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quarta-feira, julho 24, 2024

Teses de Abril de Lênin | “É um delírio, é o delírio de um louco!”

Um texto escandaloso para os reformistas de ontem e de hoje

(A. Bogdanov, menchevique, falando de Lênin e as Teses de Abril)

 Por: Fracesco Ricci

É em 03 de abril de 1917 (16 de abril do nosso calendário), quando o chamado ‘trem blindado’ que abriga Lênin, Zinoviev, Krupskaya, Inessa Armand, Radek e outros chegam na Estação Finlândia. Para acolhê-lo, há uma delegação soviética de Petrogrado, liderada pelo menchevique Cheidze que pronuncia um discurso de boas-vindas. Lênin lhe vira as costas e dirige-se para a multidão. Trotsky escreve: “O discurso que Lênin pronunciou na estação Finlândia sobre o caráter socialista da revolução russa foi uma bomba para muitos líderes do partido [bolchevique, ndr]”. (1)

Lênin, mais uma vez, expõe a sua posição diante de 200 militantes que, na noite de 03 de abril, o escutam em Petrogrado. Entre eles, está também Nicolaj Soukhanov (menchevique internacionalista) que, em suas Memórias, relata o efeito que aquele discurso provocou: “(…) parecia que todos os elementos tinham saído de seus refúgios e que o espírito de destruição universal, que não conhecia nem limites, nem dúvidas (…) pairava na sala (…)”. Quando Lênin termina de falar, há aplausos, mas os líderes bolcheviques presentes têm o olhar perplexo.

Lênin apontou ao mesmo tempo uma mudança de estratégia e a necessidade de implementar a nova linha, para destruir a influência esmagadora dos mencheviques e dos Socialistas-Revolucionários nos sovietes (os bolcheviques na época eram uma pequena minoria). Casualmente e justamente no dia seguinte, organizara-se uma reunião para avançar em direção à reunificação dos bolcheviques e mencheviques…

Soukhanov, que assiste, escreve: “Nessa reunião, (…) Lênin parecia  a encarnação viva da divisão e todo o significado de seu discurso consistia, principalmente, em enterrar a ideia de unificação.” (2)

 Aprendendo a partir da Comuna de Paris

Mas vamos dar um passo atrás. Logo depois de saber da eclosão da revolução de fevereiro, Lênin começa, do exílio na Suíça, uma batalha para mudar radicalmente a estratégia do partido. Em primeiro lugar, em 6 de março envia ao partido este telegrama: “Nossa tática: total desconfiança, nenhum apoio ao novo governo: suspeitar particularmente de Kerensky; armamento do proletariado, única garantia (…) nenhuma aproximação com outros partidos”. (3)

Em março, ele escreve as Cartas de longe (a Pravda publicará apenas uma, com cortes). No centro dessas cartas e textos fundamentais posteriores, entre as quais se destacam as Teses de Abril, das quais trataremos a seguir, há o exemplo da Comuna de Paris que Lênin voltara a estudar naqueles meses, enquanto estava redigindo o chamado Caderno azul (o marxismo e o Estado), uma coletânia de citações comentadas de todos os conceitos expressos por Marx e Engels em relação ao tema do Estado, o trabalho que lhe servirá para escrever Estado e revolução (4).

A revolução que está se desenvolvendo na Rússia, afirma Lênin, é uma revolução socialista. É por isso que o objetivo da revolução é “quebrar o Estado burguês”, assim como fizeram os operários de Paris, e substituí-lo pela ditadura do proletariado. Ou seja, não é uma questão de mudar o condutor da velha máquina estatal, mas de destruí-la e substituí-la por uma inteiramente nova. Mas, para alcançar este objetivo, é necessário afirmar a mais completa independência do proletariado da burguesia e do governo provisório, que é um governo burguês, apesar de ser apoiado pelos Sovietes (onde têm a maioria os Socialistas-Revolucionários e os mencheviques).

Quando Lênin tornou-se… “trotskista”

Não é possível apreciar a profundidade da mudança proposta por Lênin, se não lembrarmos qual era a posição anterior, sustentada durante anos pelos bolcheviques.

Desde o início do século, havia três concepções diferentes sobre a futura revolução russa (5).

