Lênin dirigente partidário e ligado aos operários
Introdução – onde se tornou teórico e dirigente do partido, se ligou ao movimento operário e começou a construir um partido revolucionário com características próprias.
O segundo tomo das Obras Completas do Lênin reúne as obras escritas por ele entre 1895 e 1897.
Por: Nazareno Godero
Com 25 anos, Lênin viajou ao estrangeiro para contatar com o grupo marxista “Emancipação do Trabalho“, dirigido por Plekhánov, organização que será a base de constituição do POSDR.
Essa viagem já foi feita na condição de dirigente do grupo de Petrogrado, agora como dirigente orgânico, complementando seu lado de polemista e estudioso das condições da Rússia no final do século XIX.
No estrangeiro estudou as obras filosóficas de Marx e Engels.
Morou em Paris, onde começou a ler “Estudio del movimiento comunalista en París en 1871“.
Na viagem ao estrangeiro conheceu os materiais de agitação e propaganda dos partidos europeus e participou das atividades do partido alemão.
Depois de 5 meses, voltou para a Rússia, para construir o partido em consonância com o grupo de Plekhanov, sediado no estrangeiro. Visitou as cidades russas e os grupos locais para publicação de um jornal chamado “O trabalhador” ou “O operário“. Foi um dos representantes do grupo de Plekhánov no interior da Rússia, no seu centro operário que era Petersburgo, nesse momento.
Em 1895, fundou o grupo marxista “Union de lucha por la emancipación de la clase obrera“, que começou a abrir trabalho em fábricas, com distribuição de panfletos. Essa união vai ser o embrião do futuro POSDR.
Em 1895, Lênin se dedicou a formação de operários em Petersburgo. Confeccionou um questionário sobre as condições de vida e trabalho dos operários, uma espécie de pesquisa, a ser respondida pelos operários que participavam do movimento. Reuniu materiais para escrever os primeiros panfletos de agitação partidária entre os operários de Petrogrado e para qualificar a agitação e a propaganda entre os operários.
Levou uma doação do grupo marxista aos operários presos por motivo da greve da fábrica Thornton. Atividade que fazia parte da campanha do grupo marxista de apoio à greve dos operários. Escreveu panfletos de apoio a greve.
Entre 1895 e 1896, o grupo marxista teve uma atuação forte em todas as greves operárias, distribuindo panfletos, levando doações, orientando sobre as reivindicações. Em 1896 se deu uma grande greve dos trabalhadores têxteis que foi dirigida pelos membros do grupo socialdemocrata de São Petersburgo. A greve se estendeu para as 20 maiores fábricas da Rússia, que empregavam 30 mil trabalhadores. Pela primeira vez, na Rússia, os revolucionários dirigiram massas operárias em luta. Estava em franco ascenso
Este movimento de aproximação com as greves e com o movimento operário provocou uma “revolução” no grupo: iniciou a transição de um grupo fundacional do partido, onde as tarefas eram, quase exclusivamente, teóricas/programáticos, composto por algumas dezenas de militantes, para ter uma atividade prática, na luta operária cotidiana, com a penetração dos militantes no movimento e a distribuição de materiais de agitação e propaganda. Iniciou o “segundo período”, segundo Lênin, “de infância e adolescência” do partido, isto é, um sólido partido de vanguarda, com implantação no movimento de luta dos trabalhadores e que já contava com alguns milhares de militantes. Este segundo período vai permanecer, com altos e baixos de acordo com a conjuntura, até 1917, onde o partido bolchevique entrou no “terceiro período” de construção partidária: um partido de ação de massas que, segundo Lênin, já não tem como atividade central a propaganda revolucionária como minoria para convencer a maioria e passou a dispor as centenas de milhares de militantes em disposição de luta para a tomada do poder.[1]
Essa revolução foi tão profunda e teve bases sólidas porque juntou toda a ciência, todo o conhecimento do marxismo, adquirido nas atividades “intrauterinas” do partido com a ação das massas na luta cotidiana. Essa união da ciência marxista com a luta do movimento operário é o que caracteriza um verdadeiro partido marxista revolucionário e foi uma característica fundamental do partido bolchevique.
A partir de 1895, Lênin já se comunicava oficialmente como dirigente, como “homem do partido”, com o centro dirigente que estava no estrangeiro. Assumiu a tarefa, teórica e prática, de unificar uma multidão de organizações marxistas disseminadas pela Rússia, com um centro unificado organicamente e em base a um programa.
As cartas de 1895, enviadas a direção do grupo no estrangeiro mostrava Lênin como dirigente do grupo de Petrogrado, onde informava a situação das fábricas e o estado de ânimo das massas, dizia a melhor forma de escrever cartas para que não caísse nas mãos da repressão e informava os projetos de trabalho do grupo. Pedia opinião aos membros fundadores, Axelrod e Plekhánov. Em uma destas cartas, de 1897, dizia:
“Não há nada que tenha desejado tanto, no que tanto tenha sonhado, como escrever para os operários.”
Assim se combinou circunstância únicas que formaram Lênin como um dos principais dirigentes do movimento operário mundial: transição das revoluções burguesas para as revoluções proletárias, abertura de época de guerras e revoluções, surgimento de uma poderosa classe trabalhadora no país (com uma burguesia raquítica), solidificação do marxismo como a teoria e o programa da classe trabalhadora europeia. Tudo isto reunido num país onde não havia nem parlamento, nem sindicatos, nem partidos revolucionários na legalidade.
Neste segundo tomo, Lênin continuou seu trabalho, realizando uma análise cientifica das classes sociais na Rússia, assim como a natureza do sistema e do regime russo. Nestes trabalhos caracterizou o papel do proletariado, da pequena burguesia e da burguesia:
Em 1897, escreveu “Contribución a la caracterización del romanticismo económico…”, publicado no mesmo ano na revista “Nóvoe Slovo”, revista dos marxistas legais:
O texto é uma crítica as posições do economista suíço Sismondi, um dos grandes teóricos sobre a economia política no período da revolução industrial e a passagem ao capitalismo mercantil para o industrial, o capitalismo maquinizado da grande indústria.
