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Europa fortaleza, o neoliberalismo e a extrema-direita. Quais conclusões retirar das eleições europeias?

junho 17, 2024

Muito se tem falado sobre o resultado das eleições europeias. Que conclusões retirar de uma eleição onde ganha a direita e a extrema-direita cresce em vários países e no próprio parlamento? Vale lembrar que desde as últimas eleições, em 2019, muita coisa se passou na Europa: a pandemia, a guerra na Ucrânia, a volta da inflação e o continente pressionado pelo acentuar da crise da ordem mundial. Em meio a disputa interimperialista entre EUA e China, a UE, mantendo a sua essência imperialista, perde protagonismo e desempenha um papel cada vez mais subordinado na economia e na ordem mundial. Estas eleições são, inevitavelmente, também reflexo destes processos, mas a crise do projeto europeu é ainda anterior, podemos dizer que está na sua gênese.

Por: Joana Salay

O parlamento europeu e as eleições

Participam das eleições europeias 27 países que elegem 720 eurodeputados para um mandato de 5 anos. Mas as principais decisões europeias não passam pelo parlamento e sim pela Comissão Europeia (CE), atualmente presidida pela alemã Ursula von der Leyen, e pelo Banco Central Europeu (BCE), presidido pela francesa Christine Lagarde. A malfadada Troika da crise de 2008, que atuou de maneira autoritária e unilateral sobre os países do sul da Europa para garantir a aplicação dos planos de austeridade, era composta exatamente pelo BCE, CE e FMI.

As presidências dos órgãos são ratificadas pelo parlamento, mas já são previamente negociadas pelos Estados-Membros em decisões determinadas pela hegemonia imperialista francesa e alemã. Não à toa, a taxa de abstenção nestas eleições foi de 49%, refletindo a ausência de entusiasmo com um processo de muitas cartas marcadas, que deslegitima não apenas as eleições europeias, mas também as nacionais.

Para além dos valores europeus, a verdadeira essência da UE

Muito se fala dos “valores europeus” que levaram à fundação da UE: a dignidade humana, a democracia, a liberdade, a igualdade, direitos humanos e o estado de direito. Contudo há um grande fosse entre este discurso e a prática.

O Mercado Único Europeu, estabelecido em 1987, promoveu a total liberdade de movimento de capital, seguido da implementação da moeda única europeia através do Tratado de Maastricht em 1991. Junto da liberdade de circulação de capitais, veio também uma investida neoliberal que visava minar as conquistas sociais alcançadas desde o pós-guerra. Relembremos a famosa luta dos mineiros contra Margaret Thatcher. Mas as medidas neoliberais não vieram apenas pelas mãos de forças políticas conservadoras. Na França, por exemplo, François Miterrand, do PS,  a partir de 1983 protagonizou a chamada “virada do rigor”, rompendo abertamente com o programa pelo qual foi eleito. Por toda a Europa, os partidos social-democratas passaram a liderar a retirada de direitos e a flexibilização das relações de trabalho, muitas vezes com a cumplicidade dos sindicatos, frequentemente dirigidos por Partidos Comunistas.

A crise de 2008 significou um salto de qualidade neste processo, com a utilização da dívida como camisa de força, levando ao desmonte da economia nacional de diversos países, como Portugal e Grécia. Paralelamente, a destruição do estado de bem-estar social, a crescente concentração de riquezas e a livre circulação de capitais, esmagaram um amplo setor das classes médias urbanas e rurais.

Ao mesmo tempo em que a UE esmaga a classe trabalhadora europeia, persegue e legitima o racismo e a xenofobia contra os imigrantes. O Novo Pacto Europeu de Imigração e Asilo (PEMA) da União Europeia, torna mais difícil o acesso ao asilo, estabelece rejeições na fronteira, legalizando e financiando expulsões imediatas e amplia o uso da detenção até a crianças. Com o PEMA, países receptores que não desejem dar asilo pagarão 20 mil euros por pessoa para encaminhá-la a outro país da UE, destinando esses fundos para deportações e reforço das fronteiras. Longe de resolver a crise migratória europeia, o PEMA acaba por legitimar a repressão e a morte dos imigrantes no Mediterrâneo, que no ano de 2024 já somam mais de 5 mil.

A UE e seus governos nacionais, fortalece e reprime os movimentos sociais e da classe trabalhadora. O exemplo mais recente é a repressão às lutas pró Palestina na França e na Alemanha. A UE dá apoio e dá cobertura para o genocídio em Gaza, enquanto reprime os que protestam contra. Por outro lado, continuam com o discurso de apoio à Ucrânia, mas sem fornecer as armas necessárias para que esta derrote a invasão russa.

A hipocrisia europeia é muito nítida, a dignidade humana, a liberdade, os direitos humanos, a democracia e o estado de direito, afinal eram só para alguns poucos.

Antes da extrema-direita, a virada à esquerda no pós 2008

Antes da extrema-direita começar a ganhar peso eleitoral na Europa, houve um importante processo de contestação no continente. A classe trabalhadora e a juventude fizeram fortes mobilizações contra as medidas de austeridade impostas pela grande burguesia. Ocorreram dezenas de greves gerais, manifestações e acampadas, de onde nasceram o 15M e os Indignados.