Os mencheviques, em nome de uma suposta “ortodoxia marxista” (na verdade, deturpando Marx e atribuindo-lhe uma concepção evolucionista não dialética da história), julgavam que a Rússia devesse passar por um estágio de desenvolvimento capitalista, de industrialização, antes de poder chegar – após um considerável espaço de tempo – à revolução socialista. Portanto, deveria haver antes uma revolução burguesa, que libertaria o País das correntes do czarismo, liderada pela burguesia, com o apoio do proletariado como um aliado subordinado e com a socialdemocracia no papel de ala esquerda e de incitação do “fronte democrático” dirigido pelos  liberais; depois de séculos de desenvolvimento capitalista, teria chegado a hora da revolução socialista.

A posição de Trotsky estava no polo oposto: julgava a burguesia nacional incapaz de atingir os objetivos democráticos e por isso previa uma revolução socialista, liderada pelo proletariado que hegemonizaria os camponeses pobres, a fim de instaurar a ditadura do proletariado e assumir, sem solução de continuidade, os encargos democráticos e (no quadro internacional, de ampliação da revolução) os encargos socialistas (a expropriação da grande indústria, etc.). Isso seria possível porque o “desenvolvimento desigual e combinado” da sociedade e da revolução internacional permitiria a Rússia (como a outros países subdesenvolvidos) “pular” algumas etapas, rompendo um esquema “evolucionista” em etapas, substituído pela “revolução permanente”.

No meio encontrava-se a posição de Lênin e a dos bolcheviques: revolução burguesa “conduzida até o fim”, mas (dada a incapacidade da burguesia nacional, amarrada por mil laços ao capital estrangeiro) com uma direção nas mãos do proletariado e do campesinato (em uma aliança “algébrica”, para retomar a crítica de Trotsky), para instaurar uma “ditadura democrática dos operários e dos camponeses”, isto é, não é uma ditadura do proletariado, mas uma república dentro dos limites da democracia burguesa, prelúdio de um sucessivo desenvolvimento rápido rumo à revolução socialista (os tempos seriam ditados pela revolução na Europa). Lênin acreditava, portanto, como os mencheviques, em uma revolução burguesa: mas diferentemente dos mencheviques, pensava em uma outra direção, uma direção dos operários e dos camponeses, independente da burguesia; pensava em um  programa, com foco no confisco das terras dos nobres; e pensava em tempos diferentes daqueles previstos pelos mencheviques: não haveria séculos para separar esta primeira revolução da sucessiva revolução socialista.

Mas a revolução de fevereiro foi a confirmação (pelo menos para aqueles que queriam raciocinar) de que a única concepção correta e viável era a de Trotsky. Para garantir o cumprimento dos objetivos democráticos (revolução agrária, redução da jornada de trabalho, paz, a Assembleia Constituinte) era necessário primeiro instaurar a ditadura do proletariado (apoiada pelos camponeses pobres), baseada nos sovietes: e, portanto, precisava destruir o governo burguês que representava um obstáculo no caminho do pleno poder dos sovietes.

Lênin não hesitou em abandonar a antiga teoria e, para grande escândalo de muitos, começou a defender, nos fatos, a teoria que há mais de dez anos Trotsky havia elaborado. Por isso Trotsky comenta: “Não é de admirar que as Teses de Abril de Lênin tenham sido condenada como trotskistas.

 A redescoberta da dialética do marxismo

Foi justamente observado por vários estudiosos (7) que a mudança aprovada por Lênin na estação Finlândia foi preparada, de um ponto de vista teórico, com a imersão no estudo da Ciência da lógica de Hegel que Lênin começou em 1914. Um estudo em que ele sentia a necessidade de explicar a traição da Segunda Internacional na Primeira guerra mundial e para compreender a capitulação completa de seus mestres do passado: Plekhanov e Kautsky (este último, em paralelo com o desvio burocrático da SPD, estava abandonando progressivamente aquele marxismo do qual tinha sido o “papa vermelho” na Internacional).

