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Europa

Eleições para o Parlamento Europeu 2024: União Europeia acentua o seu declínio como bloco imperialista

junho 25, 2024

As eleições para o Parlamento Europeu de 2024 foram marcadas por uma grande ascensão da extrema direita em toda a União Europeia (UE)[1]. Um ascenso que foi facilitado pela sua crescente legitimação pelos partidos da direita europeia tradicional, como ficou evidente no caso de Georgia Meloni.

Por: Victor Alay

O Rassemblement National (RN) de ultra-direita alcançou o primeiro lugar na França, um dos dois países centrais da UE, dando lugar a uma profunda crise política que abala toda a Europa. Na Alemanha, o país mais poderoso da UE, a Aliança para a Alemanha (AfD), de ultra-direita, ficou em segundo lugar, ultrapassando o Partido Social Democrata (SPD) e deixando o governo de coligação de Scholz dependente de respiração artificial. Também venceram num país de importância primordial como a Itália. E o mesmo aconteceu em lugares como a Hungria, a Áustria e a Polônia (se contarmos os votos dos dois partidos de extrema-direita que concorreram). Na Holanda caminhamos para um governo hegemonizado pela extrema direita de Wilders. Da mesma forma, a extrema direita participa em governos de coligação na Suécia, na Finlândia e na Letónia.

Os resultados das eleições europeias trouxeram a crise política para o coração de uma UE com as suas principais potências, a Alemanha e a França, enfraquecidas e em crise. Significaram um nítido aumento das tendências nacionalistas, precisamente em um momento em que a UE, imprensada no meio do confronto entre os dois principais imperialismos mundiais, os EUA e a China, desempenha um papel cada vez mais subordinado na economia e na política mundiais. Uma eventual vitória de Trump em novembro nos EUA contribuiria sem dúvida para acentuar esta crise profunda.

Os resultados eleitorais, embora tenham sido antecipados pelas sondagens, continuam a ser uma ameaça nítida para a classe trabalhadora e os sectores populares e oprimidos da Europa.

A extrema direita europeia

Os avanços eleitorais da extrema direita são, sem dúvida, relevantes. A atual ultra direita tem pontos de contacto e, em muitos casos, laços históricos com os antigos partidos fascistas da década de 1930. É o caso de RN na França ou o de Fratelli d’Italia de Meloni. A AfD alemã assume a história abrangente da Alemanha, que inclui, óbvio, a era nazi. No entanto, sendo isto verdade, nas atuais circunstâncias não podemos equipará-los às suas origens e devemos analisar as suas características particulares em relação aos antigos fascismos de Hitler, Mussolini ou Franco.

A extrema direita não depende, como na década de 1930, da formação de bandos fascistas armados[2], compostos principalmente por sectores sociais desesperados da pequena burguesia. Baseia-se, no entanto, no quadro parlamentar. Apesar de reivindicarem de forma mais ou menos evidente a herança fascista, de existirem nazis violentos nas suas estruturas e de manterem relações, nem sempre fáceis, com grupos fascistas armados. A extrema direita europeia não está atualmente trabalhando com perspectivas insurrecionais, mas com a ideia de confiar nos canais parlamentares para restringir os direitos e liberdades democráticas e estabelecer um Estado bonapartista autoritário. Geralmente têm grande simpatia e apoio nos setores policial e militar, o que representa um grande perigo potencial.

São partidos chauvinistas, patrióticos e verdadeiramente nacional-imperialistas no caso dos países imperialistas Europeus. O seu lema é Menos Europa, mais pátria[3] e são contra o novo projeto de ampliação da UE, em direção ao leste, recentemente aprovado. Eles se definem como soberanistas e patriotas. Contrapõem a soberania nacional do seu país com a da UE e exigem a devolução dos poderes aos Estados. Como diz a AfD alemã, defendem um novo lar para uma comunidade de Estados soberanos. No entanto, hoje, já não defendem, como antes, a saída da UE. A ultra direita alemã também defende, ao contrário de Meloni, a saída das tropas norte-americanas e o fechamento da base americana em Ramstein, embora esteja dividida quanto à adesão da Alemanha à OTAN.