Toda a crítica de Lênin se apoia na crítica que Marx fez a Sismondi: este teve um mérito importante pois identificou as contradições do capitalismo, por exemplo, quanto mais riqueza de um lado mais pobreza do outro. Também via que as máquinas ao mesmo tempo que aceleravam a produção geravam desemprego. Dava grande importância às crises comerciais que já estavam ocorrendo. Porém ao invés de penetrar nas contradições do sistema para ver a dinâmica de luta entre as classes sociais caiu em lamentações de que o sistema era ruim porque arruinava o camponês, levava a degeneração moral e que o sistema capitalista ao empobrecer a população, ia quebrar por não ter consumidores, isto é, o capitalismo ia diminuir o mercado interno, cujo centro para Sismondi era ter muitos agricultores individuais que poderiam comprar o que a indústria capitalista fabricava. Para Sismondi, era impossível realizar a mais-valia na sociedade capitalista. Então, sua opinião sobre o capitalismo maquinizado, industrial, era moral, que era o caminho errado e tratava de aconselhar os governantes a não incentivar o capitalismo e voltar atrás na roda da história incentivando a pequena propriedade, a agricultura familiar, contra a grande propriedade industrial e comercial. Assim, “idealizava a pequena produção rural patriarcal e semi-medieval”, uma volta ao passado onde predominava a produção rural, por produtores individuais, isolados em sua área territorial, em oposição à produção para o mercado, que centralizou toda a produção nacional e internacional. Lênin via este romanticismo de Sismondi repaginado pelos populistas russos do seu tempo.
Portanto, Sismondi (e os populistas russos) criticavam o capitalismo desde a ótica da pequena propriedade rural e a indústria artesanal, que foi substituída pela grande produção capitalista industrial e proletarizou boa parte do campesinato. Sua crítica ao capitalismo era pelo que ele tinha de progressivo, segundo Marx e Lênin, que era obsessão pela inovação tecnológica (o desenvolvimento das máquinas como um fator de progresso, ainda que contraditoriamente joga parte importante da população no desemprego), pelo desenvolvimento das forças produtivas, pela socialização geral da produção (nacional e internacional, que prepara as condições materiais para o socialismo) e gera seu próprio coveiro, o proletariado internacional, a “força histórica motriz da sociedade”(segundo Marx em O Capital), a única classe verdadeiramente revolucionária, que não tinha nenhum interesse na propriedade privada, nem na grande nem na pequena e onde suas condições de libertação significam o fim da propriedade privada. Sismondi queria frear este desenvolvimento capitalista, via um perigo nas máquinas e na grande indústria. Marx e Lênin viam a grande indústria maquinizada como uma fase capitalista, que superou a fase mercantil e que, em relação à manufatura, significava um grande avanço da sociedade na produção de riquezas e na socialização da produção material. A grande indústria maquinizada foi um salto no desenvolvimento das forças produtivas da sociedade. Lênin identificou, neste texto, como uma fase peculiar do capitalismo, uma fase superior, ainda que, todavia, não denominou de “imperialismo”. Evidentemente, que esse avanço técnico e produtivo representava uma ampliação das contradições do sistema que se exacerbavam. O capitalismo era progressivo em relação ao feudalismo porque os vínculos principais passam a ser a comunidade de funções desempenhadas na economia nacional e internacional da sociedade e não no bairrismo territorial, na comunhão religiosa, etc. O capitalismo obrigou a unidade numa escala muito superior à da comunidade rural isolada, obrigou a unidade de classe nacional e internacional. É essa modificação essencial da vida que permitirá a elevação da consciência de classe do proletariado internacional e a possibilidade da revolução socialista nacional e na implantação de um sistema socialista internacional que, depois do salto da fase superior do capitalismo, não pode retroceder a um utópico socialismo “nacional”.
Segundo Marx e Lênin, o erro central de Sismondi (que todo desenvolvimento capitalista no século seguinte demonstraria) é que a produção deve corresponder ao consumo, que a demanda de produtos é que deve estar à frente, por isso idealizava a produção industrial artesanal qu só fabricava um sapato, por exemplo, sob encomenda e não para o mercado. Sismondi partia da esfera do consumo (e não da produção) para analisar o capitalismo, por isso dizia que o capitalismo não tinha futuro nenhum porque empobrecia a maioria da população com uma exploração desenfreada, diminuindo as pessoas que iriam consumir os produtos, diminuindo o mercado interno. Assim, o capitalismo entraria em crises cada vez maiores por falta de consumidores e teria que buscar consumidores no exterior até que todos os países se tornassem capitalismo e haveria a quebra do sistema. Porém, a realidade demonstrou a justeza da teoria marxista expressada no Capital: o capitalismo, a partir da produção, cria seu próprio mercado. No capitalismo, quanto mais a produção supera o consumo é melhor porque a acumulação de capital se dá numa velocidade maior. Por exemplo, inventa o automóvel ou o celular, abre fábricas cada vez mais maquinizadas, emprega mais trabalhadores que vão consumir estes produtos. No capitalismo surgiu um poderoso setor industrial que fabrica meios de produção (ou seja, máquinas que produzem máquinas), que se desenvolve muito rapidamente e foi (continua sendo hoje em dia) responsável pelo desenvolvimento técnico da sociedade, gerando novos ramos industriais e acelerando o desenvolvimento técnico da sociedade, isto é, partia das forças produtivas da sociedade que não era acompanhado, na mesma velocidade, pelo consumo. Assim, no capitalismo, a produção determina o consumo. Como é uma produção desenfreada sem ter um consumidor certo, impera a anarquia na produção, gerando uma desigualdade e crises (ao contrário da “harmonia” do artesão fabricando um produto encomendado). Isso é uma contradição do próprio sistema capitalista e que gera as crises capitalistas, que são cada vez mais devastadoras, mas não se dá pelo motivo alegado por Sismondi (por subconsumo das massas), mas porque os capitalistas ao investirem pesado em máquinas, diminui sua taxa de lucro e em determinado momento do processo geral de acumulação capitalista eles diminuem os investimentos e produzem o crack. Portanto, para o marxismo, as crises capitalistas são provocadas pela contradição existente entre a produção socializada mundialmente o modo de apropriação privada, baseada na propriedade privada. Assim, onde Sismondi via a irrupção das crises pelo subconsumo das massas, o marxismo via pela anarquia na produção.
Sismondi e os populistas russos cometeram um erro de método importante: identificavam as contradições do capitalismo e os antagonismos sociais provenientes desta sociedade, mas, ao invés de aprofundar no estudo das contradições reais do sistema capitalista, como fez Marx em O Capital (que levou décadas sendo elaborado), trocaram o estudo cientifico da sociedade por sua vontade, seu pensamento, sua posição política, sua ilusão de como deveria ser a sociedade. Não via como ela era e sim como eles queriam ver, então deixaram de lado os elementos da realidade que mostravam seu erro e tornaram sua visão moral, buscando outros caminhos (se iludindo, na verdade) para a sociedade que não passassem pelo capitalismo.