Naqueles meses, fechado na biblioteca de Berna, Lênin descobre um outro Marx, descomtaminado das incrustações feuerbachiane, um marxismo dialético (o das Teses sobre Feuerbach, escritopor Marx em 1845), que nasceu em ruptura com o “antigo materialismo”. Um marxismo baseado na compreensão da dialética sujeito-objeto, desprovido de qualquer concepção causalista, que contrasta com aquele determinismo mecânico, que também o havia em parte influenciado durante um período (pensemos no seu Materialismo e empiriocriticismo de1909). É a descoberta do verdadeiro Marx, distorcido por seus discípulos e deformado pelo oportunismo da Segunda Internacional: o Marx que afirma “o educador deve ser educado” (a terceira das Teses sobre Feuerbach), isto é, as circunstâncias podem ser alteradas pela ação humana, pela luta de classe, pela práxis revolucionária.  Lênin reencontra o Marx que afirma que é o homem quem faz a história, mesmo em circunstâncias que não determinou. Não há neste Marx nenhuma “lei do desenvolvimento histórico”, que prescreva a cada povo uma evolução linear, nenhum fatalismo.

É a ruptura com o marxismo ossificado de Plekhanov que, não por acaso, diante da Revolução de Outubro exclamará: “E’ a violação de todas as leis da história”.

É nesta passagem crucial, condensada nos Cadernos filosóficos (8), que Lênin, erguendo o olhar dos livros de Hegel, apodera-se da dialética que Marx havia absorvido de Hegel e à qual havia conferido um caráter revolucionário. Lênin não deve começar a partir de zero: ele é sempre o único que, desde 1902, com a sua teoria do partido de vanguarda (que conduz o socialismo “para fora” do choque cotidiano entre as classes), havia implicitamente rejeitado o socialismo entendido como um mero produto do impulso de “leis econômicas”. Em Berna, por assim dizer, ele começa a resolver uma contradição que permanecia no seu pensamento: a contradição entre a concepção do partido e programa.

 A batalha de Lênin para “rearmar” o partido

Uma parte majoritária do grupo dirigente bolchevique não entende imediatamente a necessidade da mudança indicada por Lênin.

Kamenev e Stalin, principais dirigentes antes da chegada de Lênin na Rússia, permanecendo ancorados na antiga posição (que, além disso, deformavam ulteriormente à direita), acreditam que os bolcheviques devem fornecer apoio externo ao governo provisório “na medida em que” implementa determinadas políticas; ou seja, trata-se de fazer  “pressão” sobre o governo. Para eles, estamos na primeira fase: a “revolução democrático-burguesa”, enquanto que a socialista poderá desenvolver-se apenas numa segunda etapa. Assim, os bolcheviques, antes da chegada de Lênin, alinham-se, de fato, a posições semelhantes às dos mencheviques: até mesmo sobre a questão da guerra, com a Pravda dirigido por Stalin e Kamenev que repudia o derrotismo revolucionário que havia caracterizado o bolchevismo e, com os sovietes da região de Moscou, aprova, com o apoio dos bolcheviques, a resolução dos social-patriotas sobre a guerra.

Na Conferência nacional do partido, que começa em Petrogrado em 27 de março, Stalin apresenta o relatório sobre o governo. No relatório argumenta que o governo provisório está consolidando as conquistas revolucionárias e, portanto, a tarefa dos sovietes é de “controla-lo” e pressioná-lo. Como consequência lógica, Stalin apresenta uma moção para iniciar um processo de unificação com os mencheviques, que é aprovada com 14 votos a favor e 13 contra. Compreende-se porque, uma vez consolidado o poder da burocracia, Stalin censurará a ata desta Conferência (somente a partir dos anos Sessenta será publicada).

 As Teses de Abril

As Teses de Abril são, indiscutivelmente, o texto mais importante escrito nos meses frenéticos da revolução russa. É um texto curto: 10 teses para um total de 5 ou 6 páginas, publicado na Pravda em 7 de abril (20, de acordo com nosso calendário).

Vamos reler este texto juntos.

