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quarta-feira, julho 24, 2024

Nas ruas novamente, o povo cubano pede comida e eletricidade

Eletricidade e comida! Foi assim que os habitantes de Santiago de Cuba, Bayamo, Artemisa, saíram às ruas em 17 de março, repetindo a dose no dia seguinte.

Por: Helena Náhuatl

A situação em Cuba piorou enormemente desde o 11J, data em que ocorreram os maiores protestos dos últimos 30 anos na ilha (o anterior havia sido o Maleconazo em 1994).

Há quase três anos, Cuba vivia sob a Tarefa de Ordenamento, uma reforma econômica e monetária que levou a resultados cada vez mais desastrosos na ilha, onde a moeda estava desvalorizada em 1.000% desde 2021 e, hoje, uma caixa de 30 ovos vale mais do que o salário mínimo mensal do Estado.

Mas, mesmo assim, com todas as motivações para a explosão, respaldada pela raiva e pelo “basta” da população, o Presidente Díaz-Canel, confrontado com as imagens de vários habitantes da ilha, que lhe chegaram diretamente das cidades onde houve manifestações, disse que as manifestações são “mentiras, vídeos falsos e construções” onde se mostra a “perversidade” e o “desprezo do governo dos Estados Unidos”.

A realidade cubana, por outro lado, mostra algo muito diferente. A indignação e a raiva vistas nas ruas mostram o desespero e o cansaço de um povo que vive há longos dias sem energia elétrica, sem comida e sem perspectivas de mudança. E que não aguenta mais discursos vazios de soluções do governo, e grita em coro para seus representantes: “Não queremos mentiras!”.

Além disso, o mesmo governo, em fevereiro deste ano, pediu ajuda ao Programa Mundial de Alimentos, reconhecendo sua incapacidade de fornecer leite a crianças menores de 7 anos, o que é regulamentado na agenda de abastecimento (rações mensais com subsídio do governo).

A situação angustiante de Cuba, que vive uma grande crise econômica, mas não para de investir a maior parte de seu PIB no setor de turismo, se expressa na população, além da falta de alimentos. Os rendimentos são mínimos em comparação com uma moeda que se desvaloriza todos os dias, e a que se seguem problemas com transportes, combustíveis e uma profunda crise em setores que são sempre muito saudados fora da ilha, como a saúde, a educação e a segurança social.

Como resultado, o êxodo de pessoas para outros países, aproveitando a isenção de visto para a Nicarágua (que pouquíssimos países do mundo oferecem aos cubanos), é o maior da história do país, representando 4,8% da população. Mais de 500 mil pessoas de Cuba chegaram aos EUA entre 2022 e 2023. Quem pode, escapa, para ter a possibilidade de viver com alguma dignidade e perspectiva.

Em 2024, ao contrário de 2021, a resposta inicial do governo foi dar comida aos manifestantes e tentar enviar seus representantes para as localidades, sem muito sucesso em convencer, embora os protestos tenham cessado.

No final, como dissemos acima, tudo se transformou em uma acusação de uma fantasiosa intervenção imperialista dos EUA, como se os cubanos não pudessem sair às ruas com suas próprias cabeças e das profundezas de seus estômagos vazios e seu sangue quente.

Repressão como prática sistemática

A crise de hoje reflete os ventos de 2021, não resolvidos e não esquecidos. Mesmo que todos saibam que a repressão é profunda para quem se manifesta na ilha.

Desde 11J de 2021, o governo cubano prendeu mais de 1.000 pessoas e cerca de 500 ainda estão detidas, com penas que variam de 5 a 25 anos por participarem dos protestos.

Embora isso em si seja esmagador, o regime repressivo de Cuba vai muito além da prisão em dias de protesto. A Segurança do Estado, uma polícia política que persegue qualquer um que veja como suspeito, sequestra ativistas em plena luz do dia, interroga sem o direito de se defender e os ameaça de prisão, exílio ou de que nunca poderão deixar o país. A própria SE acompanha as pessoas diariamente, tornando suas vidas verdadeiras prisões, inclusive colocando patrulhas em suas portas para que não saiam.

Isso leva muitos dos detidos ou sob vigilância do governo cubano a decidir deixar o país da melhor forma possível, antes que seu destino seja a prisão, como muitos dissidentes. Entre eles estão muitos intelectuais, jornalistas, artistas e alguns dos que clamam por liberdades democráticas no período recente.

Que tipo de Cuba os cubanos querem?