Isto era assim porque tanto Sismondi como os populistas russos estavam teorizando uma sociedade da pequena produção rural harmônica e idílica, que nunca existiu nem nunca existirá. A grande propriedade capitalista surgiu da pequena propriedade rural, o grande burguês surgiu do pequeno burguês (da diferenciação entre camponeses pobres e a burguesia rural) e Sismondi fechou os olhos para essa realidade. Então, era uma ideologia reacionária, queria voltar atrás na história para um sistema de produção patriarcal, medieval, do domínio do pequeno agricultor que trabalha no seu pequeno lote ou na sua “comunidade”, esquecendo que esse sistema se apoiava no grande senhor feudal, no latifundiário, que determinava impostos e tomava uma parte importante do trabalho do camponês, no isolamento, atraso e inércia, que gerava um embrutecimento da vida rural, sob domínio da nobreza feudal. Assim, a cara feia do capitalismo era substituída pela benção harmônica de uma vida patriarcal. Por isso, Marx dizia que essa corrente era romântica e utópica. Quando Marx e Lênin diziam que essa teoria era reacionária e era uma ideologia da pequena burguesia, não era uma afirmação moral, uma acusação “ideológica” contra Sismondi, que politicamente não era reacionário. Ao contrário, ele tinha todo o respeito de Marx e de Lênin, porém isso não modificava o caráter reacionário do seu sistema ideológico, defesa da pequena burguesia, que estava sendo arruinada pelo desenvolvimento industrial da sociedade e que critica o capitalismo desde o ponto de vista do pequeno burguês (mirando o passado) e não do proletariado (mirando o futuro).
Lênin explicou neste texto que os populistas russos reproduziam os mesmos esquemas de Sismondi para fundamentar a “originalidade” do desenvolvimento da Rússia, apoiado na “Comuna Russa”. Segundo os populistas, a Rússia não passaria pelo capitalismo que era “implantado artificialmente”, que tinha uma tradição da posse da terra comunista. Por isso, adotaram a visão de Sismondi que a ruína dos camponeses ia diminuir o mercado interno. Relacionando essas teorias, Lênin concluiu que “la doctrina económica de los populistas no es más que una variedad rusa del romanticismo paneuropeo”. Lênin demonstrou, neste trabalho, nos anteriores e no próximo – O desenvolvimento do capitalismo na Rússia – que o capitalismo já estava dominando o país e justamente nasceu da diferenciação no campo, no surgimento do proletariado e da burguesia a partir da diferenciação de classes no campo russo.
O texto “El censo de los Kustares de 1894-1895 en la Provincia de Perm y los problemas generales de la industria ‘Kustar’[2]” foi escrito em 1897 e publicado em 1898.
Nele, Lênin fez uma crítica à análise do Censo da indústria Kustar de Perm, realizado pelos populistas que desprezavam os fatos para demonstrar sua tese de que o capitalismo não tinha como se desenvolver na Rússia, que existia uma economia “popular” baseada na pequena propriedade rural e na indústria artesanal, mais viável que o capitalismo. Lênin demonstrou que era equivocado usar uma média dos dados do Censo, pois assim tornava homogêneo um setor econômico e social em completa diferenciação entre camponeses pobres que tinham que se assalariar para sobreviver e o setor rico do campesinato, que avançava para montar industrias de todo tipo, se tornando burgueses. Lênin retornava ao tema que vinha se dedicando desde que iniciou sua militância. Lênin discutia temas que hoje voltam à cena, mais de 120 anos depois, como o trabalho em domicílio que Lênin via, baseado no estudo de O Capital, como um apêndice da fábrica, uma terceirização do trabalho industrial onde o capitalista economizava máquinas, local de trabalho, alimentação, baixos salários e o não pagamento de direitos, ademais de jornadas extenuantes de 16 horas ou mais, pois tudo ficava por conta da “pequena indústria familiar”, que trabalhava sob encomenda de produtos intermediários de um grande industrial. Lênin afirmava que este tipo de trabalho já era parte do capitalismo na Rússia, ainda que se tratava das formas primárias, mais para manufatura que para indústria maquinizada. Enquanto os operários da Europa exigiam o fim deste trabalho domiciliar e a abertura de fábricas, os populistas endeusavam essa pequena produção industrial, chamando-a de “popular”, alternativa ao capitalismo, como se fosse um “modo de produção” da pequena propriedade, com identidade própria histórica (uma espécie de “via russa para o socialismo”). Este critério que Lênin utilizou é muito importante para a discussão de hoje, das novas modalidades de trabalho por peça, por encomenda, por empreitada, onde o capitalista não contrata os operários, contrata empreendedores individuais para fazer uma parte do trabalho sem nenhum vínculo trabalhista. O critério que Lênin utilizava partia do fato deste pequeno industrial familiar (os “empreendedores” de hoje) estava “unido diretamente à fábrica capitalista atendido por operários assalariados e sendo com frequência só sua continuação ou uma das suas seções, o trabalho para o atravessador (mayorista) não é outra coisa que um apêndice da fábrica.” O programa dos populistas tratava de pequenas reformas para favorecer a pequena propriedade: crédito para os pequenos, formação de cooperativas de produção e venda, acordos de desenvolvimento da técnica e outras questões deste tipo. Este texto de Lênin foi a base para o livro “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia”, uma das obras mais importantes dele, em polêmica com os populistas, maior corrente de esquerda da Rússia de então.
O texto “Perlas de la proyectomanía populista…” foi escrito em no final de 1897, na aldeia siberiana onde Lênin estava confinado e continuava com a crítica aos planos mirabolantes de organização da sociedade russa que os populistas inventavam:
Lênin ridicularizou o plano de instaurar a escola secundaria obrigatória através de um plano mirabolante onde os estudantes pobres, filhos de camponeses, pagariam seus estudos com trabalho no campo. Já os filhos de ricos não iriam para estas escolas-fazendas, mas seguiriam indo para as escolas pagas. Lênin denominou o plano de “feudal-burocrático-burguês-socialista” e completamente utópico porque acreditava que ia organizar o trabalho da maioria da população russa, partindo da escola onde os jovens estudariam em troca de trabalhar como operário-camponês, que conseguiriam milhões de hectares para instalação das fazendas-escolas e professores e funcionários ganhando menos do que o que se pagava no mercado. Era um plano de “socialização da produção” por fora do capitalismo que já dominava a economia e a sociedade russa, um plano ideal, mirabolante, de organizar a produção de riquezas na sociedade a partir de escolas-fazendas, sem levar em conta as classes sociais e a implantação do capitalismo no país. Plano que era um retrocesso, segundo Lênin, pois “O pagamento em trabalho constitui a essência econômica do regime feudal”.
