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quarta-feira, julho 24, 2024

Estudantes norte-americanos se manifestam em defesa da Palestina

Ao redor dos Estados Unidos, estudantes têm enfrentado as administrações das suas universidades e a polícia para contestar o apoio destas instituições ao Estado de Israel e sua guerra genocida contra o povo palestino.

Por: Carlos Sapir, do Workers’ Voice / La Voz de Los Trabajadores (EUA)*

A erupção destes protestos tem sido tão espantosa que os meios de comunicação têm tido dificuldade em contabilizar o número total de campus e de estudantes que estão envolvidos neles. Inclusive órgãos simpáticos à causa palestina, como o “Al Jazeera”, tiveram dificuldade em fazer uma contagem completa e exata durante o último fim de semana. No momento em que escrevemos este artigo, no dia 1º de maio, a lista incluía 49 faculdades e universidades norte-americanas e dez internacionais, na Europa e na Austrália.

Acampamentos e ocupações se enfrentam com forte repressão

Nestas universidades, os estudantes tentaram montar acampamentos e ocupar espaços em áreas externas (ou, em alguns casos, em edifícios administrativos). Embora alguns destes acampamentos tenham sido autorizados a continuar pacificamente, a maioria foi imediatamente atacada pelas forças policiais, que muitas vezes conseguiram dispersar os acampamentos e prender os participantes. Isso, contudo, apenas para que os estudantes os restabelecessem mais tarde.

Estudantes de instituições como Emory (na Geórgia), Universidade do Texas, em Austin, e Universidade do Estado de Ohio enfrentaram agressões brutais por parte da polícia, incluindo a utilização de gás lacrimogêneo e relatos de manifestantes que, mesmo depois de algemados, foram atingidos pelas armas de choque da polícia.

Houve detenções em mais de 30 campus em todo o país, culminando com a detenção de mais de 300 estudantes na cidade de Nova York, na noite de 30 de abril. Os detidos em Nova York incluíam estudantes que ocuparam um edifício na Universidade de Columbia e dezenas de outros da “City College” (“Faculdade Municipal”).

Muitas universidades também já fizeram ameaças contra os estudantes, tanto no que se refere às suas vidas acadêmicas quanto em relação aos vínculos profissionais com as instituições [em caso de bolsas, pesquisas etc.], caso continuem participando nos protestos. Algumas suspensões já foram aplicadas.

A repressão foi apoiada e ecoada por políticos israelenses e norte-americanos que acusam o movimento, de forma mecânica e sem fundamentos, de antissemitismo (apesar da presença significativa e atuante de estudantes judeus nos próprios acampamentos), denunciando seus participantes como “nazistas”, ao mesmo tempo em que apoiam o envio de tropas de choque para dentro das universidades.

Por que isto acontecendo agora?

Os acampamentos têm sido uma tática típica do ativismo estudantil e alguns manifestantes explicitamente vinculam seus esforços atuais às ações históricas da militância estudantil em suas universidades, em relação à luta contra o apartheid sul-africano e a outras causas. Antes deste processo, acampamentos anteriores já haviam sido utilizados para protestar contra a atual invasão israelense de Gaza, como, por exemplo, na Universidade de Stanford (Califórnia) e no Smith College (Massachusetts), em novembro e março, respetivamente.

A atual euforia febril de organização deve ser atribuída, em parte, à combinação de uma tentativa de acampamento na Universidade de Columbia com o fato do Congresso dos EUA ter convocado a presidente (reitora) de Columbia, Minouche Shafik, para repreendê-la publicamente por empregar professores que, em base a cuidadosos estudos, denunciam a ocupação da Palestina por Israel, e, ainda, por permitir que os estudantes protestem.

Shafik fracassou completamente na defesa da sua universidade, cedendo em praticamente todos os pontos à inquisição Macartista [em referência à perseguição a comunistas, LGBTI+, ativistas, artistas etc., encabeçada pelo senador Joseph McCarthy, nos anos 1950/60] feita pelo Congresso. Depois, continuou ordenando a detenção de estudantes que seguiam se manifestando em Columbia e ameaçando-os com suspensões. Além disso, fez ameaças de retaliações contra organizadores do movimento que também são estudantes-trabalhadores, filiados ao sindicato local da categoria (o UAW 2710),  

Neste momento, os estudantes de Columbia, aos quais se juntaram membros da comunidade que também apoiam a causa palestina, conseguiram defender o acampamento. Pouco depois, quando os noticiários deram conta da descoberta de valas comuns em Gaza, o movimento pró-Palestina nos campus universitários irrompeu país afora, apressando-se a seguir o exemplo de Columbia.