A principal bandeira da extrema direita é a luta contra a imigração. A xenofobia, a islamofobia e o supremacismo racista constituem uma parte central do seu programa. Apoiam a tese da conspiração da Grande Substituição da civilização e a cultura cristã ocidental pelas mãos de uma invasão islâmica em massa e defendem o fechamento de fronteiras e as expulsões massivas. Em novembro passado, expoentes da extrema-direita alemã reuniram-se em Potsdam em defesa da Grande Reemigração para o Norte da África de dois milhões de pessoas, incluindo solicitantes de asilo, estrangeiros com autorização de residência e cidadãos alemães não assimilados.

O enorme aumento de migrantes provenientes de países semicoloniais arruinados, saqueados, oprimidos, com governos servis, com as suas populações atingidas por situações de guerra, fome, seca e falta de saídas, se combina com a decadência capitalista nas metrópoles anfitriãs, onde os mais pobres setores da classe trabalhadora e do campesinato vivem cada vez pior e sofrem maiores privações. A ultra direita aproveita esta circunstância dramática, faz demagogia com os crimes ou certos excessos cometidos por estrangeiros e coloca os pobres contra os mais pobres, apresentando os imigrantes como os culpados da sua situação: como ladrões dos seus subsídios e como responsáveis ​​pelos seus baixos salários e condições de trabalho.

A agenda econômica da extrema direita é o ultraliberalismo e o repúdio aos direitos trabalhistas e às conquistas sociais, embora nem todos os partidos de ultra direita o expressem com igual nitidez. Não é por acaso que Milei foi o grande convidado do encontro de ultra direita em Madrid organizado pelo Vox pouco antes das eleições europeias.

A ultra direita questiona a própria existência das mudanças climáticas e da emergência climática. Apoiam-se nas recentes mobilizações dos agricultores europeus (na sua maioria dirigidos e influenciados por grandes patronais agrícolas) para se oporem frontalmente a qualquer medida de mitigação climática (deve-se dizer também que, sem ir tão longe como a extrema direita, a direita tradicional está chegando a acordos com a mesma nesta área num número crescente de países). A ultra direita apresenta-se abertamente como antifeminista e defensora do homem oprimido e se enfrenta abertamente com o movimento em defesa dos direitos das mulheres e defende e da população LGTBI.

Na política internacional, todos eles, Le Pen, Meloni ou a AfD, defendem o seu próprio imperialismo. Todos eles também apoiam o rearmamento e a militarização (juntamente com os governos de direita e social-democratas). Também apoiam, sem exceção, o genocídio sionista contra o povo palestino. No entanto, estão divididos em relação à Rússia. Temos, por um lado, os amigos de Putin (Orbán, a AfD, o italiano Salvini ou, com mais discrição, o RN francês), que são contra qualquer tipo de ajuda militar ou econômica à Ucrânia e a favor da entrega do Donbass ucraniano para a Rússia. A AfD defende expressamente o restabelecimento das relações com a Rússia, o fim das sanções econômicas e a volta às compras de gás. Por outro lado, temos a italiana Meloni  ou o Vox espanhol, nitidamente alinhados com a OTAN e contra a Rússia.

O avanço da Aliança pela Alemanha (AfD)

Na Alemanha, o principal partido do governo, o social-democrata SPD, ficou (com 14% dos votos) atrás da extrema-direita AfD (Alternativa pela Alemanha), com 16%. A AfD tornou-se a segunda força política no país (atrás dos democratas-cristãos CDU-CSU com 30%) e a primeira nos landër da antiga Alemanha Oriental.

Alcançou estes resultados apesar dos escândalos anteriores às eleições (declarações protonazis do seu primeiro candidato, Maximilian Krah, e julgamentos de alguns dos seus líderes por espionagem a favor da Rússia e da China).

Antes das eleições, as 300 maiores corporações patronais alemãs tomaram uma posição pública contra a AfD, que consideram, nas atuais circunstâncias históricas, um obstáculo aos seus interesses. A grande patronal alemã, com fortes investimentos no estrangeiro e grandes interesses exportadores, precisam vitalmente da UE para os seus negócios, tanto na Europa – o seu principal mercado de exportação – como no estrangeiro, bem como para tentarem pesar politicamente num quadro internacional dominado pelo confronto entre os EUA e a China. Também precisa de trabalhadores especializados para a sua indústria, cuja necessidade a Alemanha não consegue satisfazer. É por isso que não concorda com as posições ultranacionalistas da AfD, contrárias à UE. Da mesma forma, também não participa de sua extrema xenofobia. Embora utilize exaustivamente a divisão nativo-estrangeiro no seio da classe operária alemã, a grande  patronal não concorda com teses como a da grande Reemigração, o que implicaria a expulsão massiva de estrangeiros legais e de cidadãos alemães não assimilados que, nitidamente, necessita para suas fábricas e negócios.