A única questão que Lênin considerou correta na concepção do plano é que expressava uma ideia correta de que a instrução das jovens gerações deve-se fazer de forma conjugada com um trabalho produtivo e o conhecimento cientifico catapultado pelo capitalismo. Lênin diz que esta ideia era defendida por Marx e Engels, mas que só era possível executar um ensino obrigatório para todos e todas se o trabalho produtivo fosse obrigatório para todos senão, o estudo obrigatório para os filhos dos pobres será pago com o trabalho dos pobres.
Neste artigo, Lênin discutia o caráter de classe que necessariamente tem a educação na sociedade de classes seja pelo conteúdo seja pelo acesso universal, que uma boa parte dos filhos da classe trabalhadora são impossibilitados por vários motivos.
Como a Rússia, neste período, não só estava dividida em classes sociais como também em castas feudais (nobreza, clero, burocracia estatal, etc) com muitos privilégios, Lênin debateu, neste texto, a diferença de classe e casta, tema muito interessante na história da própria Rússia, que assumirá muito peso no debate político quando ocorre a degeneração da revolução russa de 1917, dirigida por uma casta burocrática liderada por Stalin.
Todos os planos mirabolantes dos populistas buscavam “saltar” o capitalismo via as terras comunitárias e o camponês, esquecendo de propor um programa de enfrentamento de classes ao capitalismo já implantado na Rússia de então. Idealizavam a pequena propriedade e a produção “popular” em alternativa ao capitalismo quando, na verdade, o capitalismo estava surgindo a partir da diferenciação no campo, justamente dessa “produção popular” para o mercado, isto é, estava surgindo o burguês e o proletário.
No final de 1897, no confinamento siberiano, Lênin escreveu “A que herança renunciamos?”, continuando o debate com os populistas.
O texto polemizou com a afirmação dos ideólogos populistas que diziam, com o intuito de queimar os marxistas russos, que a nova corrente marxista rompia com a herança dos antigos revolucionários russos (os “iluministas” locais) da década de 1860 e 1870. Os populistas reivindicavam integralmente essa “herança” revolucionária.
Porém, neste texto Lênin comprovou que os marxistas são os verdadeiros continuadores da luta revolucionaria do século XIX e da concepção teórica dos predecessores, enquanto os populistas ao se tornarem defensores da pequena propriedade, embelezando a economia feudal com sua estreiteza rural, terminaram tentando negar o desenvolvimento da sociedade capitalista em prol de retomar a vida camponesa idealizada na forma de “comunidade rural”, com seu poder patriarcal, com pagamento de impostos aos nobres feudais e ao governo, o impedimento de sair da “comunidade” que já estava se fracionando em classes sociais pelo capitalismo. Dessa forma, a “comuna rural russa” colocava os camponeses pobres na dependência servil da autocracia e da nobreza através de pagamento da “caução solidária”, pagamento de suas parcelas individuais e, inclusive, o pagamento em trabalho, forma especificamente feudal de pagamentos de dívidas.[3] O resultado era que uma parte considerável dos camponeses tivessem que abandonar suas terras e se tornar braceiro, assalariado rural, etc.
Lênin mostrou as três características centrais da herança dos revolucionários do século XIX: Primeiro, que lutavam contra tudo que tivesse a ver com o sistema feudal, contra todos os vestígios de feudalismo e criticavam a reforma camponesa de 1861 por manter boa parte destes vestígios já mesclados com a compra e venda capitalista da terra. Em segundo lugar, lutavam pela instrução geral, a autoadministração, a democratização geral da sociedade e o avanço da sociedade no caminho da europeização. O terceiro elemento é que se colocava ao lado das massas populares, especialmente os camponeses. Assim, Lênin dizia que esta herança não tinha nada de populista e se aproximava das posições dos marxistas russos, que viam no desenvolvimento capitalista não o progresso em si mesmo, senão porque acelerava as contradições de classe entre a burguesia e o proletariado.
Os autores revolucionários do século XIX já desmascaravam os elementos que os populistas embelezariam na vida “comunal” rural russa, como expressa Engelhardt no seu livro Desde a aldeia:
“En oposición a la fraseología corriente acerca del espíritu de comunidad de nuestro campesino y a la costumbre de contraponer ese “espíritu de comunidad” al individualismo de las ciudades, a la competencia en la economía capitalista, etc., Engelhardt pone al desnudo de manera implacable el sorprendente individualismo del pequeño agricultor. Muestra con detalle que “en los problemas de la propiedad, nuestros campesinos son los propietarios más extremistas” (pág. 62, citado según la edición de 1885), que no pueden soportar “el trabajo en común” y lo odian por motivos puramente personales y egoístas: trabajando en común cada uno “teme trabajar más que los otros” (pág. 206). Este temor alcanza el más alto grado de comicidad (quizás hasta de tragicomedia) cuando el autor relata cómo mujeres que viven en una misma casa y están ligadas por una hacienda común y lazos de parentesco, lavan cada una la parte de la mesa en que comen, u ordeñan por turno las vacas, recogiendo cada una la leche para su propio hijo (temen que otras oculten la cantidad ordeñada) y preparando cada una por separado la papilla que le da a su hijo (pág. 323). Engelhardt expone con tantos pormenores estos rasgos y los confirma con tal cantidad de ejemplos que no puede ni hablarse de que tales hechos sean fortuitos. Una de dos: o Engelhardt es un observador inepto, que no merece confianza, o las fábulas sobre el espíritu de comunidad y las cualidades comunitarias de nuestros campesinos son una mera invención que atribuye a la economía rasgos derivados de la forma de propiedad de la tierra (además, de esa forma de propiedad de la tierra se derivan todos sus aspectos administrativos y fiscales). Engelhardt muestra que el campesino tiende en su actividad económica a ser kulak: “en cada campesino hay cierta dosis de la mentalidad del kulak” (pág. 491), “los ideales del kulak imperan en el ambiente campesino“… “He señalado más de una vez que en el campesino están muy desarrollados el individualismo, el egoísmo, la tendencia a la explotación“… “Cada uno se enorgullece de ser un pez grande y tiende a devorar al chico“. Engelhardt muestra de manera magistral que el campesino no tiende en absoluto al régimen de “comunidad” ni de ninguna manera a la “producción popular”, sino al más corriente régimen pequeñoburgués propio de toda sociedad capitalista.”
Los procedimentos dos populistas se afastam da “herança”, segundo Lênin, por três elementos: o primeiro, a visão que o capitalismo na Rússia de então era regressivo; o segundo, que havia uma originalidade no regime econômico russo, especialmente dos camponeses e da sua comunidade como algo superior ao capitalismo, negando a diferenciação de classe que ocorria entre o campesinato e, em terceiro, se negavam a dar uma explicação materialista da sociedade russa, do reconhecimento da existência de classes sociais e relações de exploração entre elas e sua expressão na superestrutura política e jurídica do país.