Boicote, Desinvestimento e Sanções

Os acampamentos têm variado em termos de dimensão, com os maiores reunindo a presença contínua de algumas centenas de estudantes, apoiados por muitos outros mais, que fazem o trabalho logístico de transporte de alimentos e mantimentos, para garantir a presença dos demais. Durante as manifestações e marchas organizadas em apoio à luta, o número aumenta para milhares.

Pequenas tentativas ???[1], por parte de um punhado de estudantes, foram, como sempre, dispersas pela polícia. Outros estudantes e ativistas isolados juntaram forças para participar em acampamentos em universidades vizinhas.

Os acampamentos têm exigido que as universidades se integrem à campanha internacional de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) e cortem os laços com instituições e fabricantes de armas israelenses, denunciando a cumplicidade contínua das universidades e do governo dos EUA com o genocídio que está sendo levado a cabo em Gaza.

Os acampamentos estão sendo impulsionados e coordenados pelos “Estudantes Nacionais por Justiça na Palestina” e também receberam o apoio de sindicatos de professores, associações de pós-graduandos e organizações de defesa das liberdades civis, incluindo a formação de uma coalizão nacional de defesa das liberdades civis com base em sindicatos.

Os limites do movimento e a necessidade de ampliação da solidariedade

No momento em que escrevemos este artigo, em 1º de maio, muitas das universidades, que anteriormente tinham negociado ou ignorado pacificamente os protestos, passaram a enviar grandes contingentes de policiais, fortemente armados, para desmantelar violentamente os acampamentos.

Combinado com a rápida aproximação do fim do ano letivo (entre o final de abril e o início de junho), o movimento se vê, agora, confrontado com a tarefa crucial de descobrir como consolidar os esforços feitos até agora, antes de que as comunidades estudantis deixem o campus para o Verão.

Embora isto tenha levado alguns a fazer apelos frenéticos por uma “escalada”, como uma parcela do núcleo de organizadores, já disposta a sacrificar suas carreiras, ou mesmo vidas, pela libertação palestina, parece improvável que estas forças – estudantes e professores que, na melhor das hipóteses, têm apenas o apoio de sindicatos de estudantes-trabalhadores; mas que, muito mais frequentemente, não dispõem de qualquer organização mais ampla, para além do seu núcleo imediato de ativistas palestinos – consigam, por si sós, exercer influência suficiente para fazer qualquer mudança substancial ou considerável na política universitária (quanto mais na política dos EUA ou de Israel).

Em vez de permitir que esta centelha de resistência se apague, temos de conservar as nossas forças e continuar trazendo novas pessoas para o movimento de solidariedade com a Palestina. O heroísmo espontâneo dos acampamentos estudantis está inspirando camadas mais amplas de pessoas a agirem em defesa da Palestina.

Os ativistas têm de procurar o maior número possível de oportunidades para alargar e reforçar a luta nos campus universitários e fora deles. Isto significa ter planos concretos para continuar as atividades de solidariedade à Palestina durante o Verão, por exemplo através de conferências, atividades de formação, protestos e todas as demais formas que possam abrir o caminho para trazer novas forças e ajudem a fortalecer os atuais ativistas.

A importância da unidade com a classe trabalhadora

As pessoas da classe trabalhadora, de todos os Estados Unidos, estão agitadas com o que estão vendo acontecer na Palestina e nos campus universitários, mesmo que nem todos estejam prontos para se juntarem a um acampamento (e muito menos erguer um).

Enquanto os estudantes de Yale e da Universidade de Connecticut organizavam acampamentos no fim de semana do dia 27, a “Coalização de Solidariedade à Palestina de Connecticut” organizou uma marcha com milhares de pessoas, uma das maiores que o estado já viu.

