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Chile

Sobre a prisão preventiva de Daniel Jadue

junho 19, 2024

Hoje (03/06), a juíza Paulina Moya decretou a prisão preventiva de Daniel Jadue, prefeito de Recoleta, do Partido Comunista, e de outros réus no caso “Achifarp”. Daniel Jadue e outros funcionários do município de Recoleta estão formalizados (são informados dos fatos pelos quais estão sendo investigados) por uma série de supostos delitos relacionados à compra de suprimentos médicos da empresa Best Quality durante a pandemia. Os delitos imputados são estelionato, administração desleal, corrupção passiva, fraude fiscal e delito de falência. Um resumo do caso pode ser encontrado aqui.

Por: MIT Chile

Diante dessa situação, o Partido Comunista, outras organizações de esquerda e muitos ativistas saíram em defesa do prefeito. Os que defendem Jadue argumentam que o prefeito estaria sofrendo perseguição política devido ao seu papel de destaque em “questionar” o neoliberalismo chileno por meio de suas iniciativas, como as farmácias populares. No mesmo sentido, afirmam que a perseguição política ocorre às vésperas das eleições municipais, o que pode significar um duro golpe para o Partido Comunista. O que mais impressiona na discussão, no campo da esquerda, é que quase ninguém discute os indícios de corrupção que o Ministério Público diz realmente existir.

A justiça é burguesa

Antes de mais nada, é preciso esclarecer que não confiamos na justiça burguesa. Sabemos que a justiça tem um caráter de classe, que as leis são feitas sob medida para os grandes empresários e que juízes, promotores e todo o aparato judicial estão a serviço dos donos do país. Assistimos a inúmeros casos de impunidade de políticos, militares e empresários corruptos e violadores dos direitos humanos nas últimas décadas. Há algumas semanas, vimos como Cathy Barriga, acusada de fraudar o município de Maipú em mais de 30 bilhões de pesos, deixou os tribunais sorridente com uma medida cautelar de prisão domiciliar. Outro caso recente é o de Luis Hermosilla, um advogado muito próximo do grande empresariado e responsável por inúmeros crimes, que pudemos ouvir através respectivos áudios há alguns meses e que atualmente continua andando livremente pelas ruas. Para os juízes, Hermosilla e Cathy Barriga não são um perigo para a segurança da sociedade. Mas Jadue é? Por outro lado, vimos quantos jovens da primeira linha foram mantidos em prisão preventiva por anos, vários sem provas contra eles, ou como líderes mapuches são presos simplesmente por lutarem por suas terras.

Identificar o caráter parcial e de classe da justiça, no entanto, não pode nos levar a defender automaticamente qualquer político que supostamente critique o sistema e tome medidas progressistas, como é o caso de Daniel Jadue. Os indícios que existem contra Jadue e os funcionários da antiga Associação das Farmácias Populares são vários e devem ser investigados a fundo. Queremos perguntar àqueles que defendem Daniel Jadue: não é necessário investigá-lo? É impossível que a corrupção exista na “esquerda”? Porque a justiça burguesa não pune os corruptos da direita, devemos defender a liberdade para os possíveis corruptos da “esquerda”?

O Partido Comunista administra o Estado burguês

Como escrevemos anteriormente, a tese defendida por Daniel Jadue e seus seguidores é de que o prefeito estaria sofrendo perseguição política. Aqui vale lembrar que o Partido Comunista hoje administra o Estado burguês. O Partido Comunista, juntamente com a Frente Ampla e o Partido Socialista, são hoje os grandes responsáveis pela perseguição política dos lutadores sociais. Eles são responsáveis pela aprovação de leis que criminalizam a ocupação de terras, são responsáveis pela prisão de líderes mapuches (entre eles Héctor Llaitul, que hoje inicia uma greve de fome), pela militarização da Araucanía, pelos enormes investimentos no aparato de segurança do Estado burguês. O Partido Comunista não é vítima do Estado burguês, o PC codirige esse Estado. A tese de que Jadue, figura do Partido Comunista, estaria sofrendo perseguição política por ser um grande opositor do “neoliberalismo” ou do grande capital é, no mínimo, muito questionável.