Assim, o populismo que nasceu como corrente progressiva ao enfrentar o sistema capitallsta que estava surgindo na Rússia, se tornou uma “teoria reacionária y nociva [itálico de Lênin] que desorientava o pensamento social, que faz o jogo a estagnação e à barbárie asiática”, onde chegava a defender o pagamento por trabalho (ou por peça, por empreitada) ao invés do pagamento por salario, desenvolver pequenas industrias rurais em oposição à grande indústria maquinizada e a volta de uma economia patriarcal.
Os marxistas russos reconheciam um caráter progressivo do capitalismo russo, não mirando uma nação em geral, mas o surgimento da classe proletária, a “única classe verdadeiramente revolucionária”. Os marxistas viam, também, na socialização da produção em grandes fábricas ao nível nacional e internacional um elemento progressivo do capitalismo em relação ao embrutecimento e isolacionismo rural do feudalismo.
Os populistas criticavam o marxismo por sua “inexorável objetividade” porque estes “exigem que as opiniões acerca dos fenômenos sociais se assentem numa análise inexoravelmente objetiva da realidade [itálico do Lênin] e da evolução real: “…el famoso tratado sobre El Capital es considerado con razón uno de los modelos más admirables de objetividad inexorable en el estudio de los fenómenos Sociales…”
“La fútil argucia del señor Mijailovski sólo demuestra que hasta ahora no ha comprendido el muy elemental problema de la diferencia que existe entre el determinismo y el fatalismo.”
Esta é uma passagem muito importante de Lênin, pois o maior ataque feito ao marxismo por esta corrente é que o marxismo vê a realidade dos países e suas mudanças condicionadas – palavra que expressa melhor a visão marxista que ‘determinadas’ – pela base material da sociedade, mas não como uma fatalidade histórica que ocorrerá sim ou sim, sem considerar a ação humana, visão da corrente materialista mecanicista, tão combatida por Marx e Engels e, exatamente por isso, Lênin fazia questão de diferenciar determinismo (condicionamentos materiais da luta de classes) de fatalismo.
Lênin demonstrou neste texto que os marxistas defendiam de forma mais consequente a herança dos revolucionários russos do século XIX, cujo representante mais destacado foi N.G. Chernishevski.
Já na condição de dirigente da organização, Lenin preparou a edição de um jornal clandestino do grupo União de Luta chamado Rabóchee Delo “A Causa Operária“.
Lênin, seguiu se reunindo com os operários de vanguarda e escreveu vários materiais explicativos para os operários de Petrogrado, que seriam publicados na edição confiscada do jornal:
O primeiro escrito para operários, de forma simples e entendível por qualquer trabalhador, foi a “Explicação de la ley de multas que se aplica a los obreros fabriles“. Escrita em 1895 e publicada no mesmo ano:
Lênin demonstrou com este folheto os abusos dos fabricantes que multavam os operários por qualquer motivo, como forma de rebaixar o salário geral. Contraditoriamente, a lei de multas já foi resultado das greves e conflitos operários, contra as multas, que obrigou o governo a implantar estas leis, ainda que demorava em regulamentar e terminavam sendo usadas pelos fabricantes em conluio com os inspetores e funcionários estatais. O folheto explicava detalhadamente como os operários deveriam enfrentar a patronal e chamava a união geral para a luta contra os capitalistas e a autocracia.
“La nueva ley fabril” foi escrito em 1897, durante o exílio na Sibéria, e foi publicada 2 anos depois no exterior.
Essa lei tratava da redução da jornada de trabalho para 11:30 horas diárias e a 10 horas diárias para o trabalho noturno. Representou uma concessão da autocracia ao movimento operário e foi produto das grandes greves realizadas entre 1896 e 1897 pelos operários, que foram apoiadas e dirigidas pela socialdemocracia. Portanto, foi uma lei arrancada e conquistada na luta. Porém, quando promulgada a lei, o governo tzarista tratou de regular a lei de forma deixando brechas na legislação para piorar as condições de trabalho dos operários, diminuindo os dias festivos de folga, permitindo horas extras que chegavam até 24 horas. Assim, o governo se mostrou como um “comitê de gerenciamento do conjunto da classe burguesa” e, pior todavia, se adequando aos fabricantes mais atrasados (de Moscou, pois os industriais de Petrogrado já tinham defendido a jornada de 10 horas de jornada diária). Segundo Lênin, isso demonstrava que as leis conquistadas pelo movimento na luta, em geral, quando promulgados como lei não passavam de “papel molhado” e que o movimento só podia confiar na sua luta para garantir esses direitos e a jornada reivindicada internacionalmente pela Associação Internacional de Trabalhadores (AIT) de 8 horas.
Lênin escreveu, no final do ano de 1895, um panfleto de agitação para os operários de uma fábrica onde os tecelões entraram em greve: “A los obreros y obreras de la fábrica Thornton”:
Utilizando dados pormenorizados das condições de trabalho e salário da fábrica, Lênin se dirigiu aos operários da fiação, da tinturaria e de outros setores para apoiar os tecelões, que estavam sendo atacados pela patronal, com diminuição de salários e demissões. A greve foi dirigida pela organização dirigida por Lênin, a União de Luta pela Emancipação da Classe Operária. No final do panfleto são apresentadas propostas para ser arrancadas pela luta e o chamado a união na luta como única forma de conseguir arrancar os direitos dos operários.
“En qué piensan nuestros ministros?” Artigo escrito no final de 1895, para ser publicado no primeiro número de Rabóchee Delo (A Causa Operária), junto com outros artigos. O primeiro número do jornal, organizado por Lênin, foi confiscada pela polícia.
No artigo, Lênin se referiu a uma carta do ministro do interior que denunciava a participação de revolucionários dando aulas, conferencias e cursos para alunos adultos analfabetos nas escolas dominicais.[4] As conferencias tratavam de temas econômicos e políticos gerais, como formas de governo, distribuição de riqueza, etc. Lênin terminou o artigo dizendo: “¡Obreros! ¡Ya veis el miedo mortal que tienen nuestros ministros a la unión del saber con el pueblo trabajador! ¡Mostrad a todos que no hay fuerza capaz de arrancar la conciencia a los obreros! ¡Sin conocimientos, los obreros están indefensos; con conocimientos, ¡son una fuerza!”
