Bangladesh reserva um certo número de vagas em estabelecimentos de ensino e cargos públicos. As cotas reservadas são as seguintes: 10% das vagas reservadas para mulheres, 10% reservadas para pessoas de determinados distritos, que as solicitem, 5% para minorias étnicas (de Chittagong Hills e grupos similares). A isso, o governo de Sheikh Hasina acrescentou uma cota de 30% para os descendentes daqueles que lutaram na guerra de libertação. Isso ocorre em um momento em que os jovens de Bangladesh estão lutando com taxas de desemprego acima de 12% e inflação galopante.

Embora superficialmente, a intenção possa parecer benigna, como recompensa àqueles que se sacrificaram pela guerra de libertação, na prática, no entanto, isso se torna um estratagema para monopolizar lugares para aqueles ligados ao partido no poder. Indiretamente, isso só aumenta o poder da Liga Awami sobre as instituições educacionais do país e no domínio do emprego público. A mudança foi proposta em 2018, quando foi retirada e enviada ao Supremo Tribunal para sentença. Posteriormente, o Supremo Tribunal decidiu a favor do sistema de cotas, mantendo sua constitucionalidade.

Os estudantes protestaram novamente e a primeira-ministra Sheikh Hasina respondeu chamando-os de “Razakars”, em homenagem aos temidos colaboradores paramilitares do exército paquistanês em 1971. O insulto apenas acendeu as paixões dos estudantes que entraram em greve. A Liga Awami respondeu com uma dura ação policial e enviou seus capangas lúmpens para acabar com a greve. Isso teve o efeito oposto e levou o país, e especialmente a capital, a uma espiral de violência. Sheikh Hasina vê corretamente a revolta estudantil como uma ameaça à sua autocracia, já que os estudantes estão lutando contra mais do que apenas o sistema de cotas; este é um ponto crítico de um movimento muito maior e mais profundo para lutar contra a autocracia do governo da Liga Awami.

Os protestos vão além do sistema de cotas

Embora as cotas excessivas sejam a primeira faísca dos protestos, eles falam de um problema mais amplo: a autocracia da Liga Awami. O sistema que Sheikh Hasina construiu e aperfeiçoou durante os 15 anos de seu governo, onde transformou Bangladesh em uma oficina autocrática de trabalho escravo para conglomerados multinacionais de vestuário, é fundamentalmente o que está sendo desafiado.

As cotas chegam em um momento em que Bangladesh enfrenta aumento do desemprego, aumento da inflação e uma crise econômica geral. Os efeitos da pandemia de Covid ainda estão se manifestando e as indústrias lutando para recuperar perdas impressionantes e cortando contratações. A fraca economia de Bangladesh continua a depender do comércio adverso com a Índia e das relações desiguais com o núcleo imperialista. A exportação de têxteis baratos e a exportação direta de mão-de-obra através da oferta de mão-de-obra imigrante são os dois pilares deste país agrário e em grande parte rural. A burguesia teve 50 anos para mudar Bangladesh, e a única coisa que mostrou foi sua capacidade de reprimir o povo. Sheikh Hasina agora se junta a uma longa linha de autocratas na história de Bangladesh, que remonta a seu pai, Sheikh Mujibar Rahman.

Em novembro do ano passado, os trabalhadores do setor de vestuário estavam em pé de guerra em Bangladesh e entraram em greve para aumentar seus salários abissalmente baixos e melhorar as condições de trabalho. Eles também tiveram que enfrentar a infame e desprezível repressão da polícia e dos paramilitares. Agora, os estudantes estão enfrentando isso depois de protestar pacificamente por suas reivindicações. O governo não ouve, não quer ouvir, só quer se agarrar ao poder, não importa quantos cadáveres se acumulem e quanto dano seja causado. Eles devem unificar-se contra um inimigo comum na forma de Sheikh Hasina e o partido da Liga Awami.

Diante de tal inimigo, os estudantes e a juventude de Bangladesh devem ter a classe trabalhadora e a juventude do mundo do seu lado!

SOLIDARIZE-SE COM OS ESTUDANTES DE BANGLADESH!

ABAIXO O GOVERNO DE HASINA!

REFORMAS DE COTAS JÁ!

EDUCAÇÃO GRATUITA E IGUALITÁRIA PARA TODOS!

21 de julho de 2024

Tradução: Lílian Enck

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