As pessoas estão legitimamente indignadas com a repressão aos protestos pacíficos, uma liberdade democrática que acreditavam ter; mas que, agora, estão vendo ser arrancada por polícias fortemente armados. Existe oportunidade para vincular o movimento estudantil às lutas operárias mais amplas, através de campanhas de defesa, incluindo a aprovação de resoluções ou a assinatura de petições e a mobilização física, em piquetes de defesa das liberdades civis. Além disso, seriam possíveis ações de massas, que exijam o fim imediato do financiamento dos EUA a Israel e a retirada de todas as acusações contra os manifestantes.

Não se deixar iludir pelo jogo de cena do Partido Democrata

Ao mesmo tempo, temos de ter cuidado com as tentativas de redirecionar este movimento para esforços destinados a eleger candidatos Democratas. Desde o início, é o Partido Democrata que tem permitido o esforço de guerra israelense.

Agora, os políticos já começaram a fazer o seu jogo de fachada com o movimento. Um ex-deputado do Texas, Beto O’Rourke, comentou que está “orgulhoso” dos estudantes da Universidade do Texas, em Austin, e que se opõem à repressão policial. AOC [como é conhecida a deputada nova-iorquina Alexandria Ocasio-Cortez, considerada da “ala esquerda” do Partido Democrata] visitou o acampamento de Columbia. E a deputada do Massachusetts Ayanna Pressley emitiu uma declaração, apelando à “contenção” das forças da ordem etc.

Embora não haja necessidade de rejeitar estas manifestações de apoio, uma vez que elas ajudam a dar legitimidade ao movimento e sua defesa, também temos de compreender que elas vêm acompanhadas da expetativa de que estes gestos simbólicos serão recompensados, mais tarde, em benefício dos políticos e do Partido Democrata.

Não poderemos conquistar o fim do financiamento a Israel (ou, até mesmo, apenas o fim da repressão policial dos protestos que reivindicam isto) elegendo representantes sobre os quais não temos nenhum controle e que, depois, são pulverizados nas estruturas do governo e forçados a se adaptarem ao modelo do aparelho partidário, aprovando orçamento militar atrás de orçamento militar.

Precisamos de protestos de massas, nas ruas, repetidamente e com plena dedicação. Protestos que mantenham a pressão e demonstrem que, embora o Partido Democrata possa apoiar a guerra, a vontade democrática da maioria da sociedade não o faz.

Capitalizar as lutas e preparar os próximos passos

Para nos afastarmos tanto do Partido Democrata quanto do beco sem saída do “martírio pelo martírio”, precisamos construir manifestações de massas e ganhar o apoio dos sindicatos para exigências claras e principistas no que se refere à Palestina e às liberdades civis.

A dissonância entre as crenças das pessoas sobre a “liberdade de expressão” sob o capitalismo e a realidade demonstrada pela resposta dada pelas universidades à dissidência e à discordância é extremamente importante para nossa agitação e precisa de ser capitalizada.

Ao organizarmos comícios de massas, com as reivindicações centrais em torno da liberdade de expressão, da liberdade acadêmica, do fim da guerra em Gaza e do fim do apartheid, podemos trazer enormes camadas de trabalhadores e trabalhadoras, preocupados com os ataques aos direitos democráticos, e pô-los em contato com militantes ou organizadores que possam ajudá-los a se colocarem em marcha na próxima onda de manifestações.

Ao fazê-lo, com exigências claras em torno do fim do envio de armas para Israel e da concessão de plenos direitos democráticos a todos os palestinos e palestinas, colocaremos o movimento numa posição que não pode ser adaptada a uma plataforma do Partido Democrata, que continua apoiando o apartheid israelense.

Avançar na centralização democrática do movimento contra a guerra

Para além de encontrar a melhor forma para continuar a mobilização nos próximos meses, o caos inerente à organização de todas estas ações díspares nas universidades, sem uma estrutura centralizada e democrática, mostra a necessidade da formação de um movimento antiguerra comprometido, com raízes nos sindicatos e nas organizações estudantis, que possa proporcionar uma base de planejamento democrático para nossa organização em nível nacional.

A democracia não é apenas um direito abstrato que exigimos dos governos. É a nossa melhor ferramenta para desenvolvermos o pensamento político e a nossa melhor defesa contra a infiltração. Embora a paranoia e a clandestinidade andem de mãos dadas, a tomada de decisões políticas de forma aberta e democrática garante que controlemos nossas decisões políticas, submetendo as propostas ao escrutínio e à deliberação do próprio movimento.