Em 1896, Lênin escreveu o panfleto “Al gobierno tzarista”, onde avaliava a onda de greves que assolou a Rússia em 1896, que obrigou o governo a debater publicamente sobre as greves, afirmando que havia infiltrados socialistas. As reivindicações dos operários tratavam de pagamento de salários, redução da jornada para 10 horas e 30 minutos, entre outras. Entraram em greve cerca de 30 mil operários em Petrogrado, dirigidos pela União de Luta pela Emancipação do Proletariado, organização dirigida por Lênin.
Justamente, quando Lênin assumiu a direção do grupo, ocorreu sua primeira prisão, com 25 anos. A prisão foi motivada pela publicação do número do Rabóchee Delo (A Causa Operária). Vai passar 14 meses na prisão.
Solicitou a sua mãe, Maria Blank, e à sua irmã, Maria Ulianova, que enviem livros de filosofia de Marx, Engels e Hegel em dezembro de 1895.
No final de 1895, com quase 26 anos, Lênin começou os estudos para escrever “El desarrollo del capitalismo en Rusia” e redigiu o “Projeto de Programa” do POSDR.
Também escreveu um obituário de Engels, que morreu em 1895, aos 75 anos, para publicar no primeiro número da revista Rabótnik (O Trabalhador):
“Federico Engels”, escrito em 1895, mostra Engels como um grande amigo de Marx, um exemplo de amizade profunda e cheia de ternura entre dois grandes pensadores e lutadores revolucionários. Engels se dizia, de forma humilde, “o segundo violino”, nesta relação entre os dois. Os dois amigos elaboraram uma teoria da luta revolucionária do proletariado mundial. Foram os dois amigos que entenderam a importância do proletariado como força revolucionária, quando todos viam apenas o lado “miserável” desta nova classe, o proletariado, a classe dos assalariados. Também, os dois foram responsáveis por transformar as teorias sociais em ciência social, na medida em que via as transformações da sociedade a partir das suas contradições internas, pelo desenvolvimento das forças produtivas, e não uma invenção de sonhadores, que imaginavam um socialismo sem luta. Marx e Engels ensinaram o proletariado a conhecer-se e ter consciência da sua força e das suas debilidades e substituíram os sonhos por uma ciência social. Engels e Marx eram democratas e se formaram comunistas no estudo das ciências econômicas e sociais e na atuação prática nos movimentos sociais de luta do proletariado. Partiram da teoria revolucionária de Hegel, onde tudo se transforma, mas deram uma base material a visão idealista de Hegel (onde o espirito e as ideias determinavam o desenvolvimento da natureza, do homem e das suas relações sociais). Marx e Engels inverteram essas relações, dando primazia à base material da sociedade, o desenvolvimento das forças produtivas, que condiciona a vida espiritual da sociedade. Os dois amigos se chocaram também com as visões acadêmicas que desprezavam o proletariado, a luta de classes cotidiana. Eles criticavam duramente esse desvio contemplativo da realidade, e defendiam a ação política para a transformação revolucionária da sociedade. Os dois não eram intelectuais burgueses que atuavam separados do movimento operário, ao contrário faziam parte do movimento e se ligaram ao que havia de mais progressivo na luta da classe trabalhadora. Participaram da Liga dos Comunistas e elaboraram seu programa “O Manifesto do Partido Comunista”, publicado no início de 1848 e depois fundaram, em 1864, a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), que uniu os trabalhadores de dezenas de países e foi muito importante para o desenvolvimento do movimento operário internacional, dando as bases políticas e programáticas. Lênin insistia, também, na atividade que Engels e Marx desenvolveram com os revolucionários russos.
No início de 1897, o governo ditou a sentença de Lênin: confinamento na Sibéria, onde ficará sob vigilância da polícia por três anos.
No caminho da Sibéria, se reuniu com militantes do partido em Petrogrado. Aí se estabeleceu uma polêmica entre membros da organização sobre o “economismo”, uma corrente economicista, cuja plataforma (que foi apelidada por “Credo” e escrita por E. D. Kuskova e S. N. Prokopóvich), apoiava o revisionismo de Bernstein dentro da Rússia.
Em março de 1897, chegou em Krasnoyarsk, onde ficará confinado nos próximos anos.
Lênin começou a escrever materiais de orientação política e organizativa da socialdemocracia, em contato com a direção do grupo que estava no estrangeiro.
No interior do partido, na Rússia e no estrangeiro, se desenrolava a elaboração do programa do partido, com vistas a um Congresso de fundação.
Neste tomo estão incluídos os primeiros trabalhos de Lênin como dirigente orgânico do partido revolucionário russo em formação. São trabalhos programáticos, táticos e organizativos para a formação do partido russo.
Na prisão, no final de 1895, escreveu o “Projeto de Programa do POSDR”, escrito com leite entre as linhas de um livro, e em 1896 escreve a “Explicação do Programa do POSDR”. Estes materiais foram publicados quase 30 anos após escritos, em 1924.
O Projeto de Programa tem uma parte inicial que explica as condições reais do desenvolvimento do capitalismo na Rússia: surgimento das grandes fábricas e ruínas dos pequenos proprietários, convertendo-os em proletários, aumento da riqueza para um punhado de ricaços e o aumento da miséria para a maioria da população, surgimento da classe proletária cuja luta culminará com a passagem do poder político e os meios de produção para a classe trabalhadora. Que este movimento da classe proletária russa faz parte do movimento internacional (II Internacional) e que seu objetivo imediato é a derrubada da autocracia. Que o papel do partido socialdemocrata não é de inventar novas formas de luta, mas ajudar nessa luta de classes, para desenvolver a consciência de classe dos operários, iluminando o caminho da luta com a máxima de que “A libertação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”. Por fim, apresentou várias propostas de um programa que começa com a parte das liberdades democráticas, seguida por direitos da classe operaria, concluindo com as reivindicações camponesas.
A explicação do programa, escrita também desde a prisão, explicava que o projeto de programa:
Lênin começa explicando que o projeto de programa está dividido em três partes: a primeira parte e mais importante é a que expõe as concepções teóricas que vão se concretizar nas duas partes seguintes. Nessa parte tem importância o lugar central que a classe proletária assume neste sistema. Nesta parte está exposto o rápido desenvolvimento do capitalismo na Rússia e a proletarização dos pequenos proprietários. Mostra o enriquecimento de uma minoria e o empobrecimento geral da classe trabalhadora. Mostra, também, que o sistema capitalista socializa a produção de mercadorias em grandes empresas, utilizando maquinário moderno e aumenta a produtividade do trabalho via a socialização da produção. Esse movimento vai quebrando os pequenos negócios e pequenos camponeses. Esse mesmo movimento gera um grande exército de desempregados. Assim, a proletarização da sociedade leva a que a luta isolada nas empresas se une em uma luta de classes contra os fabricantes e o governo. A classe dos despossuídos, os assalariados, atrai todas as classes exploradas e oprimidas da sociedade. A única saída para o proletariado é suprimir a propriedade privada e colocar nas mãos de toda a sociedade as fabricas, minas e campos e organizar a produção socialista comum, dirigida pelos próprios trabalhadores. Em seguida, o programa conclui que o domínio da classe capitalista é internacional e que o capital internacional está dominando a Rússia.
