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sexta-feira, julho 26, 2024

A cruel realidade da “democracia” dos poderosos

Um governo tão desastroso como o de Dina Boluarte não se mantém, obviamente, por mérito próprio. Permanece, apesar de seus atos criminosos e de corrupção, como apêndice da atual ordem política, uma ordem produto do pacto entre as organizações que controlam o Congresso, em mais de um caso, organizações criminosas segundo afirma o Ministério Público. 24 anos depois da queda da ditadura fujimorista e da promessa democrática, esta é, afinal de contas, a realidade cruel da democracia que serve às grandes empresas e corporações transnacionais.

Por: Redação PST- Peru

Boluarte permanece na função para continuar fazendo um trabalho sujo pelo qual cedo ou tarde terá que prestar contas. Enquanto o processo de lutas sociais não for reativado, será tão cedo ou tarde como convenha àquelas forças do Congresso que lhe dão impunidade pelos assassinatos de manifestantes e os indícios de corrupção que a presidenta não explicou até agora, principalmente os luxuosos relógios suíços e a milionária soma encontrada em suas contas bancárias.

O ex Primeiro Ministro Otárola não pode se sustentar diante do escândalo que significou o uso ilegal de recursos públicos em seus gestos de generosidade donjuanesca. Mas sua cumplicidade com o atual regime se mantém, pois não pode ser mais evidente a mudança superficial pelo Primeiro Ministro Adrianzén, para que nada mude.

O tipo de governo que o Congresso apoia

O papel de apêndice do governo é tão evidente que nada importa, inclusive o fato de não servir para nada. Mantém absurdamente um ministro do Interior que ilustra perfeitamente a total incapacidade do governo diante da expansão das organizações criminosas internacionais que atacam massivamente a população. É quase certo que nada seja feito por medo de errarem de organização criminosa, e ataquem uma do campo dos possíveis “aliados”.

Nada se faz também, ou muito pouco, face aos embates climáticos, ou face às enormes carências na educação e, nem é preciso mencionar, na saúde pública com o avanço da dengue, da anemia infantil e a questão dos medicamentos genéricos, que as cadeias farmacêuticas fazem desaparecer do acesso público. Sabemos que há problemas estruturais como a pobreza e o desemprego que são inerentes ao plano econômico neoliberal, que gera uma profunda desigualdade e promove a austeridade e a incapacidade do Estado frente aos mais básicos direitos democráticos, mas a responsabilidade deste governo, como dos governos anteriores, é pelo seu papel na imposição de tal plano.

Da mesma forma, produto de sua incapacidade diante da recessão de alguns setores da economia e a queda da arrecadação, o governo não pensa em outra coisa que não seja passar o custo da crise para a população trabalhadora mediante medidas de austeridade, como o recente decreto de urgência que busca reduzir o déficit fiscal exigidos pelos empresários e organismos internacionais, para proteger seus lucros e interesses, sem que lhes custe um centavo.

Finalmente, o atual governo não só é incapaz de colocar qualquer freio à ação abusiva das organizações que controlam o Congresso, mas também valida as leis que este aprova autoritariamente.

Gangues políticas desenfreadas

Com efeito, com muito descaramento e sem nenhum tipo de escrúpulo, o Congresso vem aprovando leis e até reformas constitucionais que infringem a vontade popular, e que só favorecem seu propósito de perpetuar-se no poder, legalizar a impunidade dos delitos cometidos como organizações criminosas, favorecer escandalosamente interesses da grande empresa, e de passagem, e junto com isso dos empresários da economia ilegal que, em muitos casos, são financiadores de seus partidos.

As leis e reformas (ou contrarreformas) têm praticamente nome próprio. Debilitaram a colaboração eficaz para entorpecer as investigações e acusações fiscais onde os acusados são justamente os líderes de vários desses partidos. Agora estão a ponto de extrair da justiça penal as organizações políticas que funcionaram como organizações criminosas, que não é o mesmo que perseguição judicial de partidos políticos.

Mas isso não é tudo. As mesmas forças políticas que demonizaram e bloquearam a demanda popular do referendo por uma assembleia constituinte, sob pretexto de defender a sacrossanta Constituição de 1993, aprovaram uma modificação massiva da Constituição com mudanças que respondem a evidentes interesses particulares, entre eles, a referente à bicameralismo e à reeleição de congressistas que foram rejeitados majoritariamente no referendo de 2018; mais ainda, fecham a concorrência na eleição dos futuros senadores colocando como requisito ter sido congressista.

A agenda de interesses particulares abarca outros temas como a prescrição de crimes de lesa humanidade, um antigo desejo não só de Fujimori e Montesinos, mas de um grande número de altos oficiais das forças armadas envolvidos em genocídios e violações dos anos 80 e 90.

Assim, o fujimorismo e o cerronismo são os principais defensores da proposta de blindar os partidos investigados por corrupção. Não se trata de uma norma que proteja os partidos da criminalização com fins políticos. Até os congressistas que cometeram delitos como o de impor contribuições obrigatórias aos trabalhadores de seus despachos (os “mochasueldos” – estilo rachadinha, ndt.), aproveitam o pacto do conchavo para destituir o Procurador Geral da Nação, que é quem os investiga.

Quem dirige o Congresso

O fujimorismo e seus principais aliados da Renovación Popular e Avanza País, conseguiram uma correlação tal que lhes permitiu não só submeter o governo Boluarte, mas além disso, ter uma rede de influências sobre entidades-chave do Estado, como o Tribunal Constitucional e a Defensoria do Povo. Também conseguiram algo similar com a Procuradoria Geral da Nação, mas o perderam quando veio à luz a compra e venda de votos de congressistas que a procuradoria da nação fez em troca de arquivar investigações contra estes.