Precisamos de uma coalizão deste tipo, para que possamos reunir grupos de estudantes e sindicatos e discutir a melhor forma de combinar as nossas forças e pôr fim à guerra contra a Palestina.

Ressoando as lutas dos anos 1960

O nível dos protestos nos últimos meses tem sido tão elevado que tanto seus apoiadores quanto opositores têm comparado as manifestações às ocorridas na década de 1960. Oportunidades de organização política parecem estar surgindo em todos os cantos. As lições mais essenciais do movimento antiguerra anterior incluem o desenvolvimento de coalizões coordenadas em nível nacional, abertas e democráticas, capazes de organizar e mobilizar centenas de milhares de pessoas através da discussão coletiva, que foram essenciais para o seu crescimento.

Durante o movimento contra a Guerra no Vietnã, houve uma série de exemplos dessas coligações ou coalizões. Um exemplo importante foi o “Comitê de Mobilização dos Estudantes” (SMC, na sigla em inglês), que incluía todos os que estavam empenhados em ações de massas que atingissem as camadas mais amplas possíveis, e na defesa de uma reivindicação básica: “Tragam as tropas para casa, já!”

O SMC foi um fator importante na organização de mobilizações de massas e greves estudantis históricas, incluindo a de 26 de abril de 1968, que levou mais de 100.000 estudantes de escolas públicas (escolas do Ensino Médio e faculdades) a uma greve. Isto somente na cidade de Nova York. O órgão impulsionador da greve estudantil foi descrito por um de seus participantes, Fred Halstead, no livro “Out Now” (p. 373):

“A conferência do ‘Comité de Mobilização de Estudantes para acabar com a Guerra no Vietnã’, realizada entre 27 e29 de janeiro de 1968, foi a maior até então e a principal conferência antiguerra da época. Inscreveram-se mais de 900 estudantes e jovens, de 110 faculdades e 40 escolas secundaristas, incluindo cerca de 25 estados. Havia até mesmo um punhado de escolas do Ensino Básico representadas. A idade média era de 20 anos, com menos de uma dúzia de inscritos com mais de 30 anos”.

O movimento antiguerra do Vietnã continuaria a crescer, não só na dimensão das manifestações, mas também na participação, na organização e na discussão em todos os níveis, o que fez com que a conferência do SMC em 1970 tenha contado com 3.500 participantes.

Estas coalizões, coordenadas em nível nacional e organizadas democraticamente, ao lado da própria realidade imposta pela guerra e as mobilizações de massas, ajudaram a criar um contexto em que o movimento antiguerra foi capaz de conquistar amplas fileiras de soldados que estavam na ativa, através da propaganda direta e do crescimento constante dos sentimentos antiguerra, declarados publicamente em todo o país.

Avançar em um movimento democrático e unido à classe trabalhadora

Precisamos de espaços no movimento que permitam a discussão política e democrática e a tomada de decisões. Espaços que sejam acolhedores para pessoas que não se considerem socialistas ou anti-imperialistas, porque essa é a única forma de construirmos um movimento que se torne algo com o poder de mudar a sociedade e não apenas uma reunião para ativistas que já estejam empenhados e dispostos a entrarem em ação, quando o momento o exigir.

Movimentos como este têm sido o ponto de encontro histórico de estudantes e trabalhadores, onde podemos coordenar melhor uma luta vitoriosa. Foi isto que deu ao movimento contra a Guerra do Vietnã a perseverança e permanência que contribuíram tanto para a retirada das tropas norte-americanas quanto para deixar uma marca cultural tão profunda que, ainda hoje, as pessoas o têm como ponto de referência.

A tarefa que temos pela frente é ir além das comparações retóricas com as gerações de lutas passadas; aprender, efetivamente, com os êxitos daquela época; e aproveitar as oportunidades atuais, para ultrapassá-los e conquistar um futuro sem apartheid nem capitalismo.

Fim da ajuda dos EUA a Israel!

Fim da guerra em Gaza!

Parem de prender os manifestantes! Libertem todos e todas! Não à polícia no campus!

Reintegração de todos os estudantes e professores que enfrentam retaliações!

Por uma Palestina unitária, democrática e não sectária [ou segregada]!

* Tradução: Wilson Honório da Silva


[1] No original tá faltando alguma coisa na frase: “Small attempts (DO QUE?) by a handful of students have typically been quickly dispersed by police

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