A ascensão da extrema-direita alemã é proporcional ao declínio do país. O capitalismo alemão, que já se destacava como o mais poderoso da Europa, teve um enorme impulso na década de 90 do século passado com a unificação alemã (na verdade a anexação da Alemanha Oriental) e com a expansão para a Europa Oriental, semicolonizada pelo capitalismo alemão baseado no ampliação da UE. O antigo Glacis foi convertido num novo mercado e numa base para deslocar fábricas para países com menor nível de escolaridade salários e direitos e com poucas regulamentações ambientais e sociais.

Mas a Alemanha oriental nunca foi realmente equiparada ao ocidente. Ainda hoje existem duas Alemanhas, com alemães de primeira classe e alemães de segunda classe. 70% da indústria da Alemanha oriental foi desmantelada e o resto entregue a grandes corporações do ocidente, com salários e aposentadorias mais baixos, regulamentações laborais mais baixas e pior acesso à educação e aos cuidados de saúde. A Alemanha oriental tornou-se uma espécie de laboratório de experimentos sociais a serem posteriormente aplicadas no ocidente.

Depois, em 2003, o chanceler social-democrata Gerhard Schröder (hoje um proeminente empresário e associado de Putin) tornou-se, com a sua Agenda 2010 e o apoio do SPD, a vanguarda europeia da desregulamentação do mercado de trabalho, da redução dos subsídios de desemprego e do estabelecimento de um setor de baixos salários e sem direitos.

Agora, seguramente, atingimos o fim do excepcionalismo alemão. O capitalismo alemão vive o esgotamento do impulso que lhe deu a unificação, a expansão para os países orientais e a Agenda 2010 de Schröder. A guerra de agressão de Putin contra a Ucrânia levou a uma ruptura no acesso ao gás e ao mercado russo. Com um forte atraso em relação aos EUA e à China em novos ramos tecnológicos, bem como economicamente estagnada, a Alemanha encontra-se sem novos mercados para as suas exportações e com uma relação substancialmente diferente com a China em comparação com a década de 2000. Agora, as empresas alemãs competem com a China na própria UE e na própria Alemanha, por exemplo, com o carro elétrico (que ainda não ganhou impulso) ou com os painéis solares. Ao mesmo tempo, uma potência exportadora como a Alemanha não pode, como fazem os EUA, promover medidas protecionistas contra a China, ainda mais quando grandes empresas alemãs têm ali enormes investimentos orientados para o mercado chinês. Tal como expresso no genocídio sionista de Gaza, o imperialismo alemão atua como um anão político subordinado aos EUA.

A ascensão da AfD é apoiada por este declínio e incerteza do imperialismo alemão. Ganha força no profundo sentimento de frustração do leste do país, na desesperança de setores das classes médias, na perda de poder de compra devido à inflação e na deterioração dos salários e das condições de trabalho dos setores mais empobrecidos dos trabalhadores alemães. Aparece como uma alternativa à social-democracia e aos partidos de direita. A sua principal expressão é a rejeição xenófoba da população estrangeira[4].

É preciso acompanhar com muita atenção ao BSW, que é uma força parda-avermelhada da ex-lider do Die Linke Sara Wagenknecht, que obteve 6,2% dos votos, com especial impacto no landër oriental. Este partido afirma-se como defensor dos direitos dos trabalhadores, reivindica o passado estalinista da RDA e assume as principais bandeiras da AfD: é contra a imigração e é islamofóbico e nacionalista; apoia o genocídio israelense; é contra qualquer ajuda à Ucrânia e é pró-Putin; rejeita a agenda verde e as políticas de igualdade de gênero. As próximas eleições de Outono nos landër da Turíngia, Saxónia e Brandemburgo, no Leste, dar-nos-ão pistas sobre o seu futuro (e o de forças semelhantes noutros países).