Medidas reformistas como óticas populares, farmácias populares etc., embora possam ter beneficiado setores da população por um tempo, não rompem com a lógica do mercado capitalista. Por um lado, tendem a ser de curta duração devido à impossibilidade de competir com grandes empresas no mercado. Por outro, não possuem mecanismos de controle popular, o que facilita a corrupção. Jadue não é socialista nem inimigo do livre mercado. É um político reformista que tenta amortecer o capitalismo neoliberal chileno enquanto seu partido, em grande escala, toma medidas que aprofundam esse mesmo capitalismo neoliberal.

O oportunismo do PTR, uma posição absurda

O fato de muitos ativistas defenderem Jadue é compreensível. A maioria dos ativistas de esquerda não acredita que seja possível destruir o Estado burguês e construir outra sociedade. Eles acham que o melhor que podemos ter são políticos progressistas como Jadue, que buscam melhorar o capitalismo.

No entanto, não podemos entender a posição de organizações que se dizem independentes e mesmo “trotskistas”, como o Partido Revolucionário dos Trabalhadores.

Desde o início da perseguição judicial contra Jadue, o PTR defendeu o prefeito comunista. Em suas várias publicações, eles se limitam a dizer que a perseguição contra Jadue é uma perseguição “contra a esquerda” e simplesmente não discutem as acusações contra ele. Como pode o PTR equiparar a perseguição a Jadue, um político burguês acusado de corrupção, à perseguição que o próprio Partido Comunista realiza contra Héctor Llaitul? Ou à criminalização violenta do Estado e da justiça contra as ocupações?

O PTR perdeu completamente sua bússola de classe e passou a ver o mundo pelas lentes da esquerda stalinista, que divide a sociedade em campos, onde de um lado estaria a direita ruim e pró-negócios e do outro estaria a “esquerda” progressista e perseguida. Essa posição só pode ser explicada por uma total capitulação do PTR ao Partido Comunista devido à necessidade de disputar suas bases nas universidades e setores médios, onde o PTR está sendo construído atualmente.

E vão ainda mais longe. Seu dirigente Dauno Tótoro diz: “A medida desproporcional que reafirma o caráter político deste julgamento. Por causa da denúncia de uma empresa corrupta, eles passam por cima do voto popular e deixa de ser prefeito. Exigimos sua liberdade e anulação da causa penal imediatamente.” Com esse argumento, deveriam ter defendido Piñera quando milhões de nós exigíamos seu impeachment. O argumento de que Piñera havia sido eleito democraticamente e, portanto, não deveria ser afastado do cargo foi o principal argumento da direita de defendê-lo. Ou seja, um argumento absurdo e totalmente adaptado à democracia burguesa. Um prefeito corrupto não pode ser destituído ainda que seja pela justiça burguesa, se as acusações contra ele forem comprovadas? Por que não usar o mesmo critério com prefeitos de direita? Propor a anulação da causa penal de Jadue sem uma investigação aprofundada do caso é defender um possível político corrupto e seus cúmplices pelo simples fato de “ser de esquerda” e tomar medidas progressistas.

Por uma política independente dos trabalhadores

A classe trabalhadora, os sindicatos, as organizações estudantis e ativistas não podem sair em defesa de Jadue ou de qualquer outra pessoa se não houver uma investigação acabada na qual confiemos. Se o Partido Comunista tem certeza de que Jadue é inocente, o que deve fazer é organizar uma comissão independente e popular paralela à justiça burguesa, convidando personalidades de moral impecável, líderes sindicais independentes, intelectuais, etc., para que possam investigar minuciosamente as acusações contra Jadue e seus funcionários. Obviamente que o PC não vai fazer isso, porque está totalmente adaptado à democracia burguesa, embora no seu discurso a critique. Sua dupla moral é evidente, pois por um lado chama a respeitar à justiça burguesa que persegue a líderes mapuches, mas por outro lado quer que acreditemos que essa justiça é “injusta” porque persegue seus militantes.

Do MIT, nos colocaremos totalmente à disposição para lutar em defesa de Jadue se uma comissão independente provar que Jadue está sofrendo perseguição política. No entanto, isso não está provado. Por isso, dizemos aos trabalhadores e à juventude: a nossa tarefa hoje não é defender Daniel Jadue, mas continuar lutando contra o sistema capitalista que o PC defende.

Tradução: Lílian Enck

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