Tese 1: rejeição do “defensismo revolucionário” dos mencheviques e dos Socialistas Revolucionários, que apoia a continuidade da guerra. Tese 2: A burguesia roubou o poder ao proletariado, uma vez que este último não era suficientemente consciente e organizado; é preciso  reverter a situação, devolvendo o poder ao proletariado apoiado pelos camponeses pobres. Não é uma tarefa de um futuro indeterminado: é “dever do momento presente.” Tese 3: Nenhum apoio (mesmo crítico) ao governo provisório e, ao contrário, denúncia implacável de  sua natureza de governo burguês. Revertendo a política seguida até então pela direção de Kamenev e Stalin, deve-se evidenciar que não devem ser colocadas condições ao governo, não deve ser “criticamente estimulado,” porque isso significaria apenas “semear ilusões” sobre o fato (impossível) que um governo burguês possa conciliar os interesses das duas classes Inimigas mortais, burguesia e proletariado. Esta Tese fundamental merece uma observação: para Lênin, não se trata de obedecer a critérios abstratos, a um dogma qualquer: o fato é que apoiar de qualquer forma um governo burguês, significa criar obstáculos à conquista do proletariado para a sua compreensão da necessidade de “quebrar” a máquina estatal burguesa, passo inevitável para formar um “governo dos operários para os operários”. Tese 4: sendo os bolcheviques uma pequena minoria” nos sovietes, em relação “aos elementos oportunistas”, é necessário “explicar pacientemente às massas” porque estão  seguindo uma política errada e porque é necessária a passagem “de todo o poder estatal aos sovietes”. Tese 5: O objetivo não é uma república parlamentar burguesa, mas uma república dos sovietes, isto é, que implique a dissolução das forças repressivas, a substituição do exército permanente, a elegibilidade e a revogação de todas as funções. Tese 6: confisco de todas as grandes propriedades fundiárias e nacionalização de todas as terras sob o controle dos sovietes. Tese 7: fusão de todos os bancos em um único banco nacional, sob o controle dos sovietes. Tese 8: controle da produção e da  distribuição pelos sovietes. Tese 9: coerentemente com tudo isso, é necessário que um congresso mude o programa e também o nome do partido por Partido Comunista. Tese 10: criação imediata de uma nova Internacional revolucionária que rompa com os reformistas e com o centro de Kautsky, Cheidze, etc. (9).

O antigo programa, resumido na “ditadura democrática dos operários e dos camponeses” é eliminado por Lênin como “uma fórmula que já não serve para nada” (será Stalin que a ressuscitará no decorrer da degeneração burocrática das décadas sucessivas, mas esta é uma outra história) e quem sustenta aquela fórmula  merece ser relegado no arquivo das curiosidades bolcheviques Curiosidade pré-revolucionárias” (10).

 A chegada de Trotsky: “o melhor dos bolcheviques”

Em 12 de abril, a Pravda publica um artigo de Kamenev que critica as Teses e ressalta que se trata de uma posição pessoal de Lênin, não do partido. Kamenev acrescenta que a linha de Lênin é inaceitável, pois propõe transformação imediata da revolução em revolução socialista, algo que para Kamenev (e não só para ele) lembra muito a posição sempre defendida por Trotsky, que os bolcheviques tinham combatido.

Nos dias seguintes, Lênin inicia uma dura batalha de fração e consegue ganhar o apoio de uma parte importante dos quadros operários, os quais por outro lado (pensemos nos trabalhadores de Vyborg, coluna dorsal do partido) já tinha expressado fortes críticas à linha da Pravda. Mas isso leva tempo: não ganha de imediato. Na primeira votação, no Comitê, no dia 12 de abril, as Teses são rejeitadas com 13 votos contra, 2 a favor e 1 abstenção. Uma semana depois, em uma conferência da região de Petrogrado, Lênin bate Kamenev, por 20 votos, contra 6 e 9 abstenções. Por fim, na VII Conferência pan-russa do partido (Petrogrado, 24-29 de abril), as Teses de Lênin ganham a maioria. No entanto, mesmo assim, uma resolução específica sobre o tema do “caráter” socialista da revolução consegue somente 71 votos de um total de 118 (11): uma parte do partido ainda está presa ao antigo “completar a revolução democrática”, consequentemente esta ala do partido (mais notavelmente Kamenev, Rykov, Nogin, enquanto      Stalin nesse meio tempo realinha-se com a maioria) julga que o papel dos sovietes seja de simples “controle” do poder que deve permanecer no governo provisório.