A vitória do RN na França provoca uma crise profunda no país, que arrasta a UE

Os resultados das eleições europeias na França, embora antecipados pelas sondagens, foram um grande choque. O colapso de Macron (14,6% dos votos) e o triunfo da extrema direita do RN (31,37%) colocaram o governo e o Presidente Macron numa situação insustentável. A sua decisão inesperada e denunciada de dissolver a Assembleia Nacional e convocar eleições gerais imediatas colocou a França num cenário novo e perigoso e a UE num futuro incerto.

O colapso de Macron é um verdadeiro reflexo do declínio do imperialismo francês, o segundo maior país europeu que, juntamente com a Alemanha, constitui o pilar da UE. A arrogância de Macron não conseguiu esconder esta realidade. A França está sendo expulsa das suas antigas colônias africanas, os seus serviços públicos sofrem uma grave deterioração, a sua economia está estagnada, com elevados níveis de dívida (110,6%) e de déficit público (5,5%). Desde as mobilizações dos Coletes Amarelos (2018-2019), tem sido uma vanguarda europeia na repressão da dissidência e dos ataques às liberdades democráticas e aos direitos sociais fundamentais, como as aposentadorias públicas. O principal beneficiário deste declínio é atualmente o RN, que aspira a formar governo e que, como diz o seu candidato a primeiro-ministro, Jordan Bardella, quer pôr ordem nas ruas e nas contas e atender ao princípio da realidade (isto é, não cumprir algumas das suas antigas promessas demagógicas, como a retirada da reforma previdenciária de Macron)

Foi muito animadora a ida para a rua do 09 de junho e posteriores, com a juventude à frente, e, mais tarde, a manifestação de centenas de milhares  do “povo de esquerda” no dia 15 de junho.

Retomando o velho nome de Frente Popular de 1936, a esquerda política se constituiu com Nova Frente Popular (NFP) o salários e direitos e com poucas regulamentações ambientais e sociais. É composta por, desde a abertamente burguesa Place Publique até ao ex-trotskista NPA-canal historique, abrangendo partidos (La France Insoumise, o PS, Verdes, PCF) e com o apoio dos sindicatos e de uma centena de associações.

O acordo eleitoral inclui nas listas alguns personagens especialmente odiosos como Aurélien Rousseau, chefe de gabinete do antigo primeiro-ministro de Macron durante 2022-2024 e arquiteto da reforma da previdência ou François Hollande, presidente socialista entre 2012-2017, que chegou a ser mais impopular até mesmo do que Macron devido às suas políticas radicalmente neoliberais e antioperária.

O programa NFP, que se move no quadro do capitalismo imperialista francês e da UE, contém exigências como a anulação da reforma da previdência e do seguro de desemprego de Macron, o aumento do salário mínimo, o bloqueio dos preços dos bens de primeira necessidade, a indexação dos salários com o aumento dos preços ou a efetiva gratuidade da escola pública.

Mas se conseguirem chegar ao governo, terão de enfrentar o boicote à presidência de Macron, uma ofensiva raivosa da extrema direita e a sabotagem econômica da grande patronal francesa e internacional. Enfrentar esta ofensiva conjunta e garantir o cumprimento das medidas sociais prometidas é impossível sem levantar um movimento revolucionário de massas que permita a expropriação dos bancos e das grandes corporações, que coloque os meios de produção nas mãos da classe trabalhadora e que acabe com o imperialismo francês no exterior. Tudo isto é impossível no quadro do capitalismo francês, da Quinta República Francesa e da UE, que nada mais é do que a Europa do capital.

Momentos de enorme importância estão para chegar para a classe trabalhadora francesa, europeia e do resto do mundo num futuro próximo, quer a extrema-direita do RN ou o NFP ganhem.

Junho de 2024


[1] Ainda que em alguns países pequenos como a Suécia, a Finlândia ou Portugal experimentou retrocessos.

[2] A exceção foi a grega Aurora Dourada

[3] Exatamente o contrário do recente relatório de Maria Draghi para a EU, onde defende que a “Europa tem que atuar como uma nação econômica, não como uma federação assimétrica”

[4] A Alemanha é o segundo país do mundo, depois dos EUA, em número de imigrantes. Em 2015-2016, chegaram um milhão de cidadãos sírios e, em 2022, um milhão de ucranianos. Há também um grande número de pessoas provenientes da Turquia, muitas delas naturalizadas, mas não integradas culturalmente, como a grande maioria dos imigrantes. Em 1990 eram 5,9 milhões; trinta e um anos depois, segundo dados da ONU, quase 16 milhões, 16% da população total.

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