A segunda parte é, para Lênin, “a mais importante porque indica as principais atividades do partido”: a primeira é de se juntar ao movimento operário, ajudar na sua luta, não substituir o movimento, não inventar novas modas para a luta, mas iluminar o caminho, desenvolvendo a consciência de classe dos operários, atuando na própria luta, no próprio movimento, sendo parte integrante dele, elegendo qual meio de luta é mais apropriado, de acordo a correlação de forças entre as classes, precisar as reivindicações. Portanto, a ação central do partido deve-se, em primeiro lugar, “desenvolver a consciência de classe dos trabalhadores”, em segundo lugar, “contribuir com a sua organização”, inclusive divulgando livros, folhetos, panfletos de agitação, jornais etc. e, em terceiro lugar, “indicar o verdadeiro objetivo da luta”, através de ampla agitação e propaganda, explicar pacientemente sua exploração e os objetivos finais da luta.
A terceira parte trata da luta contra a autocracia e por liberdade política e as condições para realizar acordos entre as classes e os setores de classes.
No final de 1897, no confinamento siberiano, com 27 anos, escreve o folheto “As tarefas dos socialdemocratas russos”:
Lênin começou explicando que esse texto condensava sua “primeira experiência de trabalho de partido”. É o primeiro texto do Lênin que trata da organização do partido revolucionário e é um “folheto que faz somente, de forma genérica, um esboço global das tarefas da socialdemocracia”. Utiliza diversas táticas de acordo com os princípios marxistas, faz um giro ao trabalho prático de inserção no proletariado (especialmente no proletariado industrial), elabora a relação estreita entre a agitação e a propaganda, as alianças de classes, a centralização do trabalho entre a base e os dirigentes, a estrita clandestinidade revolucionária, com a especialização de tarefas, aproveitando todas as forças militantes, como parte do exército internacional da classe trabalhadora.
Aqui Lênin está desenhado de corpo inteiro: o texto é genial. Apesar do material condensar a experiencia internacional de implantação do marxismo na Europa (como vocês podem apreciar), ele já traz todas as especificidades da situação pré-revolucionária da Rússia, da força do proletariado industrial nascente, da repressão violenta do governo e a covardia congênita da burguesia russa. Material combustível que originará uma organização única na história do marxismo: o partido bolchevique.
Lênin pede nos prefácios das edições posteriores que se leia o texto “Duas táticas da socialdemocracia…” de 1905 para analisar o desenvolvimento das suas posições entre o ano de 1897 até 1905, entremeado pelo livro “O que fazer?”, que também trata do assunto.
É um texto completo e trata de preparar a organização para transitar de grupo fundacional para um partido de vanguarda, solidamente implantado na classe operária: “A socialdemocracia russa é, todavia, muito jovem. Começa apenas a sair do estado embrionário em que os problemas teóricos ocupavam um lugar predominante”.
Os elementos centrais tratados neste folheto são:
- A análise das classes sociais (burguesia, proletariado e pequena burguesia) e o papel de cada uma na luta democrática-burguesa e na luta socialista
- A combinação indissolúvel da luta democrática com a luta socialista: “nexo indissolúvel de suas tarefas democráticas e socialistas”. “Fusão da luta socialista e da luta democrática em uma indivisível luta de classes.”
- As alianças táticas temporárias (para a luta concreta) sem misturar classes, bandeiras ou programas onde, mesmo aliado na luta, se mantem integralmente a independencia do proletariado.
- Uma organização clandestina para a luta revolucionaria.
- Sólida implantação na classe operaria industrial (“a socialdemocracia não deve dispersar suas forças, mas concentrá-la entre o proletariado industrial”) sem cair no exclusivismo obreirista.
- A tática central busca a luta de massas para a tomada do poder em confronto com a tática terrorista dos populistas.
- O trabalho clandestino em toda a Rússia e sua centralização geral: “Sem reforçar e desenvolver a disciplina, a organização e a clandestinidade revolucionária é impossível lutar contra o governo.”
- Utilização ampla de jornais, folhetos, panfletos num amplo trabalho de agitação e propaganda para desenvolver a consciência de classe do proletariado, tarefa central do partido revolucionário neste estágio de construção partidária.
- Preparação de uma coluna de dirigentes operários (agitadores e propagandistas).
- Enfim, “um partido político operário independente que forme um todo único com a socialdemocracia internacional.”
São temas que até hoje, em pleno século XXI, a maioria das organizações revolucionárias do planeta não levam em conta essa experiencia, apesar de se “glorificar”, em algumas organizações. Uma parte destas ideias já haviam sido expressadas por Plekhánov, em seus livros polêmicos com o populismo, como construir o partido nos centros industriais.
A originalidade do partido que estava surgindo se expressou na última frase deste folheto: “Sabemos también que, de acuerdo con el sistema que proponemos, a muchas personas ansiosas de entregar sus energías a la labor revolucionaria les resultará muy duro el período preparatorio indispensable para que la Unión de Lucha reúna los datos oportunos acerca, del individuo o grupo que ofrezca sus servicios y ponga a prueba su capacidad en algunas misiones. Pero sin esta comprobación previa es imposible la actividad revolucionaria en la Rusia de hoy.”
Esta visão do militante efetivo, combativo, organizado e disciplinado para a tomada do poder será questionada, em poucos anos, por toda a direção do partido, no III Congresso do partido em 1903.
Por estas questões, trabalhadas aqui de forma sucinta, já ficou patente que Lênin se apoiava na experiencia internacional das organizações marxistas (especialmente o partido alemão) e na experiencia dos embriões de partidos revolucionários como a “Conspiração dos Iguais” de Graco Babeuf na França de final do século XVIII e da Liga dos Comunistas de 1850,mas que começou a se constituir uma organização original, de um novo tipo, para uma nova época de guerras e revoluções, produto da originalidade da Rússia no processo revolucionário europeu.
Essa originalidade combinava a inserção central no movimento operário industrial, na utilização da teoria marxista como elemento constitutivo da agitação e da propaganda revolucionária e o internacionalismo proletário, a participação do partido russo como parte indissolúvel do exército internacional de trabalhadores. Estes três elementos, associados à construção de um partido de revolucionários profissionais, dedicados a um longo trabalho ilegal, deu características próprias, originais, a este partido que estava surgindo na Rússia de 1890.