Este processo significou um giro à esquerda no continente, fazendo com que forças como Syriza, Podemos e Bloco de Esquerda ganhassem muito peso eleitoral. Porém o que fizeram essas direções com a esperança que conseguiram canalizar? A linha de “levar a luta ao voto” significou depositar as fichas da mobilização exclusivamente na luta parlamentar.

Na Grécia o governo do Syriza foi um grande exemplo de traição, rapidamente deixaram de lado o programa com o qual foram eleitos para ceder às pressões da Troika, passando por cima até do resultado do referendo de julho de 2015 que disse não ao termos da Troika. O Podemos no Estado Espanhol e o Bloco de Esquerda em Portugal, optaram por dar apoio parlamentar aos governos do PSOE e PS, lutando por migalhas via parlamento, enquanto a crise social se acentuava. Não podemos compreender o peso da extrema-direita hoje sem compreender a desilusão que significaram a traição destes partidos.

A extrema-direita, como reflexo político da decadência capitalista

Nestas eleições europeias, a extrema-direita foi a força política mais votada na Itália, França, Hungria, Bélgica, Áustria e Polónia, e a segunda força na Alemanha e Holanda. Ainda que tenha crescido menos que o esperado, a extrema-direita alcançou um pouco mais de 20% dos votos totais nas eleições.

O exemplo da França é importante. O imperialismo francês vive uma forte crise com os processos nos países do Sahel e os mais recentes protestos na Nova Caledônia, que colocam o seu projeto neocolonial em cheque. Neste contexto, o partido de Le Pen, o Reunião Nacional (RN), venceu pela terceira vez consecutiva uma eleição europeia e se tornou o partido com mais deputados no Parlamento Europeu. O partido de Macron teve menos de 15% dos votos. Este resultado causou um terremoto político, levando Macron a convocar eleições legislativas de emergência.

Não temos dúvida de que o crescimento da extrema-direita pode acentuar ainda mais o caráter repressivo e reacionário da UE. A própria Von der Leyen, já fala numa extrema-direita boa, apoiada na Meloni da Itália, que pode ser parte da base governativa europeia, legitimando assim as suas propostas xenófobas e racistas.

Perante a crise do projeto europeu, que tem como consequência a deterioração das condições de vida de milhões de pessoas, combinado com um nacionalismo xenófobo crescente e incentivado pelas próprias instituições europeias, não nos surpreende que se fortaleçam forças políticas como a extrema-direita, financiadas inclusive por setores da grande burguesia. O discurso demagógico antissistema, combinado com a crise da direção revolucionária da classe trabalhadora, acabam por empalmar num setor da nossa classe e numa classe média descontente e sem alternativa.

Retomar a Frente Popular não é a solução

Na França, perante a convocatória de novas eleições, foi anunciada uma coalização por uma nova “Frente Popular”, composta pelos Verdes, o PCF, a França Insubmissa e o PS. Citam como referência a experiência da Frente Popular de 1936 com Léon Blum, com o PS e o PCF. Vários partidos da esquerda europeia comemoraram logo a “união”, referindo-se aos importantes avanços sociais conquistados durante o governo de Blum. O que fingem esquecer é que a França vivia neste período um forte processo revolucionário e a Frente Popular acabou por servir de contenção para este  processo. A desmoralização da classe trabalhadora levou a queda do governo em 1938 que foi substituído pelo governo conservador de Daladier, que também compunha a Frente Popular. Esquecem-se também que o próprio Mitterrand foi eleito em 1981 a partir de uma frente entre o PS e o PCF. Evidentemente a situação política na França de hoje é completamente distinta de 1936 e as próprias direções que antes tinham muito peso nas organizações da classe trabalhadora, hoje têm muito menos, fazendo com esta Frente Popular de agora seja ainda mais burguesa e muito menos assente nas mobilizações.

Nitidamente não retiraram lições dos processos anteriores. O grande problema para a esquerda reformista é que não vê horizonte para além das chamadas “forças democráticas” que, assim como o capitalismo, estão cada vez mais decadentes, negando-se a apontar uma saída independente para a classe trabalhadora. Ao mesmo tempo em que se negam a jogar peso na construção da unidade nas lutas que possa de fato enfrentar os ataques dos governos e a extrema-direita. É deste vazio que se alimenta a extrema-direita, que coincide com a decadência cada vez maior do capitalismo.

A solução passa por afirmar uma alternativa política da classe trabalhadora, a única que pode solucionar a crise social que vivemos, apresentando um programa para que ela seja a dirigente de um projeto social alternativo, para além do capitalismo falido. É preciso construir a mobilização e a organização independente da classe trabalhadora e da juventude, chamar a unidade para lutar e combater a precariedade e os baixos salários, enfrentando o pacto de imigração e asilo, assim como a xenofobia e o racismo. Afirmar a necessidade da luta pela reorganização da economia para combater a desigualdade e a catástrofe ambiental. É preciso afirmar que dentro da UE dos ricos não há saída, que a solução passa pela construção de uma força revolucionária e socialista alternativa, que defenda uma Europa dos trabalhadores e dos povos.

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