Os cubanos vivem em uma realidade de extrema falta de perspectivas, sejam elas econômicas, trabalhistas, políticas ou mudanças que possam trazer dignidade às suas vidas.

Ao contrário do que ressoa uma esquerda latino-americana que procura tapar os olhos e os ouvidos à realidade, Cuba atravessa uma situação de miséria crescente e caminha para se tornar um dos países com a população mais empobrecida e a maior desigualdade social da América do Sul, bem como um dos países com menos liberdades democráticas.

Não há comida, não há liberdades, não há socialismo

Cuba, há muito tempo, restaurou completamente o capitalismo na ilha, mantendo um partido único e uma ditadura atroz, que persegue e sufoca qualquer dissidência.

As empresas estatais foram entregues ao capital estrangeiro, principalmente ao imperialismo europeu, em particular por meio de joint ventures . Hoje, essas empresas dominam o principal setor da economia cubana, o turismo, com multinacionais espanholas como Meliá e Iberostar controlando os grandes hotéis e resorts para turistas de classe média europeus, norte-americanos e sul-americanos que podem arcar com seus altos custos.

Se você for a Havana ou Varadero, o contraste é nítido e avassalador: hotéis super modernos em meio a uma falta básica de comida e estrutura.

Além disso, as joint ventures controlam a exploração de petróleo, ferro, níquel, cimento; produção de sabão e perfumaria; serviços de telefonia e lubrificantes, e a maioria do agronegócio.

Dizer que tudo é estatal tornou-se mais uma anedota coletiva para não dar explicações de uma realidade que pode ser verificada em Cuba.

O bloqueio criminoso e a retórica do governo

Ser contra o bloqueio dos EUA a Cuba não pode justificar o constante esmagamento do povo cubano e suas justas lutas por direitos.

O bloqueio causou e ainda causa sérios danos ao povo cubano. Trata-se de um ataque do país imperialista mais importante do mundo contra uma pequena ilha.

Juntamo-nos aos que denunciam todos os governos norte-americanos, sejam republicanos ou democratas, seja Trump ou Biden, que falam em “democracia”, mas o que querem é a devolução das propriedades confiscadas em 1959 e a colonização da ilha. Por isso, não se importariam se Cuba fosse governada por outra ditadura.

Por essas razões, lutamos contra esse bloqueio há mais de cinquenta anos. Da mesma forma, estávamos do lado de Cuba contra todas as tentativas de intervenção militar do imperialismo, como o fracassado desembarque na Baía dos Porcos.

Defender o socialismo em Cuba hoje é defender uma nova revolução social

A LIT-QI acompanhou todo o processo recente do povo cubano e sua luta contra a ditadura do Partido Comunista Cubano.

Não há dúvida para nós de que a raiva que o povo cubano carrega, se baseia na escassez provocada pela desigualdade, pela restauração do capitalismo e pela queda completa do nível dos setores-chave da Cuba pós-revolução: saúde, educação, segurança social.

Dizer que Cuba é movida por um suposto complô imperialista e não contra uma ditadura que explora o povo e gera a grande miséria que leva os cubanos às ruas é tapar os olhos diante de um fato tão transparente quanto palpável.

Como disse Eduardo Almeida em seu artigo “Para onde vai Cuba?”:

Uma grande explosão está se formando em Cuba contra essa ditadura burguesa e corrupta. Não sabemos quando ou como isso vai acontecer. Mas essa é a dinâmica.

O apoio da esquerda pró-stalinista à ditadura castrista atira a formação de alternativas democráticas em Cuba nos braços do imperialismo. Isso pode levar que a queda da ditadura castrista acabe sendo capitalizada por lideranças imperialistas, como Yeltsin na Rússia, agora através da burguesia imperialista de Miami.

Propomos o contrário: lutar contra a ditadura cubana como parte de uma estratégia socialista e anti-imperialista. Queremos uma nova revolução socialista, renacionalizando as empresas privatizadas, mesmo aquelas nas mãos do imperialismo europeu, com uma planificação da economia e o controle direto e real dos trabalhadores. Queremos uma democracia operária em Cuba, oposta à ditadura stalinista, que de fato tenha sua essência na participação dos trabalhadores em todas as decisões fundamentais e estratégicas da ilha.

A população cubana precisa hoje do apoio de setores socialistas, progressistas e contrários às injustiças sociais na América Latina. Esse será o maior reconhecimento possível da revolução mais poderosa que já ocorreu no continente americano.

Pela construção de uma sociedade justa e democrática em Cuba, que possamos realmente chamar de socialista.
Tradução: Lílian Enck

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