Lênin concluiu o folheto dizendo: “Uma organização assim seria, simultaneamente, uma organização do partido operário adaptado as nossas condições e um potente partido revolucionário dirigido contra o absolutismo”.
A organização se ligou com o proletariado industrial que, pelo peso do seu protagonismo nas greves do final do século XIX, se tornou a força motriz da luta pela derrubada do tzarismo, arrastando os setores pequeno-burgueses da cidade e do campo enquanto a tímida burguesia se inclinou para um acordo contrarrevolucionário com o governo capitalista-medieval.
O ascenso operário catapultou a organização socialdemocrata como sólido partido de vanguarda, que se consolidará na revolução que ocorrerá em 8 anos, e a organização deu um programa, as táticas e uma organização para a espontaneidade do ascenso.
Essa ligação com o movimento de luta entre as classes vai levar a duas grandes crises partidárias onde frações internas se adaptaram à burguesia através de desvios da concepção marxista, como os “economistas” e logo depois “o menchevismo”. Foi o pedágio pago pelo partido para se converter na direção do proletariado russo que em 20 anos tremerá todos os alicerces capitalistas do planeta.
Também neste folheto se formulou a conhecida frase do Lênin “sem teoria revolucionária não pode haver movimento revolucionário” e já está trabalhada embrionariamente a ideia que se desenvolverá em O Que Fazer? da combinação das três formas de luta: teórica, política e econômica, seguindo a indicação de Engels.
Portanto, este folheto cumpriu um papel importante para coesionar os futuros dirigentes revolucionários do proletariado russo em um partido marxista, ao mesmo tempo que foi formando o Lênin como um dos principais dirigentes do POSDR.
Krupskaya escreveu que “À noite, Vladimir Ilyich costumava ler livros de filosofia – Hegel, Kant ou os materialistas franceses – e quando ficava muito cansado, Pushkin, Lermontov ou Nekrasov.” Lênin opinava positivamente sobre o livro de Labriola “Ensayos de una concepción materialista de la história (1897). Sugeriu a Struve publicar Labriola na revista Nóvoe Slovo.
Mesmo confinado na Sibéria, mantem contato com os dirigentes do partido dentro e fora da Rússia. Continua trabalhando no livro “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia.”
Na sua adaptação ao desterro, Lênin gostava de caçar. Quando chegou na aldeia que moraria nos próximos três anos, se informou sobre a caça na região:
“Saudações a Mark. Nunca tenho notícias suas. Posso informar a você, assim como a Mitya, que a caça, ao que parece, não é de todo ruim aqui. Ontem viajei cerca de 12 verstas e cacei patos e galinholas. Há muita caça, mas sem cachorro é difícil, principalmente para um atirador tão ruim quanto eu. Há até cabras selvagens, e nas montanhas e na taiga (a cerca de 30 ou 40 verstas daqui, onde os agricultores locais às vezes também vão caçar) há esquilos, palancas, ursos e veados.” (…) “A minha vida aqui não é nada má: vou caçar muito, fiz amizade com os caçadores daqui e vou caçar com eles.”
Enquanto escrevia “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia”, ia caçar regularmente durante o exílio siberiano. Essa região era a fronteira entre a Rússia e a Mongólia. Lênin auxiliava os camponeses locais nos temas advocatícios.
No exílio siberiano Lênin seguia recebendo cartas de toda Rússia e do estrangeiro. Recebia livros e revistas de toda Europa, encomendados à sua família. Contatava, também, com seus camaradas de desterro a quem visitava em ocasiões especiais.
Uma característica central do Lênin era seu poder de concentração nos objetivos fixados. Não se dispersava de maneira alguma das tarefas centrais, deixando de lado tudo que interferia no trabalho a ser realizado.
Potrésov, redator do Iskra junto com Lênin, na fundação do jornal, depois se tornou inimigo jurado do Lênin. Nas suas memórias fala assim de Lênin:
“Nem Plekhánov, nem Mártov, nem mais ninguém, era dotado da misteriosa habilidade que simplesmente irradiava de Lênin, a qual tinha efeito hipnótico sobre as pessoas e, por assim dizer, as dominava. Plekhánov era respeitado. Mártov era amado. Mas o povo seguis somente Lênin de modo inabalável, como líder único e indisputável, porque ele tinha algo raro, em especial na Rússia: vontade de ferro, energia inexaurível e fé fanática no movimento e na causa – e não menos fé nele mesmo.”
Ademais dessa força mental, tinha muito tato e gentileza com as pessoas. Lunacharski, que escreveu uma breve biografia de Lênin em 1920 dizia que ele era “muito tímido” e tentava ficar nas sombras, durante a realização dos congressos internacionais e era de uma “modéstia incomum”.
Neste período de exílio siberiano, havia uma desorganização grande dos círculos marxistas, ocasionada pela prisão e desterro de todos os dirigentes. Ainda assim, Lênin conseguiu realizar alguns encontros de desterrados na sua região. O principal trabalho era de elaboração de livros e de estudo, que Lênin realizou com afinco e determinação.
Lênin recebia 8 rublos mensais de subsidio do governo, valor que recebia os confinados na Sibéria.
[1] Depois veremos que essa visão de Lênin do “partido de ação de massas” não corresponde ao que ficou conhecido como “partido com influência de massas”, pois um partido pode ter “influência de massas”, pode obter milhões de votos, mas não dirigir os principais centros da luta de classes de um país.
[2] Industria Kustar era a denominação da pequena indústria que surgiu a partir das áreas rurais, na manufatura de produtos do campo, além das ocupações artesanais (ferreiro, sastre, etc…). Era composta por famílias que já produziam para o mercado, assalariando trabalhadores, a indústria doméstica que produzia para um atravessador (comerciante ou industrial) e artesãos que trabalhavam sob encomenda.
[3] Plekhánov, que havia pertencido a organização populista Terra e Liberdade, rompeu com ela e formou uma organização marxista. Em 1884, desmistificava a idealização do passado comunista (e da Comuna Rural) do campesinato, feita pelos populista: “Nuestra comunidad rural (…) ha sido, en realidad, el principal respaldo del absolutismo ruso” y “se está convirtiendo cada vez más en un instrumento que la burguesia rural utiliza para explotar a la mayoría d ela población agraria”. Plejánov, Selected Philosophical Works, pg 451.
[4] Essa era uma das táticas do partido revolucionário em contatar com operários e instruí-los na alfabetização e na política.