Sobre a questão da mudança de nome do partido, que propôs para demarcar-se ainda mais claramente dos mencheviques, Lênin consegue somente o seu voto. Não é uma vitória simples, portanto, e certamente ajudada pelo fato de que o governo provisório aproximava-se de uma primeira crise profunda, com manifestações de rua. Mas, acima de tudo, como observado por Trotsky (12), a vitória de Lênin sobre a direita do partido é favorecida pelo fato de que, para além da fórmula programática errada da “ditadura democrática”, o partido bolchevique preparava-se há quinze anos para estar à frente do proletariado na luta pelo poder e para isso, na prática, superando sua própria direção, os militantes já agiam, inconscientemente, em outra perspectiva, que Lênin iluminará  com as Teses de Abril.

Enquanto isso, no dia 4 de maio (17 com o novo calendário), também Trotsky chega em Petrogrado, depois de passar os primeiros meses do ano em Nova York, após a expulsão da Espanha e da França e depois de passar um mês preso no campo militar de Amhrest, tendo sido libertado após uma campanha dos sovietes de Petrogrado. Já nas primeiras semanas após a eclosão da revolução, ele havia escrito uma grande quantidade de artigos (em sua maioria publicados no periódico em língua russa Novy Mir) onde retomava a sua teoria da “revolução permanente” e a desenvolvido no âmbito concreto: oposição irreconciliável ao  governo provisório como premissa  indispensável para entregar todo o poder aos sovietes e, assim, desenvolver a revolução socialista.

Quando chega na Rússia, Trotsky inicia a colaboração com Lênin, que resultará na fusão dos  interdistrituais (13) com os bolcheviques.                                

Enquanto Lênin ultrapassou o seu programa “centrista” da “ditadura democrática”, Trotski ultrapassou as suas críticas “centristas” ao partido de tipo bolchevique e abandonou o unitarismo: de fato, desde 1914 está gradualmente modificando sua posição para chegar “à conclusão de era preciso não só” uma luta ideológica contra o menchevismo (…), mas também uma ruptura organizativa sem compromisso com ele” (14).

Assim, enquanto a “revolução permanente” não é mais considerada (pelo menos até o início da stalinização em 1924) como uma ideia específica de Trotsky, mas torna-se prática e património do bolchevismo e da sucessiva (1919) Internacional Comunista, Trotsky torna-se (definição de Lênin) “o melhor dos bolcheviques”.

Uma lição essencial para hoje

Para concluir, é interessante perguntar: que posição teria assumido, se tivesse presenciado os fatos, toda aquela esquerda, italiana e mundial, que está comemorando o centésimo aniversário do outubro (Rifondazione até dedicou ao ano de 1917 a própria carteira de identificação dos militantes do partido de 2017)? Para nós, a resposta parece certa: uma parte majoritária teria apoiado o governo provisório, participando com seus ministros; uma outra parte, (que nós definimos “centrista”, ou seja, semi-reformista) ,teria dado um apoio “crítico” ao governo, prometendo às massas a possibilidade de condicionar esse apoio com ações nas ruas. Enquanto apenas uma pequena parte da esquerda mundial (certamente a Lit-Quarta Internacional, e quem mais?) agiria de acordo com as indicações daquele telegrama de Lênin: sem o apoio ao governo, nenhuma aproximação à esquerda que apoia o governo.

Estamos errados? Não, e a confirmação disso vem da simples observação do que fez, nas últimas décadas, toda a esquerda, com exceção de nós. É suficiente observar a política de Refundação Comunista neste quarto de século: com o apoio aos dois governos Prodi e a participação direta no governo imperialista, com o seu próprio ministro (Paolo Ferrero, atual secretário do partido). Ou ainda, pode-se ver como toda a esquerda reformista e semirreformista encontra-se unida nestes últimos anos, indicando no governo burguês grego “de esquerda” de Tsipras um modelo a ser imitado. O mesmo fizeram com os governos do PT no Brasil apontados como o exemplo da capacidade de governar diversamente o capitalismo, conciliando os interesses das classes.

Estes não são a prova certa de que toda esta esquerda, se estivesse presente na revolução de 1917, teria ficado no lado oposto de Lênin?

Ao se fazer essa constatação, é preciso acrescentar que, quando falamos dos governos Prodi, de Lula-Dilma, de Tsipras não estamos falando de governos nascidos de uma revolução e apoiados pelos sovietes, como aqueles em que os bolcheviques fizeram oposição, de todas as formas, em 1917! Neste sentido, devemos concluir reformismo atual coloca-se em um degrau ainda mais baixo daquele reformismo menchevique que, segundo a famosa definição de Trotsky, tinha conquistado o direito de terminar na lixeira da história.