Prosseguiram com uma questionada destituição de magistrados da Junta Nacional da Justiça, que lhes daria a chave para designar autoridades judiciais propensas a arquivar as acusações de delitos de lavagem de ativos e outros que pendem sobre eles, assim como também as autoridades eleitorais que eles possam digitar tendo em vista as próximas eleições.

Este último movimento foi revertido por um amparo judicial, mas a ofensiva não se deteve. Saltam à vista as similaridades com a instrumentalização de instituições judiciais e eleitorais que se fazia durante o tempo de Fujimori-Montesinos.

O fujimorismo e seus principais aliados, RP e Avanza País, não têm por si mesmos um poder decisivo no Congresso, já que são apenas 41 dos 130 votos. Por isso, têm conchavos com o acuñismo de APP (11 votos) que, em julho passado, apoiaram para que assumisse a presidência na mesa diretora do Congresso. E também em normas que fortalecem seu bastião eleitoral e suas posições no negócio da educação privada, além, evidente, da blindagem que compartilham diante de graves acusações penais como a rede criminosa da ex procuradora da nação e dos congressistas “mochasueldos”.

Adicionam votos o Podemos (10) de José Luna, também potentado da educação privada e acusado, ele e seu partido, do delito de organização criminosa (parece que esse é um requisito para pertencer à “aliança” porque é a mesma acusação de Fuerza Popular); e Acción Popular (8).

Com 70 votos teriam o suficiente para os acordos de maioria simples, mas nem todos votam em bloco e há votações como as acusações constitucionais e sobretudo, as reformas constitucionais que requerem maioria qualificada de 2/3 ou 87 votos. E aí é onde entra o vergonhoso papel da representação de “esquerda” no Congresso, ou seja, Perú Libre (11 votos) e seus desmembramentos.

A anuência do empresariado

Tudo isso não é algo que irrite o grande capital. Nas eleições de 2021, os empresários, mostrando quais são e onde estão seus princípios, colocaram todo seu poder econômico para limpar uma candidata, Keyko Fujimori, já acusada de formar uma organização criminosa, Fuerza Popular, com a qual cometeu o delito de lavagem de ativos. E ao mesmo tempo, para demonizar um candidato que concentrava algo da ilusão popular e adotava a qualidade de instrumento para derrotar a candidata da corrupção e dos poderosos.

Eles perderam a eleição, e depois da queda de Pedro Castillo, que eles próprios alentaram, ajudaram a sustentar um regime que, para manter-se, teve que massacrar uma população indignada pela usurpação do que ela considerava sua conquista democrática. E como opção para a sucessão, o poder econômico não tem outra opção que tentar encobrir novamente as verdadeiras máfias da política.

Finalmente, a democracia para eles se reduz a aquele que tem o poder e a autoridade para tomar as decisões executivas e aprovar as leis que lhes convêm. A última amostra disso foi a aprovação (inclusive sem debate e passando por cima dos procedimentos formais) das mudanças na Lei Florestal que lhes abre o caminho para estender suas explorações, arrasando terras comunais e atacando as florestas e o meio ambiente. Se isso é democracia de fato, para que precisam de uma ditadura na forma?

Isso feito, como interpretar as queixas da Sociedade de Mineração e Petróleo, pela aprovação por parte desse mesmo Congresso, da norma que encobre por um tempo a mais, grupos de mineração ilegais, os poderosos de uma economia ilegal criada, à revelia, pelo plano econômico neoliberal (afinal de contas, “sua” economia formal não absorve nem 20% da população). Aqueles diriam que seus animais de carga no Congresso, embora sejam úteis, não estão suficientemente adestrados; estes diriam: “com dinheiro o macaquinho dança”.

As ameaças e desafios para o povo trabalhador

O panorama para a classe trabalhadora e o povo é de grande ameaça e obriga a adotar ação, na organização, na mobilização e inclusive no projeto político para evitar os truques de novos “salvadores”. A luta contra o governo assassino e um Congresso cúmplice e majoritariamente repudiado não teve continuidade, em parte pela criminosa repressão do governo e, em parte também, por decisões políticas ambíguas dos chamados a liderar uma luta nacional.

Nesse sentido, revelando seu inconsequente discurso democrático e, junto a isso, afastaram as expectativas populares de eleições imediatas e assembleia constituinte. Hoje a luta continua colocada, mas desta vez, enfrenta organizações político-criminosas que conseguiram controle dos sistemas judicial e político e buscam o controle do sistema eleitoral tendo em vista a próxima mudança.

Tudo isso se move dentro da democracia formal e os “democratas” burgueses e reformistas podem conviver com isso. Uma real democracia só pode ser construída a partir das organizações de base e em torno de uma luta por soluções reais aos grandes problemas que hoje atacam com força: a criminalidade, de baixo e de cima, o desemprego e subemprego, e os empregos sem direitos; a desindustrialização que cresce com cada recessão econômica; a pobreza e extrema pobreza que tornam miserável a vida de milhões de peruanos.

A riqueza nacional continua enriquecendo alguns poucos e isso não muda somente com um lema, um candidato com linguagem floreada ou a promessa do paraíso dos “democratas”, ou outro candidato de discurso calculadamente incendiário para se fazer de messias. Uma verdadeira criação e distribuição igualitária da riqueza podem ser decididas e executadas com o poder democrático dos trabalhadores e do povo, e esse poder deve surgir como resultado da organização e mobilização intransigente contra o atual regime criminoso e corrupto e o poder econômico que o respalda.


Publicado em Bandera Socialista 143, jornal do Partido Socialista dos Trabalhadores do Peru

Tradução: Lílian Enck

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