Assim, as Teses de Abril continuam, um século mais tarde, sendo um texto escandaloso para os reformistas. Enquanto que o Outubro é comemorado como um evento glorioso do passado, esvaziado de seus ensinamentos. Esses ensinamentos que, ao invés, devemos recuperar, a fim de que a classe operária possa encaminhar-se, com as lutas e a revolução, em direção a um novo outubro.

Notas

(1) Lev Trotsky, As Lições de Outubro (edições Prospettiva, 1998, p. 220).

(2) N. Soukhanov, “Le Discours de Lénine du 3 Avril 1917”, publicado em Cahiers du Mouvment Ouvrier, n. 27, 2005, direção de J.J. Marie. Nossa tradução do francês.

Várias passagens do testemunho Soukhanov são retomados também por Trotsky em Stalin (1940) e, especialmente, na História da Revolução Russa (aqui e mais tarde, citamos a edição Mondadori, 1969).

(3) Citado por Trotsky em História da Revolução Russa, vol. I, p. 320. O telegrama, escrito em francês, foi enviado a Estocolmo aos bolcheviques que partiam na Rússia e foi lida em Petrogrado em 26 de março em uma reunião dos membros do CC bolchevique, presentes na Rússia.

(4) Para uma análise das Cartas de Longe, e da referência à Comuna de Paris, nos permitimos remeter ao nosso recente artigo: “1871-1917: Duas revoluções no espelho. Porque os bolcheviques estudaram a Comuna de Paris para fazer o Outubro.” Versão italiana do artigo publicado no site da LIT Quarta Internacional, com o título: “1871-1917: ¿por qué los Bolcheviques estudiaron a Comuna de Paris para hacer el Octubre “

(5) Reconstruímos este debate, de forma bem mais detalhada do que é possível no espaço deste artigo, no nosso: “O que é a teoria da revolução permanente” em Trotskismo hoje, n. 1, setembro de 2011.

(6) Lev Trotsky, História da Revolução Russa, vol. I, p. 347.

(7) Pensamos em vários estudos de Michael Lowy, incluindo “De la Grande logique de Hegel à la gare finlandaise de Petrogrado” em Dialética e Revolução (Anthropos, 1973) ou ao mais recente e interessante (embora não compartilhemos algumas das conclusões) Kevin Anderson, Lênin, Hegel and Westem Marxism (University of Illinois Press, 1995).

(8) V. I. Lênin, Cadernos Filosóficos, em Obras Completas, Volume 38 (Editori Riuniti, 1966).

(9) V.I. de Lênin Teses de Abril, em Obras Completas, Volume 24, pp. 10 e seguintes (Editori Riuniti, 1966).

(10) As expressões que foram colocados entre aspas nesta frase são utilizadas por Lênin nas Cartas sobre a Tática (Obras Completas, Volume 24, p. 33 e ss.).

(11) Para uma análise detalhada das várias votações realizadas na Conferência de Abril, veja-se: Marcel Liebman, a Revolução Russa (Marabout Université de 1967); ou Jean Jacques Marie, Lênine (Balland, 2004).

(12) Sobre toda a questão relativas às Teses de Abril e à luta no Partido remetemos à melhor história de 1917 que existe, a de Lev Trotsky: História da Revolução Russa e, em particular, para as questões que aqui tratamos, a dois capítulos do primeiro Volume: “os bolcheviques e Lênin” e ” o rearmamento do partido.”

(13) A interdistrituais ou Mezhraionka, uma organização de cerca de 4.000-5.000 militantes, na realidade era mais uma coordenação de ex-mencheviques e de ex-bolcheviques do que um partido. Participavam dela também Ioffe, Lunacharsky, Antonov-Ovseenko, Urickij. Para ler mais, consulte: Ian D. Thatcher, “The St. Petersburg/Petrograd Mezhraionka, 1913-1917: The Rise and Fall of a Movement for Social-Democratic Unity” in Slavonic & East European Review, 87, 2009.

(14) Sobre isso, ver Lev Trotsky, “o rearmamento do Partido”, em História da Revolução Russa (p. 342-360).

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